Movimento
lança carta a pedir medidas urgentes pelo direito a morar em Lisboa
POR O CORVO • 24
JANEIRO, 2017 •
“É cada vez mais
difícil morar em Lisboa”. Começa assim a carta aberta “Morar em
Lisboa”, endereçada ao Governo, aos deputados, ao município e aos
cidadãos, redigida, na semana passada, por um conjunto de
instituições e indivíduos ligados ao meio académico, sobretudo
arquitectos, geógrafos e sociólogos, e ao activismo social. Pedem a
tomada de medidas urgentes para inverter o que apontam como a
inequívoca intensificação na capital do processo de gentrificação
– ou seja, a valorização imobiliária de uma área da cidade,
forçando residentes com menor poder económico a sair para dar lugar
a outros com maior poder.
“Nos últimos
três/quatro anos, os preços da habitação para arrendamento
aumentaram entre 13% e 36%, e para aquisição subiram até 46%,
consoante as zonas da cidade”, denuncia o texto, que, entre os
signatários colectivos, conta, entre outros, com a Academia Cidadã,
a Associação de Moradores do Bairro Alto, a Associação das
Colectividades do Concelho de Lisboa, a Associação dos Inquilinos
Lisbonenses, a Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e
Defesa do Património, o Grupo de Estudos de Ordenamento do
Território e Ambiente (GEOTA), a Associação Habita – pelo
Direito à Habitação e à Cidade ou ainda a Associação do
Património e da População de Alfama.
Os autores do
documento, que até à tarde desta segunda-feira (23 de janeiro)
havia sido subscrito por quase 2500 pessoas, denunciam um quadro
sombrio: “uma drástica subida dos valores do arrendamento de
habitação que tem levado à expulsão de população das áreas
mais centrais da cidade, em conjunção com uma queda abrupta da
oferta e com um aumento exponencial dos valores para aquisição de
casa própria, tornaram o acesso à habitação em Lisboa privilégio
de poucos e direito praticamente inacessível às famílias
portuguesas”.
Nascido de sessões
de reflexão, inicialmente dinamizadas pela Academia Cidadã, e que
teve como momento chave uma “masterclass” sobre o tema ocorrida
em abril de 2016, o texto considera “indispensável a adoção
urgente de uma política nacional e municipal de habitação que
favoreça e dinamize o arrendamento, público e privado, com direitos
e deveres, com segurança e estabilidade”. “Entendemos que é
necessária uma nova política de habitação e de ordenamento do
território, uma Lei de Bases da Habitação, uma política fiscal
diferenciadora dos vários usos da habitação”, dizem.
Entre as medidas
prioritárias que, entendem, poderão contribuir para a alteração
da actual escassez de casas para arrendar, os signatários pedem um
incentivo da colocação no mercado de propriedades devolutas –
“incluindo o património do Estado e dos Municípios” -, o
estabelecimento de parcerias diversas com os sectores privado e
social, a criação de mecanismos de controlo das rendas “através
de uma política fiscal adequada”, tendo em conta a função social
do arrendamento, e o dificultar e o impedimento dos despejos sem
assegurar o realojamento dos residentes.
Preocupados com as
consequências, cada vez mais agudas e interligadas, nos últimos
anos, da revolução turística e da exuberante retoma do mercado
imobiliário, os responsáveis pelo documento consideram “urgente
lançar um outro paradigma de desenvolvimento de Lisboa como um
território partilhado, socialmente diversificado, dando prioridade
ao equilíbrio económico e social, à igualdade e coesão, ao acesso
à habitação, à multiplicidade de usos, ao espaço público, à
mobilidade, à conservação do património, à promoção da cultura
e do desporto, à convivência cívica e à participação cidadã”.
Algo que será possível, advogam, com o “colocar e manter na
primeira linha da agenda política nacional o tema da habitação”.
A carta aponta como
culpados maiores do processo de expulsão da cidade das classes menos
abastadas a “pressão e especulação fundiária e imobiliária”,
resultantes do súbito interesse turístico pela capital portuguesa.
Mas destaca o que avalia como papel decisivo do Estado português no
processo, “pelo desenho e uso de instrumentos legais e financeiros
destinados ao apoio do investimento privado no mercado imobiliário,
em particular a ‘Lei do Arrendamento’, a ‘Lei dos Residentes
Não Habituais’ e dos ‘Visa Gold’”.
Em conjunto,
denunciam os autores da missiva, as três medidas legislativas, da
autoria do anterior Governo, têm contribuído para a “intensificação
da especulação imobiliária”, o aumentado do poder dos senhorios,
o atualizar excessivo das rendas e o facilitar os despejos, “levando
à expulsão de muitos habitantes e ao encerramento de atividades
económicas, sociais e culturais”, bem como o beneficiar com
vantagens fiscais dos cidadãos estrangeiros mais endinheirados.
O que está a ter
óbvias consequências, avisam. “A nível da cidade de Lisboa, a
manter-se a oferta insuficiente e a excessiva subida nos preços na
habitação – exponenciada no centro histórico e a alastrar por
toda a cidade -, continuaremos a assistir à perda de população, ao
despovoamento, ao decréscimo dos jovens, ao fenecimento de múltiplas
comunidades que dão cor e vida à cidade”, avisam. Apontando o
dedo à “prática contraditória” do Governo e da Câmara
Municipal de Lisboa, os signatários dizem que “a atual política
habitacional está a aprofundar as desigualdades socio-territoriais,
a expulsar um grande número de famílias para as periferias e a
tornar o acesso à habitação nas áreas centrais das cidades um
privilégio dos mais ricos, a gerar desequilíbrios urbanos e a
potenciar conflitos sociais”.
Ouvida pelo Corvo,
Leonor Duarte, um dos membros da Academia Cidadã, assegura que o
documento reflete uma “preocupação crescente de muita gente com o
que se está a passar”. “Mesmo muitas pessoas que, há seis
meses, nos diziam que, se calhar, estávamos a exagerar, argumentando
que as mudanças são parte da vida de uma cidade, estão agora a
ficar apreensivas e juntam-se a nós”, afirma. A ativista social
diz que existe ainda gente que não assinou a carta, por não se
rever em determinadas partes da mesma, mas que concorda com o seu tom
geral.
Leonor Duarte faz
questão de sublinhar que esta iniciativa não contesta a importância
do turismo para a economia da cidade e do país, querendo antes
alertar para a necessidade premente de o enquadrar com o direito
básico à habitação. “Temos que reflectir sobre o tipo de
transformação em curso em Lisboa e para quem está a ela ser
benéfica. Desejamos uma cidade onde haja investimento, sem dúvida,
mas que seja também para viver. Queremos que o turismo perdure em
Lisboa, mas que tenha bases para continuar e não esteja a criar algo
que não nos parece nada saudável, que é uma cidade sem os seus
habitantes”, afirma activista, apontando o bom exemplo das
autoridades de Berlim, que têm tomado medidas para contrariar o peso
excessivo do alojamento turístico.
Mais informações:
http://moraremlisboa.org/
Texto: Samuel Alemão
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