Câmara
de Lisboa vendeu painel de Querubim Lapa à CUF
Painel
de azulejos que foi premiado pela autarquia em 1995 foi vendido
juntamente com os terrenos do "triângulo dourado", onde
está a nascer um hospital. A obra de arte vai manter-se no local.
JOÃO PEDRO PINCHA
13 de Janeiro de 2017, 8:52
As obras de
construção de um novo hospital CUF num terreno de Alcântara
levaram à demolição de praticamente tudo o que ali existia antes.
Uma coisa, no entanto, manteve-se. Um painel de azulejos da autoria
de Querubim Lapa, agora tapado por uma rede verde, é o último sinal
de que em tempos existiu um muro a circundar aquele terreno com mais
de 20 mil metros quadrados, conhecido como “triângulo dourado”.
Uma obra de arte que era municipal e que passou discretamente para as
mãos do grupo Mello. Tão discretamente que, a princípio, nem o
próprio grupo tinha certezas sobre a sua posse.
Apesar de isso não
estar explícito em nenhum documento, quando uma empresa do grupo
José de Mello Saúde comprou o terreno, em Janeiro de 2015, ficou
também com esse painel, que está instalado no local desde 1994 e
foi oferecido por uma farmacêutica à autarquia. O conjunto
azulejar, chamado “O Terraço”, em que dominam os tons verdes e
azuis e os motivos marítimos e vegetalistas, recebeu em 1995 o
Prémio Jorge Colaço de Azulejaria, promovido pela própria Câmara
Municipal de Lisboa.
A autarquia
confirmou ao PÚBLICO, através do gabinete de comunicação, que o
painel é “propriedade dos adquirentes do terreno”. Inicialmente,
uma fonte da José de Mello Saúde negou que a obra de arte tivesse
passado para as mãos da empresa e disse mesmo que “qualquer
decisão” sobre o futuro dos azulejos competeria à câmara.
Mas a autarquia
disse também ao PÚBLICO que o projecto do novo hospital só foi
aprovado na condição de o painel ser colocado “no novo jardim, de
utilização pública, que vai ser construído no local”.
Confrontada com estas informações, a fonte do departamento de
comunicação da José de Mello Saúde acabou por dizer que está
prevista uma “futura aplicação no jardim público”.
Porém, Frederico
Valssassina, arquitecto que assina o projecto do hospital, explica
que “desde o seu início teve presente a existência deste painel”,
mas esclarece que o mesmo “fica no actual local, pois é impossível
a sua recolocação”.
A LBO Land, empresa
do grupo José de Mello Saúde (que entretanto mudou de nome para IMO
Health), arrematou o “triângulo dourado” em hasta pública por
mais um euro do que o preço base de licitação, 20,350 milhões de
euros. O negócio concretizou-se em Janeiro de 2015, mas o grupo já
em 2013 tinha apresentado ao município um Pedido de Informação
Prévia para a construção de um hospital naquele sítio. Acabou por
ser o único licitador na hasta pública.
Na altura, o destino
do painel de azulejos ficou abafado no meio da muita polémica que
rodeou o assunto. “Sempre tivemos inquietação em relação ao
futuro do painel”, assegura agora João Ferreira, vereador
comunista. “Entre as várias questões que o PCP levantou,
referimos a questão do painel”, garante.
O próprio Querubim
Lapa já se manifestara preocupado com “O Terraço”, que há
muitos anos estava rodeado por cartazes publicitários. Em Junho de
2014, o mestre ceramista disse ao PÚBLICO que a câmara estava a
demonstrar “falta de respeito pela obra de arte” ao consentir na
colocação de publicidade que ofuscava o painel. Chegou a ser
equacionada a reprodução de “O Terraço” noutro local da
cidade, uma vez que estes azulejos estão cimentados à parede e não
podem ser removidos, mas a proposta nunca andou para a frente.
Querubim Lapa morreu
a 2 de Maio de 2016, aos 90 anos. Cinco dias depois, a José de Mello
Saúde tornou-se efectivamente dona do terreno e do painel. As obras
de construção do futuro hospital CUF Tejo começaram no fim de
Junho. Uma das primeiras coisas a ir abaixo foi um edifício com
inúmeros murais evocativos dos 40 anos do 25 de Abril.
A José de Mello
Saúde conta ter o novo hospital a funcionar em 2019. O equipamento,
que vai custar mais de cem milhões de euros, terá seis pisos à
superfície, três pisos subterrâneos para estacionamento e um
jardim virado à Avenida da Índia. É aí que "O Terraço"
vai ficar, garante Frederico Valssassina, embora não seja conhecida
nenhuma imagem do projecto com o painel.
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