“Financial
Times”: elogio ou crítica?
Jornal
britânico elogia Costa, que bateu as expectativas, mas deixa uma
série de avisos à navegação. A dívida é alta, o PIB cresce
pouco, a banca é um problema e os juros podem disparar a qualquer
momento. O desafio para 2017 é outro e Marcelo já o disse na
mensagem de Ano Novo
JOÃO SILVESTRE
03.01.2017 às
16h4931
Nào pode haver uma
crise na próxima semana, já tenho a agenda cheia”, disse um dia,
com humor, Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA nas
administrações de Richard Nixon e Gerald Ford. Kissinger não é
português nem viveu em Portugal no último ano mas a sua frase bem
podia ser usada por alguns dos responsáveis políticos portugueses.
Ao longo de 2016, foram várias as crises anunciadas que acabaram por
não acontecer. Desde o cartão vermelho da Europa ao primeiro
Orçamento do Estado de António Costa, ao risco de estouro da
‘geringonça’ ou a ameaça de sanções europeias no verão.
Mas os piores
cenários acabaram por não se concretizar e o Governo chega ao fim
do ano com vários elogios. A começar em Marcelo Rebelo de Sousa mas
passando também pela imprensa económica internacional que, no
início, levantou algumas dúvidas sobre a solução de governo
socialista apoiada à esquerda por PCP, PEV e Bloco de Esquerda.
Esta segunda-feira,
foi a vez do “Financial Times”, num texto amplamente divulgado em
Portugal. “Mantêm-se algumas preocupações mas o
primeiro-ministro antiausteridade socialista bateu as expectativas”
lê-se logo na entrada do artigo assinado por Peter Wise,
correspondente do diário britânico em Lisboa. As palavras,
simpáticas para António Costa, têm muito a ver com as (piores)
expectativas que não se confirmaram. O jornal lembra que alguns viam
Costa como um “aventureiro” que fez um “pacto diabólico com os
comunistas e a esquerda radical”, que Passos Coelho falava numa
“casa em chamas” e que “até agora não há nenhum fogo”.
A grande vitória do
Governo é conseguir fechar o ano com um défice abaixo de 3% do PIB
e poder tirar Portugal do Procedimento por Défice Excessivo, onde
está há quase uma década. Os números finais só serão reportados
pelo Instituto Nacional de Estatística ao Eurostat no final de
março, mas Costa já assegurou que ficará abaixo de 2,5%, o limite
imposto por Bruxelas. Mas a dívida volta a subir e o crescimento
será bastante inferior ao previsto inicialmente.
AS EXPECTATIVAS?
QUAIS EXPECTATIVAS?
Para o FT é tudo
uma questão de expectativas. E estas não eram muito animadoras aos
olhos dos partidos da oposição e de vários analistas. Houve quem
falasse na vinda do Diabo, no falhanço da meta de défice e até num
colapso do acordo político que sustenta o governo socialista. Nada
disso aconteceu. Quer dizer que não há problemas? Nada disso. Mesmo
com um tom elogioso, o artigo do Financial Times mete o dedo em
algumas das feridas que castigam a economia portuguesa: fraco
crescimento, dívida excessiva e banca.
Lembra o jornal que
muitos dos críticos do Governo “temem que o modesto crescimento
económico – previsto pelo Banco de Portugal em 1,2% para 2016 -
seja demasiado baixo para sustentar a dívida pública acima de 130%
do PIB” e que há também “preocupações com o frágil sector
financeiro, penalizado por créditos problemáticos que estão a
fazer aumentar os custos de financiamento do Estado”. Sublinha
inclusivamente que as taxas de juro da dívida a 10 anos se
aproximaram de 4% quando o Banco Central Europeu anunciou, em
dezembro, a extensão do programa de compra de dívida a partir de
abril num montante inferior. A taxa a 10 anos mantém-se próxima da
fasquia dos 4% e rondava esta tarde os 3,927%.
É esta pressão dos
mercados que, segundo um economista português não identificado
citado pelo FT, faz com que “qualquer choque – bancos italianos,
eleições francesas – possa precipitar uma crise”. A estes
alertas, o jornal refere ainda outros problemas, como a reversão de
reformas no mercado de trabalho, dificuldade em atrair investidores e
controlo de despesa pública à custa do investimento público.
Este ano, António
Costa não tinha agenda para crises, ainda mais para crises que nunca
aconteceram. Mas há vários problemas que podem complicar a vida à
economia portuguesa no próximo ano. E as expectativas para 2017,
Marcelo já as fixou, são bem mais exigentes. O curto prazo é
passado, o longo prazo está já aí.
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