Pode vender-se a alguém o que alguém não quer comprar?
16 DE JANEIRO DE 2017
00:01
Paulo Baldaia
Com cada vez menos dinheiro e com cada vez menos relevância,
muitos jornalistas continuam convencidos de que a culpa é dos outros. Dos que
não compram, dos que não publicitam, dos que não financiam. Mesmo quando se
considera que a culpa também é dos jornalistas, é dos outros jornalistas. E não
parece ocorrer a ninguém que, entre culpas e desculpas, há uma fatalidade neste
negócio: a intermediação é cada vez mais dispensada, quer pelas fontes quer
pelos destinatários.
As redes sociais não precisam de jornalistas, como não
precisam de jornalistas as conferências de imprensa sem direito a perguntas. E
os meios de comunicação social também não precisam de jornalistas que vão a
conferências de imprensa sem perguntas para fazer. E não precisam de
jornalistas que não são capazes de procurar e encontrar a informação que as
fontes não querem revelar.
Uma parte significativa dos jornalistas reuniram-se em
congresso, fizeram diagnósticos e procuraram soluções. Do que pude perceber, a
precariedade dos postos de trabalho e os baixos salários (matéria laboral) e as
opções que fazemos como jornalistas (matéria editorial) estiveram em destaque.
Para resolver a primeira é preciso dinheiro, para resolver as duas é preciso
coragem. Vamos por partes.
O que tem financiado as empresas de comunicação social, seja
as que oferecem a informação (televisões, rádios e sites abertos) ou as que a
vendem (jornais e sites fechados), tem sido a publicidade, mas ela dissemina-se
agora por múltiplas plataformas. O investimento no online já supera o
investimento nos jornais e na rádio e a televisão também se prepara para ser
ultrapassada. Mas, do bolo publicitário na internet, a Google e o Facebook
ficam com bastante mais do que metade. Isto quer dizer que as empresas de
comunicação social vão ter de encontrar financiamento alternativo. Já não
chegam os eventos e os produtos patrocinados, é preciso muito mais. As empresas
(não os jornalistas) vão ter de entrar no comércio online, vendendo produtos e
serviços, tirando partido de terem os sites que geram maior tráfego. É preciso
primeiro encontrar o necessário investimento para dar este passo e depois
ultrapassar o preconceito dos jornalistas que costumam reagir mal sempre que
aparece uma nova forma de financiamento. Mas muitos jornalistas afirmam
orgulhosamente não querer saber do financiamento das empresas em que exercem a
sua profissão. Viabilizar as empresas onde se faz jornalismo implica muitas
vezes contrariar a vontade dos próprios jornalistas. Confunde-se falência com
liberdade, viabilidade com dependência. Como se não dependesse apenas do
próprio jornalista afirmar diariamente, com o trabalho que faz, a sua liberdade
e a sua independência.
Vencida a dificuldade financeira, os que lá conseguirem
chegar vão mesmo ter de resolver as questões laborais, porque não há bom
jornalismo sem jornalistas motivados. A primeira etapa terá de ser a de dar as
mesmas condições de trabalho aos mais novos e aos mais velhos. Não é possível
manter este gap geracional, em que uns têm todos os direitos e os outros não
têm direitos nenhuns. A camaradagem não pode ser, apenas, uma forma de dizer
bom dia, tem de ser um modo de vida. Nada nesta profissão é dado, como em
muitas outras, tudo tem de ser conquistado. Mas não é necessário chegar ao
equilíbrio financeiro para resolver as questões das opções que fazemos
editorialmente.
Quando ouço um jornalista queixar-se da hierarquia,
culpando-a pela qualidade do seu trabalho, fico sempre perplexo. Em que redação
não se discutem boas ideias, quando elas aparecem? Em que redação um bom texto
é transformado num texto descuidado por interferência de uma chefia? Quando
vejo o tempo que gastamos a discutir a cobertura das agendas dos poderes
instituídos, sei que os jornalistas ainda não sabem que é isso que nos divorcia
dos leitores e, portanto, os afasta de nós. É mais fácil fazer o que todos
fazem, é preciso coragem para fazer diferente. Quando ouço os jornalistas falar
de bom jornalismo, questiono-me sobre o lugar onde eles se encontram quando,
com demasiada frequência, nas redações se produzem notícias sem cumprir as
regras mais básicas, como cruzar fontes ou fazer o contraditório.
Sim, é preciso resolver as questões laborais que afetam
sobretudo os jornalistas mais novos, os que chegaram à profissão já ela vivia
uma crise profunda. Nada disto será feito sem que se encontrem outras fontes de
financiamento, nada disto será feito se não houver diferenciação, nada disto
será feito até que os jornalistas percebam que o que querem vender ninguém lhes
quer comprar.
Jornal Público dispensa três colunistas
Alexandra Lucas Coelho "regista" o facto de
"os três estarmos claramente à esquerda do que é o posicionamento" de
David Dinis.
16 de Janeiro, 2017 - 17:11h
A José Vítor Malheiros, cuja saída foi anunciada pelo
próprio no início do mês, juntam-se agora os jornalistas Paulo Moura e
Alexandra Lucas Coelho que publicaram hoje simultaneamente no facebook uma nota
onde confirmam o fim da relação com o jornal Público. Os três deixam claro que
esta decisão acontece por decisão de David Dinis, nomeado diretor do jornal em
outubro, e que os nomes estão relacionados.
Segundo Alexandra Lucas Coelho "isto acontece na
sequência de David Dinis ter dispensado José Vitor Malheiros e Paulo Moura,
nomes fundamentais na história do Público." E acrescenta, "registo
ainda o facto de os três estarmos claramente à esquerda do que é o
posicionamento do recém-empossado diretor".
José Vítor Malheiros, que no início de janeiro publicou a
sua última crónica no jornal, tinha já esclarecido que "a minha saída não
se deve de forma alguma a uma decisão pessoal." Agora, acrescenta que
"a recente dispensa de Alexandra Lucas Coelho e de Paulo Moura - dois dos
melhores repórteres e dos mais originais autores da sua geração - pode ser
sinal de muitas coisas quanto à orientação editorial do Público. Mas é
certamente sinal de uma: a aposta na qualidade e na diversidade de pontos de
vista não é um dos eixos da nova estratégia do Público."
Em baixo transcrevemos as notas do facebook de cada
jornalista.
Paulo Moura
A minha colaboração com o Público termina este mês, por
iniciativa da actual direcção, de David Dinis. Estou no jornal desde a sua
fundação. Saí dos quadros da empresa em 2013, por minha decisão, mas mantive um
acordo de colaboração regular. Chega agora ao fim uma intensa e fecunda relação
de 27 anos, no mesmo momento em que são dispensados do jornal nomes tão fundamentais
da imprensa portuguesa como Alexandra Lucas Coelho e José Vítor Malheiros.
Continuarei a fazer reportagem, a escrever e a publicar onde
quer que o Jornalismo seja valorizado.
Alexandra Lucas Coelho
O recém-empossado director do “Público”, David Dinis, propôs
reduzir a minha crónica semanal a mensal e cortar para metade a remuneração de
cada crónica. Recusei por considerar que essa proposta esvazia o diálogo com o
leitor e reduz a remuneração a algo indigno. Nenhuma outra proposta foi feita.
Cumprirei, pois, o contrato que tenho até 31 de Março, e a partir daí
encerra-se a minha relação de 19 anos com este jornal. Registo que isto
acontece na sequência de David Dinis ter dispensado José Vítor Malheiros (link
is external) e Paulo Moura (link is external), nomes fundamentais na história
do “Público”, e do jornalismo português. Registo ainda o facto de os três
estarmos claramente à esquerda do que é o posicionamento do recém-empossado
director.
José Vítor Malheiros
A recente dispensa de Alexandra Lucas Coelho e de Paulo
Moura - dois dos melhores repórteres e dos mais originais autores da sua
geração - pode ser sinal de muitas coisas quanto à orientação editorial do
Público. Mas é certamente sinal de uma: a aposta na qualidade e na diversidade
de pontos de vista não é um dos eixos da nova estratégia do Público.
Título corrigido às 23.25h de 16 de janeiro de 2017,
substituindo a palavra "colaboradores" por "colunistas"
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