Retórica
anti-muçulmana de Trump reforça Daesh, dizem analistas
Presidente
dos EUA apresentou medida contra terroristas, mas diplomatas frisam
que iraquianos que trabalharam para as tropas americanas são dos
principais afectados por medida contraproducente.
ANA DIAS CORDEIRO 28
de Janeiro de 2017, 12:31
Malala Yousafzai, a
activista paquistanesa Nobel da Paz 2014, foi uma das primeiras a
reagir à assinatura do decreto pelo Presidente Donald Trump que
proíbe todos os cidadãos de sete países muçulmanos de entrarem
nos Estados Unidos, nos próximos três meses. O anúncio da medida
transitória, que também suspende, durante 120 dias, as entradas de
todos os refugiados no país, deitou por terra as esperanças de
iraquianos que colaboraram com Washington durante a permanência das
tropas americanas e que se vêem em risco de viver no Iraque.
“O Presidente
Trump matou os nossos sonhos. Não tenho nenhuma esperança de algum
dia ir para os Estados Unidos”, disse à Reuters a partir de
Bagdad, um iraquiano que pediu para manter o anonimato por motivos de
segurança, e cuja mulher trabalhou para a Agência dos Estados
Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O casal é um
dos muitos exemplos de cidadãos com medo de serem perseguidos no
Iraque ou noutros países muçulmanos por terem trabalhado para a
Administração norte-americana e que beneficiaram, nos últimos
anos, de um programa de acesso facilitado a vistos.
A perspectiva é
partilhada por um capitão da Marinha dos Estados Unidos, na reforma,
que esteve no Iraque em 2003. E que também à Reuters, que contratou
vários iraquianos como tradutores e intérpretes,sublinha que muitos
milhares de iraquianos, que trabalharam para os Estados Unidos, "são
vistos como colaboradores" e o risco que correm é grande.
"Muitos tradutores estavam a tentar deixar o país porque
estavam marcados por terem trabalhado com as forças
norte-americanas."
Dar força aos
extremistas
A assinatura do
decreto que proíbe todas as pessoas do Iraque, Síria, Irão, Sudão,
Líbia, Somália e Iémen, de entrarem nos Estados Unidos motivou
análises muito pessimistas de diplomatas e especialistas em relações
internacionais, para quem a retórica de Trump alimenta a cruzada dos
extremistas do Daesh contra os Estados Unidos.
Numa declaração
divulgada logo após o anúncio de Trump, Malala evocou as crianças
de alguns desses países, crianças que, como disse, “não têm
culpa de sere apanhadas” por anos de guerra. E deu o exemplo de uma
amiga, Zaynab, que fugiu de três países – Somália, Iémen e
Egipto – "antes dos 17 anos e a quem os Estados Unidos
concederam um visto, permitindo-lhe aprender a língua e estudar para
se tornar uma advogada de direitos humanos.”
E depois de se dizer
“destroçada” ao ver que “a América vira as costas à tradição
de acolher refugiados e imigrantes – as pessoas que ajudaram a
construir o país, prontas a um árduo trabalho em troca de uma
oportunidade justa para uma vida nova”, a activista deixou um
pedido: “Nestes tempos de incerteza e instabilidade no mundo, peço
ao Presidente Trump que não vire as costas às crianças e famílias
mais indefesas do mundo.”
Apesar de, durante a
campanha e já depois de tomar posse, se referir aos muçulmanos como
alvo preferencial de algumas das suas políticas, Donald Trump
apresentou a medida, nesta sexta-feira, não contra os muçulmanos
mas contra os terroristas.
Prioridade aos
cristãos
A percepção porém,
segundo o jornal New York Times, é que o decreto assinala uma
provocação porque tem nele subjacente a ideia de atingir os
muçulmanos. Donald Trump disse que assim que os Estados Unidos
voltarem a aceitar refugiados, os cristãos terão prioridade. O
jornal cita um professor de relações internacionais na Turquia,
Ilter Turan, para quem esta retórica pode até ser usada “pelos
terroristas que passarão a dizer: ‘Estão a ver. O alvo não é o
terrorismo, são os muçulmanos.”
Essa distinção
estará agora em risco, de acordo com diplomatas conhecedores dos
países árabes, como Ryan C. Crocker, que foi embaixador dos Estados
Unidos em cinco países muçulmanos, incluindo o Afeganistão, o
Iraque e o Líbano, entre 1990 e 2012, e que diz que este tipo de
discurso dá força ao argumento do Daesh de que está em guerra
contra os Estados Unidos.
Os analistas,
citados pelo New York Times, também notam que embora a proibição
de Trump seja ostensivamente baseada em receios relativos à
segurança, deixa de fora países como a Arábia Saudita, os Emirados
Árabes Unidos e o Paquistão, onde foram engendradas algumas das
mais graves acções terroristas contra os Estados Unidos desde os
atentados de 2001.
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