Opinião
Os
segredos pouco secretos de Juncker
Mariana Mortágua*
Hoje às 00:03
Conhecemos bem Durão
Barroso. De primeiro-ministro corresponsável pela guerra do Iraque a
presidente do Conselho de Administração da Goldmam Sachs foi um
pulinho, e a Comissão Europeia fez as vezes de trampolim. Mas, para
que saibamos bem quem manda numa das mais poderosas instituições da
Europa, é justo conhecer também o sucessor de Barroso à frente da
Comissão, Jean-Claude Juncker.
Tal como Barroso,
Juncker tem um passado como primeiro-ministro, neste caso do
Luxemburgo, cargo que ocupou quase vinte anos, e que acumulou com o
de ministro das Finanças. Foi durante esses vinte anos que o
Luxemburgo, um país com pouco mais de meio milhão de habitantes, se
tornou uma das mais ricas economias da Europa.
Em 2014, uma brutal
fuga de informação, conhecida como LuxLeaks, revelou o segredo do
sucesso económico de Juncker: pelo menos 548 acordos secretos entre
o Luxemburgo e 340 multinacionais (Google, Ikea, Deutsche Bank,
Laboratórios Abbott, Amazon, Apple, etc.). Nestes acordos,
assessorados pela consultora PricewaterhouseCoopers, o Governo
luxemburguês comprometia-se a permitir e validar esquemas agressivos
de planeamento fiscal em que as empresas transferiam os lucros da sua
atividade noutros países para o Luxemburgo, aí pagando menos
impostos. Nalguns casos, as taxas cobradas chegavam mesmo a ser
inferiores a 1%.
Bom, até aqui a
história já é conhecida. A novidade está numa notícia publicada
pelo "The Guardian", com base numa fuga de telegramas
diplomáticos, segundo a qual Juncker foi uma peça essencial para
travar legislação europeia contra práticas fiscais abusivas.
Surpreendente? Não. Relevante? Sim.
Aparentemente, tudo
se passou num grupo secreto a nível europeu, criado em 1998, para
lidar com o tema da tributação das empresas. Nele, o Luxemburgo de
Juncker liderou um pequeno grupo de países que permanentemente
bloqueou quaisquer esforços para reforçar a troca de informação
ou investigar esquemas de planeamento fiscal. Diz o "The
Guardian", citando uma fonte anónima pertencente ao grupo, que
"cada país está pronto para bloquear qualquer acordo. Mais que
isso, cada país está pronto para negociar a sua política fiscal
contra qualquer outro tema na UE".
A pequena notícia
do "The Guardian" passou despercebida, mas não devia,
porque nos revela duas coisas com muita clareza. A primeira é a
hipocrisia e falta de transparência de uma União Europeia que
permite que um país se declare publicamente contra o abuso fiscal,
mas bloqueie políticas nesse sentido dentro de um comité secreto. A
segunda é a hipocrisia e falta de transparência de uma União
Europeia que premeia o primeiro-ministro desse país, escolhendo-o
para presidente da Comissão.
* DEPUTADA DO BE
Sem comentários:
Enviar um comentário