Um
advogado paquistanês vai viver na casa de José Sócrates
Ex-primeiro-ministro
vendeu o seu apartamento de luxo no centro de Lisboa ao
ex-procurador-geral do Paquistão, que procurava casa na Europa e
agora está a pedir um visto gold em Portugal
Ricardo Garcia com
Mariana Oliveira / 12-8-2015 / PÚBLICO
Muhammad Makhdoom
Ali Khan, um advogado paquistanês conhecido internacionalmente,
queria um apartamento numa cidade europeia calma, com localização
central, bem conservado e praticamente pronto a ocupar. Encontrou-o
em Lisboa, mas certamente não imaginava que a aquisição desse
tanto que falar. Não pelo comprador, mas pelo vendedor: o
ex-primeiro-ministro José Sócrates, detido preventivamente na
cadeia de Évora por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e
branqueamento de capitais.
Comprado em 1998 por
242 mil euros, apartamento e arrecadação foram agora vendidos por
675 mil
Sócrates alienou,
de acordo com o Correio da Manhã, por 675 mil euros o apartamento e
a arrecadação que detinha no edifício Heron Castilho, um imóvel
de luxo, próximo da rotunda do Marquês de Pombal. Aparentemente,
não havia nada que impedisse a venda, nenhuma acção da justiça a
confiscar o imóvel, nenhuma penhora, nenhuma limitação relacionada
com a chamada Opera
ção Marquês, que
está a investigar as suspeitas sobre Sócrates.
João Araújo,
advogado de José Sócrates, disse ao PÚBLICO que se tratou de um
negócio privado, como tantos outros, que se proporcionou por ter
surgido “uma boa oportunidade”. A transacção foi selada na
quarta-feira passada, dia 6, num cartório notarial em Lisboa. João
Araújo representou o ex-primeiroministro. Do outro lado, estava uma
representante da Abreu Advogados, empresa à qual Makhdoom Ali Khan e
a sua mulher recorreram para os ajudar na compra de um imóvel em
Lisboa e na tramitação de um pedido de visto gold — a autorização
de residência dada a quem invista elevadas somas em Portugal.
Na escritura de
compra e venda, está registado o valor de 670.310 euros para o
apartamento e 4690 euros para a arrecadação. José Sócrates
comprara-os em 1998, há 17 anos, por quase um terço deste valor,
242 mil euros (na altura, 48.500 contos) por ambas as fracções, dos
quais 235 mil euros só pelo apartamento. Dois anos antes, em 1996,
um andar praticamente idêntico ao de José Sócrates, no mesmo
edifício, tinha sido vendido por 351 mil euros — cerca de 50% a
mais.
Os imóveis tiveram
uma hipoteca registada até 2011, como garantia de um empréstimo de
15.000 contos (75 mil euros) que o ex-primeiroministro tinha pedido à
Caixa Geral de Depósitos para os adquirir. Liquidada esta hipoteca,
uma nova passou a incidir sobre o imóvel, em Janeiro deste ano, já
José Sócrates estava detido no estabelecimento prisional de Évora.
O valor era de 250 mil euros, a favor da mesma instituição
bancária, segundo noticiou a TVI em Março passado. No acto da
escritura, na semana passada, o advogado João Araújo declarou que o
cancelamento desta hipoteca estava assegurado.
Desta vez, Sócrates
desfez- se definitivamente do apartamento. O valor da venda é
suficiente para Makhdoom Ali Khan obter um visto dourado. O limite
mínimo é de 500.000 euros, quando o investimento no país é feito
na aquisição de um imóvel.
Ali Khan é uma
figura conhecida no Paquistão, tido como um dos mais talentosos
advogados nas barras dos tribunais. Foi procurador-geral do país
entre 2001 e 2007. Desde então, co-lidera uma sociedade de advogados
em Karachi, participando também em muitos processos de arbitragens
internacionais.
Primeiro a casa
Segundo o consultor
Luís Fábrica, da Abreu Advogados, o objectivo primordial do casal
paquistanês era adquirir um imóvel. “Eles queriam uma casa na
Europa, num sítio calmo e seguro”, afirma o advogado. Mas, quando
souberam que havia o programa de vistos gold, aproveitaram também a
oportunidade. Desde o princípio do ano que os documentos necessários
estão a ser reunidos. Agora, com a compra da casa, o processo
seguirá em frente.
Segundo apurou o
PÚBLICO, Makhdoom Ali Khan esteve em Portugal em Dezembro, mas não
encontrou nada do seu agrado. Regressou em Julho e interessou-se por
um imóvel na Estrela. Mas outro comprador adiantou-se e o advogado
paquistanês perdeu a oportunidade.
Na mesma altura,
seleccionou mais três alternativas. Duas também não deram certo. A
terceira era o apartamento de Sócrates, que lhe agradou por ser
central, ter estacionamento, segurança 24 horas por dia e não
precisar de obras. “Reunia todos os requisitos que eles queriam”,
confirma Luís Fábrica.
Makhdoom Ali Khan
soube que o vendedor era José Sócrates somente depois de fazer uma
oferta pelo imóvel, pouco tempo antes da marcação da escritura. Os
seus advogados em Portugal garantiram-lhe que o apartamento estava
livre de quaisquer ónus ou encargos, salvo a hipoteca, que seria
cancelada, e que não havia qualquer medida especial aplicada pela
justiça ao imóvel.
O negócio foi por
diante e Luís Fábrica, que é professor da Faculdade de Direito da
Universidade Católica Portuguesa, não vislumbra qualquer situação
que possa causar problemas no futuro. “É inimaginável, não
consigo antecipar que surpresa poderia haver”, afirma.
José Sócrates está
preso na cadeia de Évora há mais de oito meses. Até agora, não
foi alvo de qualquer acusação formal. Em Junho, recusou ir para
casa com pulseira electrónica. Até 9 de Setembro, deverão ser
revistas as medidas de coacção. Nessa altura, poderá eventualmente
passar a prisão domiciliária, sem pulseira electrónica, mas com
guarda à porta, tal como sucedeu com o ex-presidente do Banco
Espírito Santo, Ricardo Salgado.
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