Catalunha:
como chegar à independência em minoria?
A
Espanha entrou numa nova era. E as eleições catalãs terão um peso
decisivo
Jorge Almeida
Fernandes / 9=8-2015 / PÚBLICO
1. Ao convocar na
segundafeira as eleições-plebiscito de 27 de Setembro (27-S) na
Catalunha, Artur Mas, presidente da Generalitat ( governo de
Barcelona), deu o “pontapé de saída” para cinco meses
vertiginosos e de alta crispação política. A Espanha vive uma
“crise sistémica” e está a entrar numa nova e talvez tumultuosa
era. O Parlamento espanhol, a eleger no fim do Outono, será
diferente dos anteriores. Não haverá maiorias absolutas sem
coligações. Mariano Rajoy e o PP podem inclusive vencer as eleições
sem poder governar, dado o instável quadro de alianças que se
anuncia.
A próxima
legislatura será inevitavelmente marcada por um debate
constitucional que, entre outros pontos, tocará o figurino das
autonomias e o tema do federalismo. Mas, antes disso, haverá o 27-S,
um “plebiscito” sobre a independência que muito pesará nas
legislativas espanholas e no futuro debate constitucional. Hoje
falamos da Catalunha.
2. O problema dos
independentistas é complicado: como chegar à independência com uma
base minoritária na população? É em torno desta questão que roda
a política catalã e se desenvolve um clima de tensão.
Para contornar a
inconstitucionalidade, Mas teve o cuidado de, na convocatória, não
falar em independência. Só no dia seguinte pôs as cartas na mesa:
estas eleições “devem servir para responder à pergunta se os
catalães querem um Estado independente”. Explicou que “68
deputados [maioria absoluta em 135] é o mínimo a partir do qual se
terá ganho o plebiscito. (...) De 68 para cima, ganha o sim. Com
menos de 68, ganha o não.”
Com esses 68
deputados, o parlament aprovaria uma declaração unilateral de
independência no prazo de seis meses. A “secessão unilateral”
seria completada em 18 meses e, no fim, ratificada por referendo.
O paradoxo é que
seria possível obter a maioria absoluta com 45% dos votos —
prevalecendo sobre os 55% desfavoráveis à independência. David
Fernandez, da Candidatura de Unidade Popular (CUP, independentista) é
mais prudente: a independência só será “irreversível” com 55%
dos votos e dos mandatos.
3. Os três partidos
independentistas — Convergência Democrática da Catalunha (CDC, de
Mas), a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC, de Oriol Junqueras) e
a CUP uniram-se numa única lista — Juntos pelo Sim. A lista única,
encabeçada por “independentes”, tem duas vantagens: reforça a
imagem de plebiscito e permite obter mais deputados graças ao método
de Hondt. E traduz uma mudança política: após o pacto entre a CDC
e a ERC, que o La Vanguardia qualificou como “o big bang da
política catalã”, quem de facto lidera o processo não é Mas,
mas o radical Junqueras.
As sondagens indicam
que os independentistas são minoritários e estão a perder terreno.
Segundo a sondagem de Julho do Centro de Estudos de Opinião (da
Generalitat), 42,9% dos catalães querem um Estado independente
contra 50% que se lhe opõem. O terreno eleitoral é mais favorável
aos soberanistas, o “eleitorado motivado”, sendo a abstenção
muito maior entre os que se identificam como “catalães e
espanhóis”. Mesmo assim, nas municipais de Maio os partidos
independentistas somaram 1.400.000 votos contra 1.560.000 dos
partidários de outras soluções.
Então, como ganhar?
Através de uma maciça ofensiva na rua e na comunicação, criando
um agressivo e electrizante clima nacionalista. O momento crucial
será o 11 de Setembro, a Diada, dia de grandes mobilizações em que
os soberanistas comemoram a derrota catalã de 1714. Já está a ser
preparada pelas associações cívicas nacionalistas, como a
Assembleia Nacional Catalã, com 17.000 “soldados” no terreno.
Artur Mas dá o tom: “Madrid passará por cima de nós sem
misericórdia se não ganharmos.”
Nada foi deixado ao
acaso: a campanha eleitoral começa na noite de 11 de Setembro — no
fim da Diada.
4. A Catalunha vive
um clima de desafio ao Estado, às leis e à Constituição —
maciçamente referendada pelos catalães em 1978. Ada Colau,
presidente de Barcelona eleita numa lista apoiada pelo Podemos,
declarou que iria desobedecer às “leis injustas”. Francesc Homs,
“número dois” do governo catalão, defende a violação da “lei
espanhola”, se ela entrar em choque “com o mandato democrático
do povo da Catalunha” nas próximas eleições. E equipara a
legalidade vigente à do franquismo: “Na época de Franco também
havia uma legalidade.”
Xavier Vidal-Folch,
director adjunto do El País, qualificou o plano de Mas e Junqueras
sobre declaração unilateral da independência com a simples maioria
absoluta como “um golpe contra a Catalunha”. Não desafia apenas
a Constituição. Viola o Estatut catalão, que exige uma maioria de
dois terços para ser alterado. Para a secessão... bastaria metade
dos deputados mais um.
Francisco Morente
Valero, da História da Universidade Autónoma de Barcelona, frisa
que a secessão catalã seria um caso único no mundo: “A primeira
vez que um território acederia à independência (fora o caso de
guerra) com uma votação inferior a metade e mais um dos votos
obtidos.” A decisão do Tribunal Constitucional canadiano sobre o
Quebeque, que serve de referência internacional, acentua que “a
independência deve, em qualquer caso, ser o resultado de amplas
maiorias”.
E o “direito a
decidir”? O jurista Jean-François Gaudreault-DesBiens, da
Universidade de Montréal, adverte que, “salvo raras excepções no
direito internacional, (...) não existe nenhum direito positivo para
dissolver [Estados] por via da secessão unilateral.”
5. A maioria dos
catalães (63%) teme o cenário do “choque de comboios”: pensam
que há poucas possibilidades de Madrid e Barcelona chegarem a um
acordo sobre o estatuto da Catalunha. Só 32% admitem que a
independência seja possível num futuro próximo. Será bom esperar
pela próxima legislatura espanhola. Com alguma cautela.
Declarou ao La
Vanguardia um diplomata de “um importante país” europeu: “O
momento mais crítico da questão da Catalunha pode estar entre
princípios de Outubro e os primeiros dias de Dezembro. Nas oito ou
nove semanas que medeiam entre as eleições catalãs e as eleições
gerais, existe um verdadeiro risco de acidente político em Espanha.”
Conclui: “Depois,
uma vez constituído o novo Parlamento espanhol, entra-se noutra
fase. Saber-se-á qual é a nova relação de forças. Tudo será
muito complicado, mas podem abrir-se espaços de diálogo.”
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