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antes de virar a página
PEDRO SOUSA CARVALHO
07/08/2015 - PÚBLICO
Houve
tempos em que na campanha do PS se colavam cartazes na rua a prometer
a criação de 150 mil empregos
“Virar a página”
é o mote da campanha do PS para as eleições de 4 de Outubro. O
partido quer passar a ideia de que até agora vivemos nas trevas e
que com a eleição de António Costa far-se-á luz. O “virar a
página” foi aproveitado pelo publicitário Edson Athaíde para
fazer uns cartazes de rua em que uma jovem de cabelos ao vento
aparece a virar uma página onde se vê uma grande tempestade que vai
dar lugar a um cenário idílico, digno de uma epifania. Muitos até
compararam o dito cartaz à propaganda da IURD — Igreja Universal
do Reino de Deus. Só faltava aquela música do Vangelis das
campanhas de Guterres de 1995. Dentro do próprio PS também alguns
não gostaram do cartaz evangelizador que acabou por ser retirado das
ruas. O próprio António Costa, que escolheu a mais refinada
Sinfonia n.º 1 de Brahms para as suas entradas triunfais, não terá
gostado do gosto do brasileiro cuja estratégia publicitária na
década de 90 ajudou Guterres a colocar um ponto final a dez anos de
cavaquismo.
Independentemente
deste episódio, a mensagem em que o PS vai apostar na campanha será
o “virar a página”. O capítulo II do programa eleitoral é o
“Virar a página da austeridade, relançar a economia e o emprego”
e, na entrevista que esta semana deu ao PÚBLICO, Mário Centeno, o
provável próximo ministro das Finanças, caso o PS vença as
eleições, diz que o partido tem um conjunto de propostas para
“virar a página da economia portuguesa”.
Mas qual é nesta
altura o grande receio do PS? É que a página se vire antes que os
socialistas cheguem ao poder. E aí politicamente vai ser uma grande
chatice, porque a miúda loira do cartaz vai ficar com cara de parva,
quando virar a página e a economia já estiver a crescer e o
desemprego a cair. A deputada Ana Catarina Mendes apareceu numa
conferência de imprensa, esta semana, com um ar de caso, bastante
consternado e condoído, como se tivesse acontecido alguma desgraça
no PS. Mas não, estava à frente das câmaras apenas para comentar
os números do desemprego. Será que o desemprego disparou? Não, a
taxa de desemprego registou a maior quebra desde 1998, ou seja, desde
que o INE compila dados. Afinal tudo não passava de uma grande azia,
porque os números do desemprego foram bons.
O PS não vai ganhar
um único voto a condoer-se com as boas notícias da economia, tal
como a maioria, se se colocar em bicos dos pés só porque o
desemprego não é tão mau como há dois anos. Aliás, mal se
conheceram os números do INE, toda a trupe do CDS-PP fez fila para
fazer declarações à comunicação social: foi Cecília Meireles,
foi Mota Soares, foi Pires de Lima, os mesmos que nunca deram a cara
quando os resultados da governação de Passos Coelho insistiam em
não aparecer.
A reacção mais
sensata do dia foi esta: “É com satisfação, com reconhecimento
pelas políticas públicas para as quais nós também damos o nosso
esforço e damos naturalmente os nossos contributos, que hoje vemos
estes números baixarem. Ainda está num número elevado? Está com
certeza. Há muito a fazer? Há.” E disse mais: “Nós temos que
dizer bem daquilo que há que dizer bem. Quando piorar, nós cá
estaremos para malhar no Governo e em quem quer que seja que esteja
no poder.” Palavras sensatas de Carlos Silva, secretário-geral da
UGT.
Quem também gosta
de malhar na direita é o socialista Augusto Santos Silva, mas que
também colocou um post bastante sensato no Facebook e que contrasta
com a atitude sectária do seu partido nesta matéria. Começa o
ex-ministro: “A redução da taxa de desemprego é uma boa notícia.
Ficarmos pela primeira vez em quatro anos abaixo dos 12%, quando já
estivemos nos 17%, é um motivo de esperança.” Pelo meio recorda
que nem tudo são boas notícias: apesar da descida de 38,2 mil no
número de desempregados durante a legislatura, o número de empregos
caiu em 218,6 mil. Porquê? Há mais desempregados ocupados em
programas do IEFP, há mais desencorajados e há mais subdesemprego.
Isto num período em que 300 a 500 mil portugueses foram varridos das
estatísticas oficiais porque decidiram emigrar e procurar trabalho
lá fora. Conclusão? “Não vamos lá esperando apenas os efeitos
de um crescimento anémico”, diz Augusto Santos Silva. Quando se
malha assim, tendo a humildade de reconhecer o que está bem e
alertar para o que está mal, vale a pena malhar.
Houve tempos em que
na campanha dos socialistas, não ao som de Vangelis, mas da banda
sonora do filme O Gladiador, se colavam cartazes na rua a prometer a
criação de 150 mil empregos. Hoje colam--se e descolam-se cartazes
a prometer um “virar de página”. Mas o “virar de página”,
seja para que partido for, não pode ser um mero exercício de
intolerância perante uma página que já não nos apraz mais ler.
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