O
dia em que morreu o CDS
José
Ribeiro e Castro / 11-8-2015 / OBSERVADOR
Nessa
quinta-feira, precisamente há dois meses, o CDS finou-se. Soube pela
internet: a notícia ecoou à noite e, pela diferença horária, só
a conheci no dia seguinte, aos primeiros minutos da manhã.
Foi logo a seguir ao
10 de Junho, antevéspera do Santo António – vai ser fácil de
lembrar. Eu tinha saído de Portugal nessa manhã de 11 de Junho. E,
embora, na minha observação, o CDS-PP estivesse doente há muito e
os padecimentos fossem extensos, não havia previsão de que fosse
falecer assim de repente. Mas foi. A notícia apanhou-me de surpresa
em Itália: nessa quinta-feira, pela tarde, o CDS finou-se. Soube
pela internet: a notícia ecoou à noite e, pela diferença horária,
só a conheci no dia seguinte, aos primeiros minutos da manhã.
Não direi, como o
Bonga, que fiquei com uma lágrima ao canto do olho. Mas estas coisas
abalam-nos sempre; e deixam mágoa. Ainda por cima não estando perto
do defunto e dos que dele cuidaram nas últimas horas antes do último
suspiro – depois, é sempre sensível tentar apurar o que
exactamente aconteceu nesses momentos finais. Levou tempo a conhecer
tudo. Cumprem-se, hoje, dois meses de sufrágio. Acontecimentos
posteriores confirmaram o óbito.
Nesse dia 11, já
distante, foi apresentada à imprensa a Comissão Política Nacional
da coligação Portugal à Frente. “A PàF tem uma CPN?” – foi
a dúvida que logo me assaltou o espírito. Onde estava ela prevista?
E regulada? Como fora designada? Como foram escolhidos os treze
membros de cada partido, PSD e CDS, e como foram designadas as seis
personalidades independentes?
A dúvida não era
para menos: as comissões políticas nacionais, CPN para os íntimos,
são os órgãos máximos de direcção política dos partidos; são
eleitas em Congresso; e têm alto relevo estatutário, onde estão
estabelecidas e reguladas. E esta CPN da PàF? Não sendo brincadeira
cosmética, vai substituir as CPN dos partidos da coligação? Os
membros destas delegaram funções na da coligação? Ou como se
articula tudo? E qual o seu instrumento regulamentar? Quem o aprovou?
Quando? Como?
Ocupado nesses
meados de Junho numa reunião internacional, tive que deixar para
mais tarde o esclarecimento. E a coisa não foi nada fácil: demorei
uma semana a conseguir perceber o que se passara; e a confirmar os
piores receios quanto ao CDS.
Sobre a coligação,
o CDS tinha tido uma única reunião do Conselho Nacional, a 29 de
Abril, em que a aprovou. Mas o único documento de que os
conselheiros nacionais do CDS dispuseram – e sobre o qual votaram,
incluindo eu – foi a declaração conjunta assinada por Passos
Coelho e Paulo Portas no dia 25 de Abril. Ora, este texto é
completamente omisso quanto a uma CPN da coligação ou coisa que se
pareça.
Eu tinha, porém, a
ideia de já ter lido qualquer coisa a esse respeito. “Googlando”,
descobri aquilo que já lera. Nas notícias relativas ao Conselho
Nacional do PSD do mesmo dia 29 de Abril, lá aparece a referência,
não directamente a uma CPN, mas a que “a coligação constituirá
órgãos próprios de coordenação política em documento autónomo”.
E a mesma notícia é explícita: “Estas cláusulas não constavam
do compromisso que os presidentes dos dois partidos assinaram no
sábado, tendo sido acrescentadas na proposta de acordo de coligação
submetida hoje ao Conselho Nacional do PSD pela Comissão Política
Nacional do PSD, que foi distribuída aos jornalistas.” Seria
possível que o PSD tivesse podido aprovar um documento fundamental
que os conselheiros do CDS nem cheiraram? Foi isso mesmo que
aconteceu. Afinal de contas, os mortos não votam.
Não concluí logo
isso. É que nem eu, nem ninguém no CDS (a não ser o núcleo
restrito de Paulo Portas) possuíamos esse documento. Só passados
uns dias daquele 11 de Junho, consegui obtê-lo a partir de um
jornalista, que o recebera no jantar de Guimarães de apresentação
da coligação, a 16 de Maio. É esta, de resto, a data que lhe foi
aposto, no exemplar que tenho (chama-se “Acordo de Coligação”);
mas vê-se bem que é o mesmo texto de que logo falou a imprensa que
cobriu o Conselho Nacional do PSD a 29 de Abril. No CDS, foi tudo
mais simples: o documento nunca foi presente a qualquer órgão
deliberativo, nem se acha publicado. Para quê maçar-nos com
“burocracias”?
Este documento
remete, ainda, para um outro “documento autónomo”, texto que
porventura existirá. E será esse “documento autónomo” que
talvez regulará, de modo explícito, a tal CPN da PàF: a sua
existência, a sua composição, a designação dos seus membros, a
sua competência, o seu funcionamento, o seu relacionamento com as
CPN de cada um dos dois partidos. Tem que ser assim, sob pena de
completa ilegitimidade e ilegalidade de tudo isto. Mas esse tal
“documento autónomo” é que ninguém, que eu conheça, terá
visto alguma vez – e tão-pouco foi aprovado por qualquer órgão
do CDS, nem antes, nem depois daquela apresentação pública de 11
de Junho.
Foi isto que me
levou a concluir pela morte do CDS. Não há outra explicação
possível para tudo isto ter acontecido. Primeiro, a apresentação
pública de uma Comissão Política da coligação, superando órgãos
eleitos em Congresso. Segundo, a nomeação deste órgão sem que
ninguém saiba como ocorreu, em processo clandestino. Terceiro, a
constituição de uma Comissão Política conjunta com base
estatutária ou regulamentar inteiramente desconhecida. Quarto, o
facto de as normas que regerão a respectiva existência não terem,
em momento algum, sido apresentadas e aprovadas no Conselho Nacional
do CDS. E, quinto, a verificação de, à parte as minhas observações
em público e dentro do partido, ninguém esboçar uma crítica, nem
sequer os membros da Comissão Política eleitos no Congresso do CDS
e assim preteridos e distratados. Só numa organização defunta isto
é possível.
Já me tinha
parecido que assim estávamos quando passaram as eleições europeias
de Maio 2014, em que, coligados na Aliança Portugal, averbámos uma
derrota histórica (27,7%), quase sete pontos abaixo mesmo dos piores
resultados de 1975, as eleições constituintes disputadas debaixo de
coacção em pleno PREC. Ninguém reagiu grande coisa a esse
cataclismo, nem se interrogou sobre o que fazer para recuperar a
confiança. O que me levou a comentar que só há uma explicação
para um corpo levar uma estocada mortal e não esboçar a mais leve
reacção: é já estar morto.
Esse óbito acaba de
ser confirmado por dois factos recentes, qual deles o mais eloquente:
primeiro, a forma como os conselheiros nacionais do CDS protestaram
(alguns vigorosamente) contra a forma como o Presidente do CDS
escolheu e ordenou todos os futuros deputados indicados pelo partido,
mas aprovaram por esmagadora maioria (135 votos em 141) essas mesmas
listas; e, segundo, a noticiada ausência do CDS dos próximos
debates televisivos eleitorais e a triste forma, de algum modo
autoinfligida, como aí se chegou.
É claro que existe
o partido do Presidente do CDS-PP. Mas não é a associação
política, não é uma instituição em sentido próprio, não é o
CDS. O partido do Presidente que, blindado na coligação, tudo
decide, tudo aprova, tudo escolhe é o sobrevivo. Que o CDS descanse
em paz. Quando existiu, prestou grandes serviços a Portugal.
Sem comentários:
Enviar um comentário