"Há
provas das cedências de Paulo Portas aos alemães na compra dos
submarinos"
NUNO SÁ LOURENÇO
18/08/2015 - PÚBLICO
Já
havia participado na comissão que avaliou os programas de aquisição
de equipamento militar, mas o verdadeiro rastilho foi a comissão de
inquérito ao BES de que José Magalhães também fez parte. A
documentação que aí teve acesso permitiu-lhe publicar o livro
“Submarinos.PT
José Magalhães já
vai na sua nona legislatura parlamentar. Foi um dos deputados
comunistas a quem a Perestroika provocou o divórcio com o partido de
Álvaro Cunhal em 1990. Já era um veterano dos corredores de São
Bento, quando decide abandonar a bancada do PCP para ser
independente, depois de um elogio à primeira presidência de Mário
Soares. Acabou por ser convidado por Jorge Sampaio para integrar a
bancada do PS, onde chegou a vice-presidente. A sua actividade
parlamentar só foi interrompida pela participação nos Governos de
José Sócrates nos gabinetes da Administração Interna e da
Justiça.
Porque é que
escolheu para subtítulo do seu livro “Guia para os perplexos de
todas as condições”?
Porque tanto o
negócio dos submarinos como as investigações que incidiram sobre
dois aspectos desse negócio geraram ao longo de uma década, e vão
continuar a gerar, enormíssimas perplexidades.
Mas o negócio já
foi alvo de comissões de inquérito. Não era mais útil para a
sociedade apresentar conclusões?
O livro precisamente
procura abordar essas perplexidades com respostas a partir de
documentos, constantes sobretudo, não do arquivo dos inquéritos
parlamentares mas do arquivo do ministério público.
E quais são as
respostas que o seu livro acrescenta ao debate mediático sobre este
negócio?
O debate mediático
foi orquestrado de forma magistral e de forma muito competente para
afastar a atenção dos aspectos centrais onde houve vulnerabilidades
notáveis, para o focar em aspectos periféricos. A obra de arte
suprema é deflagrar um incêndio sobre se Portugal precisa de
armamento sofisticado quando o problema central era sobre se a sua
compra tinha sido feita bem ou mal, com corrupção ou sem corrupção.
O que significa que andámos a Leste. Porque como reinava o segredo
em relação a aspectos centrais, aos aspectos centrais todos, aquilo
que discutimos durante uma década foram os aspectos periféricos.
O que é que
qualifica como aspectos centrais?
As protegidas por
segredo de Estado, militar, administrativo e de Justiça, numa
combinação profundamente afortunada. Se acrescentar a isso o
desaparecimento cirúrgico da documentação relativa à participação
do BES no consórcio que financiou a operação de compra, tem um
puzzle em que os cidadãos, os jornalistas, os deputados foram
impedidos de forma drástica de aceder à informação essencial. E
só quando houver abertura total dos arquivos é que os
investigadores abrirão a boca de espanto como eu abri ao verificar
que a resposta para algumas das suas perguntas afinal existia.
E que dados
relevantes estavam escondidos e conseguiu desenterrar?
Há muitos exemplos,
todos conhecemos o glorioso dia da assinatura do contrato. O que não
sabíamos é que depois da assinatura do contrato houve um ultimato
da parte alemã que ameaçou fazer a resolução do contrato por ele
ser incumprível, tal como tinha sido assinado, tendo obtido nos dias
seguintes um recuo do Estado, orquestrado a partir do topo do
ministério da Defesa, posto o que, em 4 de Junho de 2004, foi
assinado o contrato de financiamento, alterando-se vários aspectos
do contrato assinado em Abril.
E o que é que
provocou o ultimato alemão?
A reformulação do
preço, que se calcula através de uma fórmula matemática tão
interessante e tão complexa que o Ministério Público não
conseguiu, mesmo metendo o Instituto Superior Técnico ao barulho,
ter a certeza que o preço pago tinha sido efectivamente calculado de
acordo com a fórmula.
Mas as exigências
não foram só em relação ao preço, implicavam ainda a estrutura
de financiamento, a garantia bancária?
Em todos esses
aspectos e muito outros, houve recuos e aceitação de cláusulas
extraordinárias como aquela que obrigou o Estado a pagar 63 milhões
de euros por entre a assinatura e a entrada em vigor terem mediado
vários meses, entre os quais os que o Tribunal de Contas teve de ter
para examinar o contrato. Examinar, aliás, mal, com insuficiência
de documentação.
Uma justificação
para esses 63 milhões foi a da revisão dos preços dos materiais e
da mão-de-obra devido à inflação.
Esse era um primeiro
critério, mas acabou alterado. Na verdade, esses cálculos não
estão fundamentados e o MP considerou que não havia fundamento
legal para os pagamentos.
O que leu
permite-lhe apontar um responsável ou responsáveis políticos na má
gestão do processo?
Parece-me evidente
que a condução do processo ficou a cargo do ministro de Estado e da
Defesa.
Está falar de Paulo
Portas?
Exactamente. Há
provas no processo dos vários actos através dos quais ele
determinou que o Estado português fizesse cedências, tanto no
contrato de aquisição como no de contrapartidas. E também há
evidência do parecer contrário, em muitos pontos, dos peritos
militares, até porque o procedimento foi um case study. Porque na
minha experiência de contratação pública não me lembro de um
contrato ser assinado e depois alterado à socapa e não ser
fiscalizado pelo Tribunal de Contas com acesso a toda a documentação.
O que aconteceu neste procedimento foi candidatar a uma corrida para
um fornecimento ao Estado um Volkswagen, substituí-lo por um BMW, e
depois degradar a composição do BMW até ficar outra vez uma
espécie de Volkswagen. A questão é porque é que todos nós
fizemos de parvos, durante uma década. Isso só se explica devido
aos meandros do Estado secreto.
Porque é que
incluiu duas cronologias separadas, uma do negócio e outra das
investigações?
Porque revela que só
uma pequena parte das diligências surtiram efeito, mas que apesar de
tudo surtiram algum efeito. O MP conseguiu, graças à cooperação
internacional, reconstituir o rasto do dinheiro quase todo e foi por
isso que os visados, em vez de seguirem o plano A – que era guardar
o dinheiro na Suíça não prestando contas ao fisco – foram
obrigados a recorrer ao plano B – recorrer ao RERT [Regime
Excepcional de Regularização Tributária] para regularizarem parte
da situação. Não foi um fracasso absoluto. Mas a verdade é que a
investigação começou tarde, deparou-se com uma série de portas
fechadas, arrastou-se no tempo, teve meios ínfimos em relação à
complexidade das matérias e tivemos um par de magistradas durante
anos a enfrentar a organização do império Espirito Santo. Isso é
abordado com o objectivo de levantar interrogações sobre porque é
que determinadas diligências só foram feitas tão tardiamente, em
2013 e 2014, dez anos depois da data da assinatura do contrato. Se o
negócio gera perplexidades, a investigação também gera
perplexidades e exige reflexão virada para a acção e para
correcções em metodologias. Porque o MP, tendo competências em
muitas áreas, não pode actuar descoordenado no STA, no Tribunal de
Contas e no DCIAP.
O que é que tem de
mudar?
Os pareceres que
Augusto Santos Silva [ministro da Defesa entre 2009 e 2011] pediu
sobre os contractos se emitidos na altura da sua elaboração teriam
ajudado a defender melhor a posição do Estado e do interesse
público. Uma maior intervenção preventiva na elaboração do
contrato da PGR, a adopção de métodos de transparência.
Tem de se mudar o
regime de sigilo e segredo de Estado?
E além disso os
arquivos públicos devem ser íntegros e não devem ser objecto de
destruição metódica. Um ministro quando cessa não pode fazer
desaparecer o seu correio electrónico todo! A documentação sobre a
formação de um contrato tem de ser guardada nos arquivos públicos,
que não podem desaparecer para os escritórios de advogados
privados! Não podem andar num cá e lá! Esse tipo de prevaricações
fazem parte da patologia. A PGR quando intervém, é para concluir
que mesmo o mais grosseiro incumprimento não legitimava a não pagar
e não consumar a compra dos submarinos. Foram três pareceres de
dezenas de páginas do Diário da República em que se conclui que
não é possível endireitar a sombra da vara torta
Considera que existe
em Portugal uma cultura de segredo que oculta o essencial?
Historicamente, o
que houve foi quem prevalecendo-se e abusando do segredo, sonegava
aos tribunais, ao Tribunal de Contas e STA, informação
absolutamente essencial para poderem exercer as suas competências de
forma eficiente.
O processo passou
por vários Governos, tanto do PSD/CDS como do PS. Não identifica no
processo erros dos governos do PS?
O XVII e XVIII
tentaram endireitar a sombra da vara torta. Como entre o contrato de
fornecimento e o contrato de contrapartidas não foi feito nenhum
nexo, do tipo se não cumpre as contrapartidas fica prejudicado o
negócio da compra, os infelizes que tiveram de aplicar o que foi
contratado em 2004, tinham os pés e as mãos amarrados.
Falou do Volkswagen
que passou a BMW que depois foi despromovido a VW. Mas o momento da
mudança dos requisitos do submarino acontece durante um Governo PS.
Isso é um mito
urbano. É a façanha propagandística numero um de Portas. Eu cito o
momento em que se deu a degradação, nomeadamente dos sistemas de
armas.
Mas eu estou a falar
do momento em que o submarino alemão ganha especificações que não
tinha no início.
Os documentos provam
o contrário.
Mas foi em 2000 que
a Marinha faz o pedido da inclusão do Air Independent Propulsion…
Uma coisa era
discussão em abstracto das especificações. Outra é olhar para a
oferta francesa e a alemã dizer qual é a melhor.
Mas os alemães
mudam a proposta reforçando o seu submarino…
Ambas as propostas
foram sendo ajustadas…
Tanto a francesa
como a alemã?
Obviamente.
Sem comentários:
Enviar um comentário