Sérgio
Moro, o juiz de Curitiba que tem o futuro do Brasil nas mãos
O
juiz federal do Paraná responsável pela investigação judicial ao
esquema de corrupção em torno da Petrobras já tem grupos de fãs,
mas insiste em manter-se discreto. E determinado
Rita Siza / 9-8-2015
/ PÚBLICO
Ano e meio depois
de ter saltado para a ribalta mediática, enquanto principal
responsável pela investigação judicial ao esquema de corrupção
em torno da Petrobras conhecida como Lava Jato, o juiz federal do
Paraná, Sérgio Moro, já se acostumou às manifestações
espontâneas de apoio e incentivo. Moro é frequentemente aplaudido
na rua, quando vai a restaurantes, no supermercado e em salas de
embarque de aeroportos. “Só quero agradecer-lhe tudo o que tem
feito e mostrar-lhe que estou com ele, contra tudo isso que está
acontecendo”, explicava aos jornalistas a dentista de 50 anos
Cristiane Polo, depois de abordar o juiz numa livraria de São Paulo.
Aos 42 anos de
idade, Sérgio Fernando Moro, um dos maiores especialistas em crimes
financeiros e de colarinho branco no sistema judicial do país, está
transformado, aos olhos da opinião pública brasileira, no rosto do
combate à corrupção, uma espécie de cruzado, um herói improvável
da mesma casta do juiz britânico William Erle, o procurador
norteamericano Eliot Ness ou o italiano Francesco Borrelli, entre
outras personagens da galeria de famosos intocáveis e insubornáveis
que não se amedrontam perante o crime organizado, o dinheiro ou o
poder. A sua acção, interpretam os analistas, oferece uma réstia
de esperança a uma população desconfiada e desiludida com as suas
instituições, mas que não quer desistir nem deixar de acreditar no
slogan do Brasil do futuro.
Segundo escrevia na
sua edição de 4 de Julho a revista Época, Sérgio Moro, um juiz de
primeira instância, é actualmente o homem mais poderoso — e
seguramente o mais temido — do país. “Nenhum gabinete concentra
tanto poder neste momento no Brasil quanto aquele no 2.º andar da
Avenida Garibaldi, 888. É de lá que despacha Sérgio Moro, o
cérebro e centro moral da Lava Jato. A operação, na verdade,
envolve dezenas de procuradores da República, delegados e agentes da
Polícia Federal, equipes na Procuradoria-Geral da República, em
Brasília, além do juiz do Supremo Teori Zavascki. Todos têm poder
para definir, em alguma medida, os rumos das centenas — isso,
centenas — de casos de corrupção investigados na Lava Jato.
Alguns casos tramitam em Brasília, aqueles que envolvem políticos
com foro no Supremo. Mas a maioria fica em Curitiba e de lá não
sai”, assinala a revista.
Como líder máximo
da investigação, cabe a Sérgio Moro definir a estratégia e tomar
as decisões mais relevantes para conduzir o processo até ao chamado
“bom termo”. A investigação inicial, que arrancou em Março de
2014 com a vigilância da actividade suspeita de uma bomba de
gasolina detida por um “doleiro” (alguém que se encarrega de
transferir divisas sem registo no fisco) do Paraná, revelou um
esquema de corrupção horizontal em torno da petrolífera estatal, e
que se “alimentava” de dirigentes políticos, funcionários
públicos, grandes empresários e diversos agentes, uma multidão de
corruptores e corruptos que só da Petrobras desviaram mais de cinco
mil milhões de euros.
Moro e a sua equipa
continuam a desenrolar um novelo aparentemente interminável de
crimes, ilegalidades e cumplicidades ilícitas, num escândalo que
abala os fundamentos do sistema político e económico do Brasil. As
acusações e as suspeitas recaem sobre algumas das figuras mais
proeminentes do Partido dos Trabalhadores e outros integrantes da
base aliada do Governo, os administradores das maiores empresas
públicas e de dezenas de construtoras de projecção internacional.
Do tronco da Lava Jato surgiram entretanto ramificações, dezenas de
“desdobramentos” que surgiram dos depoimentos dos mais de 20
delatores oficiais que estão a colaborar com as autoridades na
produção de prova, em troca de uma redução de pena.
Moro possui
“virtudes raríssimas” para liderar a investigação, continua a
Época: “Preparo jurídico, pensamento estratégico,
inflexibilidade de princípios, coragem moral e disciplina de
trabalho. Entra cedo, sai tarde e prossegue na lida mesmo de casa”.
A IstoÉ, que o elegeu Brasileiro do Ano de 2014, destaca o seu
“estilo reservado e hábitos simples”. “Moro faz parte de uma
rara safra de juízes que encaram a magistratura como profissão de
fé”.
Outras virtudes e
traços distintivos de carácter que vêm assinalados em todos os
perfis escritos sobre o juiz federal desde que assumiu o protagonismo
na operação que está a deixar o Brasil em polvorosa: a humildade e
até uma certa timidez, que sustentam a sua aversão à exposição
pública e a sua quase obsessiva reserva da vida privada; o
entusiasmo, energia e invulgar capacidade de trabalho que o
distinguem ou ainda a total independência e ausência de aspirações
políticas, que o terão levado a recusar uma promoção a
desembargador.
À margem da vida
profissional, pouco se conhece da sua intimidade. É um filho pródigo
do estado do Paraná: nasceu na cidade de Ponta Grossa, onde os pais
eram professores, estudou na Universidade Federal de Maringá (onde
cumpriu mestrado e doutoramento antes de se especializar em Harvard,
nos EUA), e tomou conta da 13.º Vara Federal Criminal de Curitiba. É
casado com uma advogada, de quem tem dois filhos, e alegadamente um
apaixonado por ciclismo.
“Não sou uma
celebridade, sou uma peça dentro de um processo muito mais amplo”,
corrigiu, durante uma sessão do Congresso da Associação Brasileira
de Jornalismo Investigativo em Julho, em São Paulo. Até porque, por
maior que tenha sido o impacto económico e político —e o alcance
simbólico — das suas decisões, todas elas podem ser revertidas
por tribunais superiores.
Com excepção das
pronúncias no âmbito do processo, Sérgio Moro não fala
publicamente sobre a Lava Jato. Mas não se tem coibido de discorrer
sobre o tema da corrupção: ultimamente, tem falado longamente sobre
a operação anticorrupção Mãos Limpas que varreu a Itália
durante a década de 90. O juiz de Curitiba tornou-se um estudioso
desse processo, que conhece até ao mais ínfimo pormenor: tudo
começou, como no Brasil, com as revelações de um delator, que
viriam a contribuir para a dedução de quase 3000 acusações,
contra empresários e parlamentares, incluindo quatro antigos
primeiroministros. Numa palestra promovida
pelo Instituto dos
Advogados do Paraná, no fim de Julho, Moro criticou o desfecho da
megaoperação italiana, classificando as penas aplicadas nessa
altura como demasiado ligeiras para a gravidade dos crimes. “Muitos
dos que foram condenados e tinham grande responsabilidade acabaram
cumprindo penas desproporcionais, como prestação de serviço ou
prisão domiciliária. Não que eu defenda que a justiça seja
implacável, mas tem de guardar uma certa proporcionalidade em cada
crime”, considerou. Numa altura em que cada palavra de Moro é
objecto de análise quase científica em busca de pistas sobre o
processo da Lava Jato, a posição provocou calafrios em muitos dos
suspeitos — os que já foram acusados e os que admitem poder vir a
sê-lo em breve.
Menos mediáticos do
que Sérgio Moro, outros nomes têm responsabilidades acrescidas na
investigação. Na linha da frente estão o procurador Carlos
Fernandes Lima, que estabelece as directrizes do Ministério Público
Federal e concentra a “pasta” das delações, e o procurador
Deltan Dallagnol, o coordenador da “força-tarefa” (a designação
dos brasileiros para task force) da Lava Jato em Curitiba.
Constituída em Abril de 2014, depois da primeira fase da operação
policial, a “força-tarefa” já viu a sua missão prorrogada duas
vezes e agora trabalha sem prazo. O seu trabalho resultou na abertura
de mais de 20 acções penais, todas sob a responsabilidade do juiz
Sérgio Moro, com mais de uma centena de arguidos.
Apesar de Sérgio
Moro receber incomensuravelmente mais elogios do que críticas, o
trabalho do juiz federal também tem os seus detractores —
sobretudo advogados que contestam o alegado abuso da prisão
preventiva, as tácticas empregues para pressionar suspeitos a firmar
acordos de delação premiada ou a sua aparente tendência
centralizadora das diferentes acções do processo.
Mais incisivo, o
coordenador da federação Nacional dos Petroleiros, Emanuel
Cancella, assinou um artigo de opinião, publicado por vários órgãos
brasileiros, onde põe em causa a independência do juiz federal e a
sua legitimidade enquanto titular dos processos em curso. “A esposa
do juiz Sérgio Moro, que está à frente da operação Lava Jato,
advoga para o PSDB do Paraná e para multinacionais do petróleo. A
denúncia foi publicada no WikiLeaks”, refere o sindicalista, para
quem os “principais interessados” e “grandes beneficiados”
com a investigação são, precisamente, o partido social-democrata,
maior força de oposição, e as petrolíferas estrangeiras
interessadas numa eventual privatização da Petrobras. “A
sociedade não deve nenhum respeito a um juiz que extrapola as suas
funções e, sem nenhuma base jurídica, destrata a autoridade máxima
do país”, conclui.
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