Jeremy
Corbyn: um “Podemos” na Inglaterra?
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 16/08/2015 -PÚBLICO
1. Faltava a
Inglaterra, a mais inesperada paragem para títulos como “O Podemos
britânico voa nas sondagens do Labour”. Trata-se da batalha pela
liderança do Partido Trabalhista. O “Podemos” ou o “Syriza”
ingleses são a arma de campanha de Jeremy Corbyn, 66 anos, um
veterano que propõe um regresso ao socialismo dos anos 1980. Tem o
apoio dos grandes sindicatos. Não é um Pablo Iglesias nem um Alexis
Tsipras, de quem é amigo. Mas o seu discurso “anacrónico”
incendiou os jovens trabalhistas.
O que estes jovens
apreciam em Corbyn não é o carisma, que ele não tem, mas a
“autenticidade” e a recusa de adaptar os seus princípios de
sempre às exigências das vitórias eleitorais. O jornalista John
Carlin chama-lhe “O Quixote inglês”. Corbyn responde “ao
anseio de muitos, especialmente jovens, se identificarem com uma
causa que julgam autêntica, justa e nobre”, escreveu no El País.
Jonathan Freedland,
no Guardian, analisa a febre dos jovens trabalhistas. Há um dado
surpreendente e que é a chave do sucesso de Corbyn: apenas 10% dos
seus apoiantes consideram importante que o líder do partido
‘compreenda o que é necessário para vencer uma eleição’” —
os apoiantes dos outros três concorrentes dizem o contrário.
Querem o partido e
não querem o poder? Explica Freedland: “Escolher um líder do
partido nada tem a ver com a construção de uma maioria
governamental, com a conquista do poder ou até com uma mudança na
sociedade. O que está em causa é a identidade. Serem verdadeiros
consigo mesmos.” Os fracassos trabalhistas de há 30 anos são para
eles uma história longínqua. “Olham a paisagem de hoje, o Partido
Nacional Escocês, o Syriza ou o Podemos e pensam: por que não?
(...) Absorveram a lição de que talvez o poder não seja essencial
se tudo a que leva são privatizações, Iraque ou uma City mais
voraz.”
A actual geração
dirigente foi marcada pelos desastres do Labour na era Thatcher,
escreve Andrew Rawnsley no Observer. “A jovem geração foi marcada
pela experiência do New Labour e pelo fracasso de Miliband em
desalojar os tories. (...) Muitos membros do partido parecem estar a
retirar-se para uma política de protesto em vez de visar o poder.”
O que enfurece os dirigentes trabalhistas: “O Labour quer
simplesmente denunciar os tories ou está interessado em os bater?
Está-se nas tintas em ser competitivo nas próximas eleições?”
2. Passemos a
Corbyn. Partindo quase do zero e apenas aspirando ser a voz da antiga
esquerda, teve uma ascensão fulminante e lançou o pânico no
establishment trabalhista. A sua vitória teria um impacto devastador
na paisagem política britânica, já desestabilizada à direita pelo
UKIP, de Nigel Farage. O Labour deixaria de ser um partido de governo
para se tornar num movimento de protesto parlamentar e
extra-parlamentar.
Alguns prevêem uma
cisão.
A sondagem (YouGov)
de terça-feira dava a Corbyn 53% das intenções de voto, largamente
maioritário entre militantes, sindicalistas e registados para votar
(mediante três libras e uma declaração de apoio ao partido). Em
Maio, o Labour tinha 200 mil militantes; desde então inscreveram-se
mais 79 mil pessoas e registaram-se para votar 145 mil. Prudência: a
votação só acaba a 10 de Setembro e até lá os “estados de
espírito” podem mudar. Serão três semanas de batalha sem
quartel.
A imprensa
internacional foi fascinada por Corbyn, o “socialista à antiga”.
Comentadores e políticos britânicos atacam os seus “os
anacrónicos valores socialistas”. Promete renacionalizar a grande
indústria, os caminhos-de-ferro, o gás e a electricidade, subir os
impostos dos ricos, um plano maciço de investimento nas
infra-estruturas, a restauração dos direitos perdidos pelos
trabalhadores, a gratuidade das universidades e, sobretudo, o aumento
da despesa pública e o fim da política de austeridade. Propõe
também o cancelamento do nuclear militar britânico e a saída da
NATO, tal como a revisão do estatuto britânico na UE. Paul Krugman
deu a bêncão ao seu programa económico.
É um anti-americano
visceral. Foi admirador de Chávez, apoiou Putin no conflito
ucraniano, elogia o Hamas e o Hezbollah. Um dirigente sindical diz
que ele é o “melhor antídoto contra o vírus do blairismo.”
Por aqui passa muita
retórica. Vêm à memória as eleições de 1983. Depois da derrota
de 1979 perante Thatcher, em grande medida provocada pela exasperação
perante as sucessivas greves do carvão, o Labour elegeu um venerando
líder radical, Michael Foot, que se apresentou às eleições com um
programa maximalista. Ao lê-lo, o trabalhista Gerald Kaufman
qualificou-o como “a mais longa carta de suicídio da História”.
O Labour foi esmagado. Foi um trauma que permitiu a futura ascensão
de Tony Blair. Interrogado sobre 1983, respondeu há dias Corbyn:
“Que é que há de errado no manifesto de 1983?”
Aos que dizem que as
“eleições se ganham ao centro” — coisa que Tsipras, Iglesias
ou Marine Le Pen percebem — a sua candidatura responde que os
próximos cinco anos com Cameron farão os britânicos mudar de
opinião. “Estive na Grécia e estive em Espanha. É interessante
ver que os partidos sociais-democratas que aceitaram a austeridade e
a praticaram acabaram por perder numerosos membros e apoios”,
declarou Corbyn ao Daily Mail.
3. O caso do Labour
é uma surpresa mas também o reflexo de uma grande mudança. A crise
provocou uma recomposição política, que se traduziu no reforço
ideológico dos conservadores, no impasse da social-democracia, no
crescimento dos populismos de direita e em fenómenos como o Syriza e
o Podemos. Mas também permitiu a ressurreição das “velhas
esquerdas” que continuam a pensar o mundo como há 30 ou 40 anos e
que, portanto, lhe respondem com velhas receitas que fracassaram.
Este é o mundo de Corbyn.
O desafio da
social-democracia ou do Labour não se resume às alianças e a
ganhar as eleições ao centro. O que ainda não conseguiram dizer é
o que será uma “resposta de esquerda”.
Explodiu a
globalização, que, ao lado das mudanças tecnológicas, reduziu e
fragmentou a classe operária. Desfez-se a coligação histórica
entre a classe operária e as novas classes médias de empregados
assalariados, em que a antiga social-democracia assentava. Como
governar? O envelhecimento da população e a extensão das
prestações sociais exigem impostos mais altos. Uma fiscalidade
excessiva ameaça a competitividade. E o recurso ao endividamento
deixa os governos à mercê dos mercados financeiros.
Grande parte da
esquerda tem tendência a negar a realidade. “A esquerda europeia
necessita de um pensamento radical para enfrentar o futuro (...) e
esse pensamento político radical tem de ser trazido para o âmbito
do centro-esquerda”, escreve o jornalista britânico John Lloyd.
Mais do que Corbyn,
importam o Labour e os seus jovens. Não têm um novo horizonte
político. Recuam da política para o moralismo. Fica uma
interrogação inquietante: que se seguirá a uma previsível
decepção, ganhe ou perca Corbyn a liderança do partido?
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