LOURO PRENSADO É
DROGA
Pela criminalização
dos falsos traficantes de haxixe
LUÍS PEDRO NUNES
A Assembleia
Municipal de Lisboa (AML) ponderou e fez bem. E assim que voltar de
férias vai fazer chegar ao Ministério da Administração Interna,
ali ao lado, na Praça do Comércio, o pedido para elaboração de
enquadramento legal para criminalizar o falso tráfico de droga.
Quero já avisar que li muita chalaça sobre este assunto. Aqui será
levado a sério. O tema foi introduzido na AML devido a uma petição
de cerca de 700 assinaturas, muitas de comerciantes da zona. O
tráfico de alegada droga no centro histórico (e em frente ao
Ministério da Administração Interna) está incontrolável. Há
grupos organizados de falsos traficantes a vender falsa droga. Este
não é um falso problema. Espíritos mais conservadores serão
capazes de dizer: então agora o Estado tem que se preocupar com
burlados da droga? Sim. Tem.
Um pequeno dealer de
haxe que se aventure a fazer negócio sério pela Baixa ou arredores
terá que ser um tipo com algum sentido de honra. Necessita de
investir na compra do produto e depois revender com margem de lucro
para voltar a recomprar. Neste tipo de negócio três riscos me
ocorrem de imediato: ser roubado, preso, ou fumar ele próprio a
mercadoria antes de a colocar no mercado. É assim com estupefação
e perplexidade que verá concorrentes a colocar no mercado produto
falso e a ter um lucro de 100% e zero risco com a lei, o que, e passo
a citar, sendo “louro prensado, que não consubstancia um ilícito
criminal”. Mas este ato não é tido como bondoso pelos locais.
Pelo contrário. Criou uma nova aliança entre o comércio da Baixa e
o dealer honrado para pôr fim ao traficante satisfeito de produto
contrafeito.
Aparentemente tudo
isto tem ares de fait-divers de verão. Engano, caro leitor. Esta é
uma questão que acarreta graves problemas para a imagem da cidade e
que a AML corajosamente decidiu enfrentar. Estamos a falar de “grupos
organizados” que têm “crescido exponencialmente nos últimos
anos” que sabem não estar a cometer nenhum ilícito. Pelo que
abordam de forma ostensiva qualquer pessoa na rua para oferecer
droga. Se fizer um passeio na Baixa com ar de “camone” será
suavemente placado uma dezena de vezes por estes pretensos dealers.
Isto levanta dois problemas de imagem para a cidade. Para os que não
querem comprar estupefacientes que, assim, ficam com a ideia que isto
é uma terra sem lei e insegura largada aos traficantes que vendem
droga frente à autoridade fardada. E aos que compram e são
enganados. Nos dois casos temos uma questão reputacional. Lisboa vem
descrita como cidade charro-friendly, de droga barata e,
efetivamente, a vontade é de ir fazer queixa ao polícia junto da
qual se comprou o louro prensado. Como é possível permitir que
fulanos com ar chunga de dealer rascoso façam negócio numa zona
turística, nas barbas da polícia, e o que vendem seja Knorr? Onde
fazer queixa? Há posto de turismo com livro de reclamação? Porque
é que no hostel não avisaram? Há uma app para dar um rating
negativo? Como posso recomendar esta cidade a uns amigos que gostam
de fumar umas brocas?
Os comerciantes e
habitantes estão saturados. Os comerciantes, porque dada a
impunidade têm grupos de “mitras” à frente das portas do seu
negócio a abordar turistas com ar de quem está a vender algo
ilícito. Os habitantes, pela mesma razão e pela falta de memória
visual dos falsos traficantes, pois são capazes de lhes tentar
impingir o tal louro prensado várias vezes no mesmo dia. E fica uma
sensação de irritação muito grande. Tudo isto se passa a 50
metros de um polícia que vê, fingindo que não vê, pois sabe que
não pode fazer nada.
Quando há dias saiu
a notícia de que a Câmara queria criminalizar o falso tráfico a
galhofa foi grande. Mas não há razões para isso. Imagine pois que
é à sua porta. Os autarcas pensaram... pensaram... e o presidente
de Junta de Freguesia de Santa Maria Maior teve, quanto a mim, a
melhor ideia: atacá-los como “vendedores ambulantes não
licenciados”. Não é prisão mas permite fazer uma pressão.
Esta pode ser uma
ideia brilhante. E, a ser colocada em prática, poderá até resolver
o problema. Ao retirar a questão da venda de falsa droga para mera
venda de louro prensado necessita de licenciamento — sujeito a
coimas — pode ser chamada a ASAE. E a ASAE dos bons velhos tempos
não é a polícia municipal. Há que lembrar que esta autoridade foi
capaz de eliminar as colheres de pau das cozinhas dos restaurantes
com a presença de agentes de capacete, máscara, colete antibala e
outra parafernália de força de segurança máxima tipo SWAT, GOE,
força especial. Neste ponto, o que será determinante é ter uma
base legal que permita, tal como acontece com as infrações ao
código da estrada, exigir o pagamento da coima no momento. E que a
venda de louro prensado e Knorr (ou seus derivados, já sabemos como
esta malandragem é, que vai logo buscar coentros secos ou caldos
Maggi) seja pesada.
Com isto haverá
espaço livre para os traficantes de haxe dignos desse nome poderem
fazer o seu trabalho que raramente passa por abordar tão
ostensivamente o turista de passeio. As ruas e praças deixam de ter
aquele aspeto de gueto em que de 5 em 5 minutos um bacano vem
sussurrar com o canto da boca qualquer coisa como “axexexexexe?”.
E, quem sabe, ainda poderemos ver um polícia num Segway a fazer uma
perseguição a um dealer, sem ficar parado como agora, com aquele
capacete tipo penico na cabeça e cara de autoridade sem poder, em
cima de um brinquedo: “É um falso criminoso. Não tenho
legitimidade para proceder.”
Jornal Expresso
SEMANÁRIO#2233 | 15AGO,2015
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