segunda-feira, 17 de agosto de 2015

LOURO PRENSADO É DROGA. Pela criminalização dos falsos traficantes de haxixe / LUÍS PEDRO NUNES


LOURO PRENSADO É DROGA

Pela criminalização dos falsos traficantes de haxixe

LUÍS PEDRO NUNES

A Assembleia Municipal de Lisboa (AML) ponderou e fez bem. E assim que voltar de férias vai fazer chegar ao Ministério da Administração Interna, ali ao lado, na Praça do Comércio, o pedido para elaboração de enquadramento legal para criminalizar o falso tráfico de droga. Quero já avisar que li muita chalaça sobre este assunto. Aqui será levado a sério. O tema foi introduzido na AML devido a uma petição de cerca de 700 assinaturas, muitas de comerciantes da zona. O tráfico de alegada droga no centro histórico (e em frente ao Ministério da Administração Interna) está incontrolável. Há grupos organizados de falsos traficantes a vender falsa droga. Este não é um falso problema. Espíritos mais conservadores serão capazes de dizer: então agora o Estado tem que se preocupar com burlados da droga? Sim. Tem.

Um pequeno dealer de haxe que se aventure a fazer negócio sério pela Baixa ou arredores terá que ser um tipo com algum sentido de honra. Necessita de investir na compra do produto e depois revender com margem de lucro para voltar a recomprar. Neste tipo de negócio três riscos me ocorrem de imediato: ser roubado, preso, ou fumar ele próprio a mercadoria antes de a colocar no mercado. É assim com estupefação e perplexidade que verá concorrentes a colocar no mercado produto falso e a ter um lucro de 100% e zero risco com a lei, o que, e passo a citar, sendo “louro prensado, que não consubstancia um ilícito criminal”. Mas este ato não é tido como bondoso pelos locais. Pelo contrário. Criou uma nova aliança entre o comércio da Baixa e o dealer honrado para pôr fim ao traficante satisfeito de produto contrafeito.

Aparentemente tudo isto tem ares de fait-divers de verão. Engano, caro leitor. Esta é uma questão que acarreta graves problemas para a imagem da cidade e que a AML corajosamente decidiu enfrentar. Estamos a falar de “grupos organizados” que têm “crescido exponencialmente nos últimos anos” que sabem não estar a cometer nenhum ilícito. Pelo que abordam de forma ostensiva qualquer pessoa na rua para oferecer droga. Se fizer um passeio na Baixa com ar de “camone” será suavemente placado uma dezena de vezes por estes pretensos dealers. Isto levanta dois problemas de imagem para a cidade. Para os que não querem comprar estupefacientes que, assim, ficam com a ideia que isto é uma terra sem lei e insegura largada aos traficantes que vendem droga frente à autoridade fardada. E aos que compram e são enganados. Nos dois casos temos uma questão reputacional. Lisboa vem descrita como cidade charro-friendly, de droga barata e, efetivamente, a vontade é de ir fazer queixa ao polícia junto da qual se comprou o louro prensado. Como é possível permitir que fulanos com ar chunga de dealer rascoso façam negócio numa zona turística, nas barbas da polícia, e o que vendem seja Knorr? Onde fazer queixa? Há posto de turismo com livro de reclamação? Porque é que no hostel não avisaram? Há uma app para dar um rating negativo? Como posso recomendar esta cidade a uns amigos que gostam de fumar umas brocas?

Os comerciantes e habitantes estão saturados. Os comerciantes, porque dada a impunidade têm grupos de “mitras” à frente das portas do seu negócio a abordar turistas com ar de quem está a vender algo ilícito. Os habitantes, pela mesma razão e pela falta de memória visual dos falsos traficantes, pois são capazes de lhes tentar impingir o tal louro prensado várias vezes no mesmo dia. E fica uma sensação de irritação muito grande. Tudo isto se passa a 50 metros de um polícia que vê, fingindo que não vê, pois sabe que não pode fazer nada.

Quando há dias saiu a notícia de que a Câmara queria criminalizar o falso tráfico a galhofa foi grande. Mas não há razões para isso. Imagine pois que é à sua porta. Os autarcas pensaram... pensaram... e o presidente de Junta de Freguesia de Santa Maria Maior teve, quanto a mim, a melhor ideia: atacá-los como “vendedores ambulantes não licenciados”. Não é prisão mas permite fazer uma pressão.

Esta pode ser uma ideia brilhante. E, a ser colocada em prática, poderá até resolver o problema. Ao retirar a questão da venda de falsa droga para mera venda de louro prensado necessita de licenciamento — sujeito a coimas — pode ser chamada a ASAE. E a ASAE dos bons velhos tempos não é a polícia municipal. Há que lembrar que esta autoridade foi capaz de eliminar as colheres de pau das cozinhas dos restaurantes com a presença de agentes de capacete, máscara, colete antibala e outra parafernália de força de segurança máxima tipo SWAT, GOE, força especial. Neste ponto, o que será determinante é ter uma base legal que permita, tal como acontece com as infrações ao código da estrada, exigir o pagamento da coima no momento. E que a venda de louro prensado e Knorr (ou seus derivados, já sabemos como esta malandragem é, que vai logo buscar coentros secos ou caldos Maggi) seja pesada.

Com isto haverá espaço livre para os traficantes de haxe dignos desse nome poderem fazer o seu trabalho que raramente passa por abordar tão ostensivamente o turista de passeio. As ruas e praças deixam de ter aquele aspeto de gueto em que de 5 em 5 minutos um bacano vem sussurrar com o canto da boca qualquer coisa como “axexexexexe?”. E, quem sabe, ainda poderemos ver um polícia num Segway a fazer uma perseguição a um dealer, sem ficar parado como agora, com aquele capacete tipo penico na cabeça e cara de autoridade sem poder, em cima de um brinquedo: “É um falso criminoso. Não tenho legitimidade para proceder.”

Jornal Expresso SEMANÁRIO#2233 | 15AGO,2015



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