Não chores,
Rui. Brinca com o Infarmed
A gente
esfrega os olhos e nem consegue acreditar no que vê. A quem pensa António Costa
agradar?
João Miguel
Tavares
23 de Novembro
de 2017, 6:36
Como é
possível que um político tão habilidoso como António Costa esteja a acumular
erros atrás de erros desde o Verão? Há asneiras para todos os gostos. Erros
políticos calamitosos, como a gestão dos fogos; erros ridículos de comunicação,
como o tweet do Panteão; erros de tibieza e falta de estratégia, como nas
negociações com os professores. E agora, isto: o primeiro-ministro hesitante e
teacher friendly da semana passada resolveu travestir-se de macho man da
descentralização. Vai daí, embrulhou o Infarmed e os seus 350 trabalhadores em
papel de Natal e foi ao Porto oferecê-los a Rui Moreira, que tinha ficado
triste por perder a Agência Europeia do Medicamento para Amesterdão.
A gente
esfrega os olhos e nem consegue acreditar no que vê. A quem pensa António Costa
agradar? Mistério. Tirando Rui Moreira, que teve uma reacção tão infantil
quanto a de Costa, aparecendo em frente aos jornalistas com a felicidade de
quem recebeu o carro da Barbie depois de ter perdido a casa da Barbie, não há
ninguém que consiga perceber o racional disto. Qualquer pessoa olha para esta
transferência e fica chocada com a absoluta discricionariedade da decisão. O
Porto tinha concorrido e perdido um concurso europeu e ninguém estava a culpar
o Governo. Aliás, ninguém estava sequer a falar nisso. De repente, aparecem
António Costa e Adalberto Campos Fernandes a oferecer ao Porto aquilo que o
Porto não pediu, e envolvendo na negociata a vida de 350 pessoas, mais as suas
famílias, que souberam da decisão pelas televisões. Não há outra palavra: isto
é chocante.
Não está em
causa a necessidade de descentralizar o país, nem o excessivo poder do Terreiro
do Paço, nem a forma como o Estado podia, e devia, espalhar a sua estrutura
megalómana pelo território. Só que enviar o Infarmed para o Porto não faz parte
de uma qualquer descentralização planeada, de uma reforma administrativa mínima
ou de uma simples necessidade técnica. Costa achou que devia dar um prémio de
consolação ao Porto, e foi isto que ele arranjou — sem estudos, sem
envolvimento dos trabalhadores, sem anúncio prévio. Calhou a fava ao Infarmed,
simplesmente porque sim. E, desconfio eu, por ter pouca gente sindicalizada na
CGTP.
A par do
regresso às 35 horas na função pública, é bem possível que este anúncio seja
uma das mais vergonhosas decisões tomadas por António Costa desde que é
primeiro-ministro. Se em termos económicos a gravidade é muito diferente, em
termos estritamente políticos as duas medidas são sintomáticas da capacidade
que Costa tem de recorrer ao populismo mais irracional se achar que obtém
ganhos imediatos, independentemente do número de pessoas que atropele. Contudo,
se no caso das 35 horas a medida é absurda mas eleitoralmente eficaz, no caso
do Infarmed nem isso. Parece uma coisa à Santana Lopes — nem se percebe a
lógica da decisão.
Pergunto:
estará o primeiro-ministro a perder o mojo? Ter-se-á eclipsado a magnífica
intuição política que o trouxe até aqui? Com Passos Coelho fora de jogo e o PSD
entregue a dois candidatos que não entusiasmam um único hominídeo desde a
invenção do iPhone, era bom que a legislatura chegasse ao fim. Tal como o
soldado que é um exemplo de coragem até quebrar de vez e passar a assustar-se
com a própria sombra, António Costa anda desde Outubro de cabeça perdida.
Convinha que se recompusesse, para bem do país. Talvez possa perguntar ao
Infarmed se tem por lá algum medicamento para isso.
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