LISBOA
Carris:
"Eles querem mudar tudo e não conseguem mudar nada"
No primeiro
aniversário da mudança de tutela da Carris para a Câmara de Lisboa, o PÚBLICO
foi falar com os utentes. As críticas abundam, mas há um elogio: a redução do
preço dos passes para idosos. E alterações no serviço? "Até que há:
algumas paragens mudaram de sítio".
MARIA WILTON 21 de Novembro de 2017, 7:56
À saída do
metro da Alameda, junto à Igreja Universal do Reino de Deus, já passaram dez
minutos da hora prevista no placard para a chegada do 718. À medida que o tempo
passa - e o autocarro não aparece -, as pessoas vão-se acumulando. Afinal,
fugir à hora de ponta não equivale a fugir de uma imensidão de gente.
Nasser,
cozinheiro de 19 anos, reconhece que é todos os dias assim. “Ando de autocarro
desde que me lembro, penso que desde os 10 anos. E nunca vi o serviço melhorar
- até é possível mesmo que tenha piorado recentemente”, afirma.
As queixas
são muitas, repetidas por diferentes vozes. No entanto Nasser evita generalizar
e diz que o funcionamento de cada trajecto depende do motorista e da carreira
em questão. “Por vezes chego a esperar uma hora pelo autocarro e acontece que,
mesmo depois do transporte estar atrasado, o motorista sai do autocarro para
fumar. É uma falta de respeito”, denuncia o jovem.
Nasser diz
ter ouvido anúncios acerca de medidas que iam ser tomadas mas afirma não sentir
as melhorias no serviço. "Eles querem mudar tudo e não conseguem mudar
nada", remata.
A verdade é
que um ano depois do acordo assinado entre o Ministério do Ambiente e a Câmara
Municipal de Lisboa, a 21 de Novembro de 2016, acordando que toda a gestão da
Carris passasse a ser da responsabilidade da autarquia, os utentes são quase
unânimes a dizer que nada parece ter melhorado.
Na altura
do acordo, Fernando Medina, presidente da autarquia, garantiu que haveria
melhorias “já no primeiro semestre de 2017” e, em Fevereiro de 2017 ao ser
oficializada a mudança da tutela, foi o primeiro-ministro António Costa a
expressar a garantia de que a cidade ganharia muito e que a mudança de gestão
permitiria que os utentes tivessem muito melhor qualidade de serviço.
“Vejo
algumas mudanças”, concede Hélder, reformado de 66 anos sentado na paragem do
autocarro que rumará aos Restauradores, ao lado da sua mulher Edite, de 65.
“Algumas paragens mudaram de sítio e o nosso passe ficou mais barato”, revela.
“Mas o sistema está igual, o tempo de espera continua a ser imenso e a maioria
dos painéis informativos não funcionam, o que dificulta saber quando vêm os
autocarros”, acrescenta logo Edite, sem contemplações.
De facto,
segundo contas efectuadas pelo PÚBLICO há cerca de um mês, existem pela cidade
de Lisboa cerca de 100 painéis inactivos, o que torna o serviço ainda mais
imprevisível do que já se apresenta.
Ao chegar o
autocarro 718, a uma hora inexistente no horário apresentado na paragem, a fila
forma-se à sua porta e é evidente que o transporte vai encher. Lá dentro, não
há qualquer anúncio da próxima paragem, algo que Miguel, de 23 anos, aponta
como uma das maiores falhas do serviço.
“Quando me
desloco a sítios que não conheço, tenho muita dificuldade em saber quando
premir o botão de paragem pois não sei em que paragem estou”, diz agarrando-se
firmemente ao poste mais próximo. “Por vezes, quando uso o serviço de sms para
saber quanto tempo falta até sair respondem-me com a paragem ou o tempo
errado”, ri-se, mas visivelmente sem ter achado graça nenhuma à piada. Para o
estudante, que utiliza a Carris para se deslocar há cinco anos, a pior faceta
do serviço é o ser pouco confiável e instável. “Não noto diferença nenhuma no
último ano, infelizmente”, conclui.
Coincidência
ou não, no primeiro semestre deste ano, de acordo com os dados recolhidos pelo
PÚBLICO junto das empresas nacionais de transporte, a Carris sofreu uma ligeira
descida no número de passageiros, de 0,8% em termos homólogos, chegando a 61,9
milhões de viagens.
Ana, de 21
anos, contrariou esta tendência já que apenas é cliente da empresa há um mês.
Uma experiência que não tem estado a correr bem, sobretudo porque não tem outra
alternativa de transporte. “O que mais me chateia é que apanho o 750 em Algés
para vir até aqui, ao Oriente, e apesar de dizer no horário que a última
paragem é aqui, por vezes o autocarro termina o trajecto no Campo Grande ou em
Cabo Ruivo”, afirma, desolada. “Muitas vezes nem chega a aparecer nenhum
veículo e chego muito atrasada às aulas.”
A queixa
dos atrasos é comum. Josefa, operadora de caixa de 30 anos, diz que por vezes
vem meia hora mais cedo e mesmo assim acaba por chegar atrasada, coisa que o
chefe não desculpa. “Não sei conduzir e preciso mesmo de chegar a sítios
inacessíveis por outros transportes. O autocarro é a única alternativa.”
Chega
entretanto o seu autocarro, 16 minutos atrasado, que ainda demorará um pouco
mais de 30 minutos a chegar ao seu destino e, portanto, mais uma vez não
chegará a horas ao seu turno.
O reinado
dos turistas
Mas a
Carris não é só autocarros e quando se muda de meio de transporte, também os
problemas mudam. E agravam-se.
Do Martim
Moniz aos Prazeres, o eléctrico 28 parece passar pelos séculos de história da
cidade. A embarcar no Chiado, Álvaro, assessor de profissão e que realiza
aquele percurso há 10 anos, nota que a afluência de passageiros aumenta a cada
ano que passa. “No Verão é ainda mais complicado e, simultaneamente, parece
haver menos eléctricos”.
A média de
passageiros desta carreira atingiu os 4,6 milhões nos últimos quatro anos, de
acordo com a Carris. Às 11h, o transporte transborda pelas costuras e todos, à
excepção de Álvaro, são estrangeiros, algo que se mantém durante todo o
percurso. Quando chega às diferentes paragens, há uma notória impossibilidade
de entrar, pelo que os novos passageiros têm de se acotovelar para o
conseguirem fazer.
O percurso
é, no entanto, cénico. O historiador José-Augusto França deu conta, ao dedicar
uma crónica à carreira, que ela abrange “dez igrejas, oito conventos que foram,
meia dúzia de prédios de destaque, seis jardins, uma dezena e meia de estátuas,
dez teatros e cinema de que só restam dois”, tornando a experiência muito
apelativa para os turistas.
O problema
põe-se para os moradores da área, muitos deles de idade avançada e que, nalguns
casos, não têm outro modo de transporte ou este fica-lhes mais distante.
Manuel, de 73 anos, habita perto da zona da Graça mas hoje em dia deixou de
conseguir entrar nos eléctricos que sempre usou. “Utilizo a Carris há cerca de
55 anos. Antigamente era ávido utilizador de eléctricos mas agora que estes
estão sempre apinhados uso os autocarros”, afirma, agarrando a sua bengala com
as duas mãos.
Habitante
de Lisboa toda a sua vida, utilizou eléctricos para ir para a faculdade e
depois para o emprego. Agora, com a subida de preços para o transporte que
considera “de turistas”, conforma-se com os autocarros que, além de serem
poucos, páram mais longe de sua casa.
Já em Campo
de Ourique, a última paragem onde é feito o transbordo, Ana de 72 anos, espera
com o seu neto o eléctrico 25, que os levará até à Praça da Figueira. Enquanto
ajusta a mala à volta do ombro, desvenda um truque: “Evito apanhar o 28 pois é
realmente insuportável mas a esta hora começa a ficar mais razoável - é que os
turistas vão almoçar".
Ana comenta
que o serviço não se adaptou ao aumento de estrangeiros na cidade. “Tinha
de ter em conta o aumento de gente que chega de fora. Como está, é um serviço mal organizado, uma
pena”, conclui.
As familiares
carreiras de bairro (caixa)
O - até
agora único - sucesso na nova concessão da empresa parecem ser as novas
carreiras de bairro. Introduzidas a 11 de Julho deste ano com o intuito de
agilizar as deslocações dentro das freguesias, têm uma frequência média de 30
minutos, que passa a um ritmo médio de hora a hora aos fins-de-semana. Um
horário que é escrupulosamente cumprido.
Na carreira
32B, com percurso circular na zona das Amendroeiras - ligando o ISEL a vários
pontos do bairro de Chelas - o autocarro chega a horas e, apesar de não dizer o
tempo de espera no painel informativo, Paulo, reformado de 66 anos, não parece
incomodado, já que apenas se dirige ao talho. “Parece um autocarro da escola”,
ri o idoso, referindo-se ao tamanho do transporte que chegou. Ao entrar, é
imediatamente cumprimentado pela condutora Ana, que parece conhecer todos os
utentes que transporta.
O consenso
é que o serviço funciona melhor que os autocarros normais e que foi uma
iniciativa que teve êxito. São poucas as paragens em que a carreira não pára e
todos se conhecem por nome tal como todos se juntam à conversa colectiva que se
gera no caminho. O grupo de idosos vê esta como uma boa iniciativa, onde se
respira um ambiente familiar.
No início
do ano, Tiago Farias, presidente do conselho de administração da Carris, disse
que as carreiras de bairro servirão sobretudo a população idosa, que está a
aumentar, permitindo-lhe “ir ao mercado, à farmácia, ir ter com os companheiros
ao parque municipal, etc.”
No total, o
trajecto perfaz os 19 minutos. A meio caminho, num local sem paragem, a
condutora abranda o veículo pois vê uma passageira habitual, como dificuldades
de mobilidade, a tentar chegar à paragem, que ainda está longe. Ana pára o
autocarro e chama pela sra. Emília, dizendo-lhe para entrar. O alívio da idosa
é visível. A atenção da motorista poupou-lhe um esforço imenso para vencer os
700 metros que faltavam até à paragem.
Texto editado por Ana Fernandes
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