A luz
artificial está a roubar-nos a noite
O mundo
está a ficar mais brilhante uma escala global e os cientistas alertam que tal
pode não ser bom.
WILL DUNHAM /REUTERS e PÚBLICO 23 de Novembro de 2017, 16:18
Durante a
segunda metade do século XX, a luz artificial no exterior cresceu de forma
constante. Para perceber então se o uso de luz ao ar livre continua a crescer
de forma exponencial, uma equipa de investigadores estudou os dados recolhidos
pelo satélite Radiometer Visible Infrared Imaging Suite (VIIRS), o primeiro
projectado especialmente para luzes nocturnas, com um sensor com uma resolução
espacial de 750 metros. E descobriram que, entre 2012 e 2016, a superfície da
Terra que se encontra artificialmente iluminada à noite cresceu, por ano, cerca
de 2% tanto em brilho como em área.
Por isso,
os cientistas estão preocupados com os efeitos ecológicos da poluição luminosa
em pessoas e animais. Também afirmaram que os dados daquele satélite
meteorológico da NOAA (a agência para a atmosfera e os oceanos dos EUA) até
podem estar a subestimar a situação, uma vez que o seu sensor não consegue
detectar uma parte da iluminação LED que se está a propagar cada vez mais, em
particular a luz azul (que os humanos conseguem ver).
As
comparações dos dados do VIIRS com as fotografias tiradas a bordo da Estação
Espacial Internacional mostram que o satélite às vezes regista um escurecimento
de algumas cidades, quando, na verdade, têm o mesmo brilho ou até estão mais
iluminadas.
“A noite na
Terra está a ficar mais brilhante. E, na verdade, não esperava que fosse tão
uniforme, que tantos países ficassem mais brilhantes”, disse o físico
Christopher Kyba, do Centro Alemão de Investigação em Geociências (GFZ), que
coordenou a equipa que publica agora um artigo na revista científica Science
Advances.
O aumento
da emissão de luz corresponde de perto ao aumento do produto interno bruto
(PIB), com a taxa de iluminação a crescer muito mais rapidamente nos países em
desenvolvimento do que em países ricos já iluminados.
Por um
lado, o crescimento da luz nocturna foi observado em toda a América do Sul,
África e Ásia. Por outro, a luz permaneceu estável em certos países, onde se
incluem alguns dos que agora já são os mais brilhantes do mundo, como a Itália,
Holanda, Espanha e Estados Unidos. Contudo, os investigadores ressalvam que a
“cegueira” do sensor do satélite VIIRS, relativamente a alguma luz LED, pode
estar a ocultar um aumento de iluminação nesses países. Para além disso, a área
iluminada da Austrália diminuiu por causa de incêndios florestais e o brilho
também diminuiu na Síria e no Iémen, ambos em guerra.
Deixar a
noite ser noite
O
ecologista Franz Hölker, do Instituto para a Ecologia da Água Doce e da Pesca
Fluvial, em Leibniz, salientou que a poluição luminosa tem consequências
ecológicas, com os ciclos de luz natural a serem interrompidos pela luz
artificial introduzida no ambiente nocturno. Explicou, por exemplo, que o
aumento do brilho do céu pode afectar o sono humano.
“Além de
ameaçar 30% dos vertebrados nocturnos e mais de 60% dos invertebrados
nocturnos, a luz artificial também afecta plantas e microrganismos”, disse
Franz Hölker. “A poluição luminosa ameaça a biodiversidade através da alteração
de hábitos nocturnos, como os padrões de reprodução ou migração de muitas
espécies diferentes: insectos, anfíbios, peixes, aves, morcegos e outros
animais.”
Também
Christopher Kyba chamou a atenção para o facto de a iluminação nocturna
obscurecer as estrelas que as pessoas testemunham há milénios.
Os
especialistas tinham esperanças de que o crescente uso de iluminação LED
altamente eficiente pudesse diminuir o uso de energia em todo o mundo. Mas as
novas descobertas indicam que, pelo contrário, o uso de iluminação artificial
está a crescer. Teme-se, por isso, que esse “efeito de ricochete” possa anular
parcial ou totalmente a poupança feita graças a projectos de modernização da
iluminação, tornando assim os céus nas cidades mais brilhantes.
Investigadores
alertam para malefícios da iluminação intensiva no ambiente e na saúde
“Embora se saiba que os LED economizam projectos
específicos, por exemplo, quando uma cidade passa toda a iluminação pública de
lâmpadas de sódio para iluminação LED, quando olhamos para o nível nacional e
global percebemos que essa poupança está a ser contrabalançada com luzes novas
ou mais brilhantes noutros lugares”, alerta Christopher Kyba.
Ainda
assim, espera-se que a situação melhore. “Outros estudos e a experiência de
cidades como Tucson, no Arizona, mostram que as lâmpadas LED bem projectadas
permitem uma redução de emissão de luz de dois terços ou mais, sem qualquer
efeito perceptível para a percepção humana”, acrescenta Christopher Kyba,
citado num comunicado do GFZ. “Mas apenas se não gastarmos as nossas poupanças
em mais luz.”
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