(…) “Portugal está melhor? Tivemos a Web Summit,o turismo em níveis nunca vistos, personalidades famosas que procuram o nosso país para viver, a economia a crescer. Temos razões para estarmos satisfeitos?
Portugal é
um país completamente maníaco-depressivo: quando estamos deprimidos é o fim do
mundo, quando as coisas correm bem, está tudo bem, é a fase maníaca, digamos
assim. Estamos um bocado a passar por essa fase sem perceber que isso são
coisas muito temporárias, nomeadamente o turismo. O turismo é uma coisa
horrorosa, isto que está a acontecer em Portugal. Não está necessariamente a
beneficiar toda a gente, é uma coisa ilusória para passar de um dia para o
outro. De repente, Portugal ficou na moda e o turismo são rebanhos, o que tem
acontecido são «rebanhismos». E é uma coisa que pode passar de um dia para o
outro e, no fundo, é uma forma de prostituição económica, é como chamaria a
isso, é mesmo estar a vender o país, a coisa mais física e que exige menos
trabalho. Acho um disparate total sentarmo-nos em cima disso porque obviamente
depois vai haver uma crise, e depois passamos à fase depressiva. Somos
totalmente bipolares neste sentido.
Portugal
está melhor, mas está melhor por razões circunstanciais e que podem mudar muito
rapidamente. Há problemas graves em termos de investigação, de desenvolvimento,
de tecnologia, de agricultura, que não estão a ser resolvidos. É capaz de estar
um bocado melhor, há uma certa onda de esperança que pode ser positiva. Mas
fico um bocado cético em relação a isso, espero estar errado, mas acho que é
uma coisa um bocado temporária.”
João
Magueijo: «Portugal é um país maníaco-depressivo»
Físico,
cientista, escritor, professor no Imperial College em Londres, gosta de fado e
de música pimba, não acredita em Deus, não tem qualquer fé nas elites
portuguesas. E regressa agora com o novo livro, escrito em emigrês.
11/11/2017
https://www.noticiasmagazine.pt/2017/joao-magueijo/
João
Magueijo: «Portugal é um país maníaco-depressivo»
Físico,
cientista, escritor, professor no Imperial College em Londres, gosta de fado e
de música pimba, não acredita em Deus, não tem qualquer fé nas elites portuguesas.
E regressa agora com o novo livro, escrito em emigrês.
11/11/2017
«Ninguém
emigra por prazer». No seu livro Bifes Mal Passados abordou o nosso sentimento
de inferioridade em relação aos países do Norte. A emigração é um tema sempre
presente. Em Londres, sente saudades dos pratos de bacalhau.
João-Magueijo
João
Magueijo esteve dois anos em Toronto, no Canadá, e escreveu um livro sobre a
comunidade emigrante portuguesa. É o seu primeiro romance e chama-se Olifaque.
«Ninguém
emigra por prazer». No seu livro Bifes Mal Passados abordou o nosso sentimento
de inferioridade em relação aos países do Norte. A emigração é um tema sempre
presente. Em Londres, sente saudades dos pratos de bacalhau.
Entrevista
de Sara Dias Oliveira
Depois de
Bifes Mal Passados (2014) ter chamado a atenção para o nosso complexo de
inferioridade em relação aos países do norte da Europa, João Magueijo regressa
ao tema da emigração portuguesa com Olifaque, que fala da vida da comunidade
portuguesa em Toronto, no Canadá. Acredita que ninguém emigra por prazer e
chateia-o a falta de consideração das elites nacionais em relação a todos os
que um dia deixaram a aldeia e partiram para outro país. Continua provocador, a
dizer o que pensa sem paninhos quentes, e, nesta entrevista, afirma que esta
onda de turismo em Portugal país é uma forma de prostituição. Professor no
Imperial College em Londres, continua às voltas da teoria variável da luz, e
não pensa voltar para trabalhar em ciência. «Portugal é um país completamente
maníaco-depressivo.» E explica porquê.
Encontra o
primeiro-ministro português num bar em Londres. O que lhe diria?
Teria
várias coisas a dizer em relação à nossa emigração, que acho que é verdade que
as pessoas nunca emigram por prazer, e há um bocado essa impressão que as
pessoas são vendíveis, que são dispensáveis. «Quando há uma crise vão lá para
fora e façam-se à vida» – há um bocado essa atitude. Acho que isso é terrível.
Não foi
especificamente este primeiro-ministro que teve esta atitude, mas foi o
anterior que teve a atitude de solução da crise – uma crise, ainda por cima,
criada pelos desmandos especulativos da banca – do «façam-se à vida, emigrem».
Ninguém emigra por prazer. É importante estar consciente da nossa diáspora e as
pessoas não estão suficientemente conscientes disso. Há pessoas que foram
atiradas para fora do país de uma maneira muito gratuita do ponto de vista das
elites que realmente tomaram as decisões que levaram a isso.
Tem
referido, aliás, que há um problema em Portugal em relação aos cinco milhões de
emigrantes da diáspora. É um problema que tem solução?
A Austrália
tem um problema de diáspora maior e as pessoas não têm tanta falta de
consideração. O facto de termos mandado para fora o pior de Portugal
financeiramente é um problema de Portugal, não é um problema das pessoas que
foram para fora. É terrível ter havido uma situação que, durante anos e anos,
foi sendo resolvida despejando estas pessoas. Se é um problema resolvível ou
não, não sei. Ignorá-lo não é uma solução. Ignorá-lo não é uma atitude correta.
O que é que
o chateia nessa falta de reconhecimento em relação à comunidade portuguesa que
um dia fez as malas, deixou a aldeia e partiu para outro país?
A
arrogância das elites que cá estão em Portugal. Uma arrogância total em relação
a estas pessoas que, no fundo, são tão portuguesas como nós. É muito mau
embirrarem com o bilinguismo, com a linguagem, com os gostos, com tudo isso,
tendo criado uma situação que ignoraram completamente quando estavam em
Portugal e quando saíram de Portugal. E isso é uma coisa que me irrita
profundamente. Uma coisa que me escandaliza um bocado é não haver interesse
pelo menos académico. É mais importante ter interesse prático. No fundo, a
emigração é uma forma de colonialismo. Da mesma maneira que os ingleses
colonizaram a Índia, mas pelo menos tiveram o cuidado de estudar as línguas
todas locais. Nós estamos a explorar estas pessoas porque isto é uma forma de
colonialismo direto, vamos explorar os emigrantes porque obviamente o dinheiro
volta para Portugal, e por aí fora, pelo menos podíamos estudar as línguas
deles, investir no interesse académico. Já para não dizer o resto, devia ser
muito mais. O que aconteceu com a emigração portuguesa é escandaloso, mas
também demonstra uma certa falta de ambição intelectual. E aí misturam-se duas
coisas muito feias. Uma é basicamente tratar mal as pessoas, outra é não ter
ambição intelectual.
«A
emigração é uma forma de colonialismo. Vamos explorar os emigrantes porque
obviamente o dinheiro volta para Portugal.»
É um
otimista ingénuo que gosta de abanar consciências nos livros que escreve?
Otimista
ingénuo? Sou otimista, se sou ou não ingénuo, não sei. Obviamente que quem
tenta abanar as coisas é porque pensa que pode mudar alguma coisa. Não tenho
sentimentos épicos de mudar o mundo, mas pode-se contribuir com alguma coisa.
Nunca hei
de voltar para Portugal para fazer ciência, porque é o tipo de coisa que sei
que é uma batalha perdida. Não sou otimista nesse sentido, não sou tão ingénuo
nesse sentido. Sei que se voltasse para Portugal era simplesmente absorvido
pelo sistema e não dava coisa nenhuma. A ingenuidade não chega a este ponto.
Agora acho que é importante achincalhar um bocado o sistema porque, às vezes,
as coisas, de facto, mudam. Não sei se tenho tanta esperança como isso, mas
pelo menos, é melhor do que não fazer nada.
As
personagens do seu novo livro, Olifaque, são racistas, sexistas, xenófobas. São
os ingredientes certos para falar do que pretende?
É um livro
o mais realista possível. Haverá uma solução para os problemas de um certo tipo
de pessoas, em Portugal, ignorar que elas têm certas atitudes? Isso não é
solução nenhuma. Expor a situação tal como ela é, é expor a realidade. Há ali
problemas de violência doméstica e isto não é novidade nenhuma. Não é por acaso
que nas escandaleiras de tirar crianças, por razões sociais, às famílias, os
portugueses aparecem logo à baila. Isto não é novidade. Aconteceu em
Inglaterra, aconteceu em vários lugares. Isto é obviamente estar a lavar roupa suja
publicamente, mas isso não é ser racista, não é ser xenófobo, não é ser
sexista. Isso é basicamente ver as coisas como elas são. Temos ali um problema
grave e a gravidade, no fundo, é um sintoma. O que é grave, para começar, são
as razões pelas quais as pessoas emigraram.
E usa
estereótipos no livro para falar de coisas sérias?
Não lhe
chamaria estereótipos, acho que são arquétipos. As pessoas que ali aparecem
são, de certa forma, escolhidas, pessoas que conheci, são, no fundo, um
concentrado, digamos assim, de pessoas que realmente existem. Dizem que já há
portugueses que estão a subir na hierarquia no Canadá. Sim, mas é uma minoria.
A verdade é que há muita gente que é analfabeta. Isto é um estereótipo? Não, é
a verdade. E é fácil indagar as razões disto. Lembro-me que quando saí de
Portugal, tinha havido um escândalo enorme porque a BBC tinha feito um
documentário sobre trabalho infantil no Minho. Isto é um estereótipo? Não, isto
é uma coisa horrível que Portugal fez a muita gente. Não é um estereótipo.
Infelizmente, até é um mito porque ninguém quer tomar a responsabilidade. E
quando a BBC fez isso foi uma grande escandaleira no sentido que as pessoas
acham que esconder a realidade é uma solução. E é, nesse sentido, que acho que
é bom abordar as coisas com personagens típicas, personagens com percursos que
não são exatamente aqueles mas são todos variantes daqueles. Isso é importante
saber.
«Portugal é
um país completamente maníaco-depressivo: quando estamos deprimidos é o fim do
mundo, quando as coisas correm bem, está tudo bem».
A imagem
dos emigrantes portugueses parolos, que são uns coitadinhos, já passou ou ainda
está muito presente?
Acho que
isso é um juízo de valor. Parolos porquê? Aquela é uma forma de cultura como
qualquer outra. No fundo, isso é um juízo de valor feito das pessoas que
ficaram no retângulo. Eu também podia dizer que as pessoas que ficaram no
retângulo são cobardes, nunca foram capazes de sair daqui, e de se atirarem ao
mundo. Tem coisas boas e tem coisas más. São parolos em Portugal? Eles também
podem dizer que aqueles gajos não têm tomates nenhuns para coisa nenhuma, nunca
foram capazes de sair do país, têm medo, e ficam a chorar na sua terrinha, a
dizer mal do país, e não fazem pela vida. Sei lá se isso é uma imagem correta.
Acho que há uma minoria de pessoas que não corresponde a isso, mas continua a
ser a maioria. Acho que a última crise dentro Europa fez muito para mudar a
demografia. De repente, começamos a exportar enfermeiros e médicos. A última
vez que fui ao hospital, em Londres, a maior parte dos enfermeiros eram
portugueses. Mas isso é dentro da Europa, em que as pessoas podem emigrar
legalmente – e, por enquanto, isso ainda inclui Inglaterra. No Canadá, não, a
emigração é ilegal tipicamente, a pessoa vai para lá ilegalmente, depende da
situação. Com a crise financeira mais recente realmente mudou a demografia da
emigração dentro da Europa, mas não fora da Europa.
Portugal
está melhor? Tivemos a Web Summit,o turismo em níveis nunca vistos,
personalidades famosas que procuram o nosso país para viver, a economia a
crescer. Temos razões para estarmos satisfeitos?
Portugal é
um país completamente maníaco-depressivo: quando estamos deprimidos é o fim do
mundo, quando as coisas correm bem, está tudo bem, é a fase maníaca, digamos
assim. Estamos um bocado a passar por essa fase sem perceber que isso são
coisas muito temporárias, nomeadamente o turismo. O turismo é uma coisa
horrorosa, isto que está a acontecer em Portugal. Não está necessariamente a
beneficiar toda a gente, é uma coisa ilusória para passar de um dia para o
outro. De repente, Portugal ficou na moda e o turismo são rebanhos, o que tem
acontecido são «rebanhismos». E é uma coisa que pode passar de um dia para o
outro e, no fundo, é uma forma de prostituição económica, é como chamaria a
isso, é mesmo estar a vender o país, a coisa mais física e que exige menos
trabalho. Acho um disparate total sentarmo-nos em cima disso porque obviamente
depois vai haver uma crise, e depois passamos à fase depressiva. Somos
totalmente bipolares neste sentido.
Portugal
está melhor, mas está melhor por razões circunstanciais e que podem mudar muito
rapidamente. Há problemas graves em termos de investigação, de desenvolvimento,
de tecnologia, de agricultura, que não estão a ser resolvidos. É capaz de estar
um bocado melhor, há uma certa onda de esperança que pode ser positiva. Mas
fico um bocado cético em relação a isso, espero estar errado, mas acho que é
uma coisa um bocado temporária.
«O
problema, como tudo, é que o Brexit está a ser completamente controlado por
políticos para promover carreiras. Nota-se claramente. Não há ali uma razão
pragmática ou ideológica para fazer isto ou aquilo».
Vive e
trabalha em Londres, o Brexit já tem data marcada: 29 de março de 2019. Está
preocupado?
Eu não
estou preocupado, quem está preocupado são os hospitais, as universidades,
muita gente que emprega esses três milhões de europeus que vivem em Inglaterra
e que não sabem como se vão virar se, de repente, esta gente sair de lá. No
fundo, um dos mitos do Brexit é que são estrangeiros que vêm cá roubar o nosso
trabalho, são trabalhos que eles não vão fazer. Basicamente vai haver um
problema enorme. O Imperial College está completamente em pânico a tentar
resolver os nossos problemas de legalidade, de ficarmos no país depois do
Brexit. Para eles, é uma tragédia. Eu não estou preocupado, eles estão
preocupados e têm razão para isso.
Acredita que
poderá haver recuo no Brexit?
Espero bem
que sim, é possível que aconteça. Isto está a tornar-se uma coisa tão
complicada e com implicações tão graves que é possível que o Brexit não
aconteça. No fundo, isto foi um erro estatístico, uma flutuação estatística,
que também teve a ver com a demografia. O problema, como tudo, é que o Brexit
está a ser completamente controlado por políticos para promover carreiras.
Nota-se claramente. Não há ali uma razão pragmática ou ideológica para fazer
isto ou aquilo. Estão a tentar promover uma carreira com uma situação que vai
ser perigosa para o país. Não estou a ver alguém a ter coragem e ser capaz de
saltar à frente e dizer que é melhor reverter a situação. É possível, espero
que seja.
Como
cientista, qual seria a grande invenção que, neste momento, acalmaria a
humanidade?
Há muitas.
Obviamente temos um problema climático gravíssimo. Se conseguirmos arranjar uma
maneira de inverter esta situação, isso era uma grande invenção. Não gostamos
do que se passa com o aquecimento global mas, ao mesmo tempo, temos um tipo e
nível de vida que vão nessa direção. Portanto, consigo perceber o Trump quando
diz que não há aquecimento global, não convém. A verdade é que é um bocado
difícil ser consistente ao dizer que é preciso corrigir e, ao mesmo tempo,
cuidar da economia. Consigo perceber o ponto de vista dele. Seria ótimo, por
exemplo, conseguirmos fixar o dióxido de carbono. A coisa ideal seria arranjar
uma forma de energia limpa, renovável, e que funcionasse para sempre. É o grande
sonho da fusão nuclear controlada. Há basicamente três áreas muito importantes:
uma tem a ver com as modificações genéticas, outra com energias, e outra com
alterações climáticas. Qualquer invenção nessas três áreas seria uma coisa que
mudava dramaticamente o nosso futuro imediato, dos próximos anos.
E uma
fórmula para resolver as finanças públicas?
Isso é que
eu não sei. Não me pergunte que não sei nada disso.
É
cientista, físico, escritor, gosta de fado e de música pimba, não acredita em
Deus, não tem qualquer fé nas elites do nosso país. Seria uma possível
descrição sua?
Sim, acho
muito bem, muito obrigado pela descrição. Acho que foi muito sucinta.
Não vai
voltar a Portugal para trabalhar, como disse. Mas do que sente mais saudades?
Dos pratos
de bacalhau, é a coisa mais óbvia, é aquela parolice total da pessoa que sente
o que é a comida portuguesa. Parece um bocado estranho estar a dar tanta
importância à comida, mas não é. É preciso estar lá fora. É aquela nostalgia do
caldinho verde. Obviamente o clima, as pessoas. Adoro estar em Portugal, adoro
viver em Portugal, mas não é para trabalhar. E é mesmo nesse sentido que eu
gosto de replicar a opinião dos emigrantes. Ninguém emigra por prazer. As
pessoas emigram por necessidade.
E agora
encontra a Madonna num bar em Lisboa. O que lhe diria?
Era capaz
de pôr os dois em contacto, a Madonna e o primeiro-ministro. Eram capazes de
ter coisas interessantes a dizer um ao outro.
Excertos do
livro:
«Uma vez o
Doutor apareceu aí com uma jornalista, diziam que andava a montá-la, eu num sei
nada, e esteve a amostrar-lhe os bares da gente, ela a intervistar-nos com
migro e gravador, e mais um gaijo de arreboque a tirar-nos o retrato».
«E
bater-lhe nem pensar. Lá sairá uma palmada real naquele cu dos céus assim num
momento de mais ardor, mas isso ela até gosta, ficam-lhe os cinco dedos
marcados nas nalgas, que bela carta de amor, minha querida. Mas mais do quisso,
nunca!»
«A nossa
casa é um mimo. Até a casota do cão tem ar condicionado. Aqui no Canadá um home
pode uarcar que nem um mouro, mas chega a casa e bibe num palácio. A gente num
temos razões de queixa. A gente num nos podemos lamentar».
«Mas o pior
estava para vir, nos quartos-de-final. Calhou-nos na rifa a treta dos bifes
outra vez, e veijam lá que fomos òs penaltes, já da última vez tinha sido
assim. Ainda se lembrava tudo do São Ricardo no Europeu descalçar as luvas pra
defender um penalte em carne viva, e logo a seguir marcar ele o penalte da vitória,
foi aí cu home foi santorrizado».
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