Marcelo dá
uma lição ao menino Tonecas
Pedro Sousa
Carvalho
Ontem
Marcelo
teve a coragem de dizer à frente de uma plateia repleta de professores aquilo
que António Costa não teve: Não há dinheiro! E ainda deu uma lição de gramática
ao primeiro-ministro.
Antes da
greve dos professores, António Costa foi bastante claro sobre a possibilidade
de os professores poderem vir a ser pagos pelo período em que as carreiras
estiveram congeladas: “É muito difícil fazer essa correção da história, porque
o impacto financeiro é gigantesco. Mesmo diluindo no tempo, tal como propõem os
sindicatos, é muito difícil encontrar-se uma solução financeira sustentável“.
Bastou uma
greve, e uns milhares de professores que saíram à rua, para que o
primeiro-ministro mudasse de opinião. No dia seguinte à greve, António Costa
cedeu em quase toda a linha:
O Governo
assinou um compromisso onde assume que, afinal, o tempo de serviço durante o
período de congelamento das carreiras iria ser contado para efeitos de
progressão;
Assumiu que
a recuperação do tempo de serviço iria começar durante esta legislatura e que
não se iria prolongar para além de 2023;
Assumiu que
algumas das compensações seriam feitas já em janeiro de 2018 para os
professores contratados nos processos de vinculação extraordinária;
E ainda
aceitou deixar cair do Orçamento do Estado para 2018 um artigo que previa que
os professores colocados no 8º e 9º escalões teriam de permanecer seis anos na
mesma posição em vez dos atuais quatro anos antes de progredir.
Isto tudo
são concessões e cedências que foram feitas aos professores ainda antes de
começarem as negociações, marcadas para 15 de dezembro.
A
preposição “de” e o artigo definido “o”
Durante as
negociações do Governo com os professores aconteceu um episódio que até teria
imensa piada se não nos custasse tanto dinheiro. Conta Mário Nogueira,
secretário-geral da Fenprof, com grande orgulho, que uma das grandes conquistas
da negociação foi conseguir inscrever à última hora no texto do compromisso a
expressão “recuperar o tempo de serviço”, ao invés de “recuperação de tempo de
serviço”.
Sabem
quanto custou trocar a preposição “de” pelo artigo definido “o”? Mais de 600
milhões de euros. O artigo “o” significa que o Governo assumiu o compromisso de
valorizar a remuneração dos professores nos nove anos, quatro meses e dois dias
de tempo em que as carreiras estiveram congeladas.
650 Milhões
de euros por ano, e para o resto das nossas vidas. Isto não é gramática, é um
atentado às contas públicas do terceiro país mais endividado da Europa e
acabadinho de sair de um resgate. O Governo está a aproveitar um ciclo
económico favorável e receitas temporárias para assumir encargos permanentes,
como diz o Conselho das Finanças Públicas.
Os
funcionários públicos das carreiras gerais, — que na maior parte dos casos têm
de esperar 120 anos para chegarem ao topo da tabela remuneratória (se
conseguirem viver assim tantos anos), — olham com inveja para os professores a
quem bastam 34 anos para chegar ao cimo da pirâmide salarial. Os funcionários
dos restantes corpos especiais da função pública, como os polícias ou
militares, olham para a negociação dos professores com a incredulidade de quem
se apercebe que na função pública há filhos e enteados. No setor privado,
muitos nem sequer fazem ideia do que estamos a falar e alguns deles vão ao
dicionário procurar o significado da palavra “progressão”.
A lição do
professor Marcelo
As notícias
da generosidade do Governo para com os professores também chegaram a Belém e
Marcelo Rebelo de Sousa não gostou do que ouviu. Com muita coragem, e perante
uma plateia repleta de professores na Fundação Calouste Gulbenkian, o também
Professor Marcelo disse esta segunda-feira aquilo que tinha que ser dito sobre
o tema:
“A crise
deixou marcas profundas, é uma ilusão achar que é possível voltar ao ponto em
que nos encontrávamos antes da crise – isso não há!”.
“A segunda
ilusão é achar que se pode olhar para os tempos pós-crise da mesma forma que se
olhava antes [para os problemas], como se não tivesse havido crise. A crise
deixou traços profundos e temos de olhar para eles”.
Com estas
duas frases sobre a temática da ilusão, o professor Marcelo fez tábua rasa do
compromisso assinado pelo Governo com os sindicatos dos professores. E
conjugou, em bom português, o verbo Iludir:
Eu não
iludo
Tu iludes
Ele não
quer ser iludido
Nós não
temos dinheiro
Vós não
deveis pensar só nas eleições
Eles vão
ter de se contentar com o descongelamento que já têm
Perante
este puxão de orelhas do Presidente, António Costa resolveu dar um gigantesco
passo atrás face ao compromisso que assumiu com os professores na passada
sexta-feira: “Não podemos consumir todos os recursos com quem trabalha no
Estado” se queremos investir na educação e na saúde, afirmou o
primeiro-ministro esta terça-feira durante uma visita à Tunísia.
Costa
também mostrou que quando quer sabe conjugar o verbo iludir: “A ilusão de que é
possível tudo para todos, já não existe isso. Temos de negociar com bom senso,
com responsabilidade, procurando responder às ansiedades das pessoas, mas com
um princípio fundamental: Portugal não pode sacrificar tudo o que conseguiu do
ponto de vista da estabilidade financeira, porque isso, no futuro, colocaria em
causa o que foi até agora conquistado”.
Mas afinal,
Sr. primeiro-ministro, quem é que criou essa tal ilusão de que é possível dar
tudo a todos? Eu? Tu? Ele? Nós? Vós? Eles?
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