quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Marcelo dá uma lição ao menino Tonecas

“A crise deixou marcas profundas, é uma ilusão achar que é possível voltar ao ponto em que nos encontrávamos antes da crise – isso não há!”.
“A segunda ilusão é achar que se pode olhar para os tempos pós-crise da mesma forma que se olhava antes [para os problemas], como se não tivesse havido crise. A crise deixou traços profundos e temos de olhar para eles”.
Com estas duas frases sobre a temática da ilusão, o professor Marcelo fez tábua rasa do compromisso assinado pelo Governo com os sindicatos dos professores. E conjugou, em bom português, o verbo Iludir:

Eu não iludo
Tu iludes
Ele não quer ser iludido
Nós não temos dinheiro
Vós não deveis pensar só nas eleições
Eles vão ter de se contentar com o descongelamento que já têm

Perante este puxão de orelhas do Presidente, António Costa resolveu dar um gigantesco passo atrás face ao compromisso que assumiu com os professores na passada sexta-feira: “Não podemos consumir todos os recursos com quem trabalha no Estado” se queremos investir na educação e na saúde, afirmou o primeiro-ministro esta terça-feira durante uma visita à Tunísia.
PEDRO SOUSA CARVALHO

Marcelo dá uma lição ao menino Tonecas
Pedro Sousa Carvalho
Ontem

Marcelo teve a coragem de dizer à frente de uma plateia repleta de professores aquilo que António Costa não teve: Não há dinheiro! E ainda deu uma lição de gramática ao primeiro-ministro.

Antes da greve dos professores, António Costa foi bastante claro sobre a possibilidade de os professores poderem vir a ser pagos pelo período em que as carreiras estiveram congeladas: “É muito difícil fazer essa correção da história, porque o impacto financeiro é gigantesco. Mesmo diluindo no tempo, tal como propõem os sindicatos, é muito difícil encontrar-se uma solução financeira sustentável“.

Bastou uma greve, e uns milhares de professores que saíram à rua, para que o primeiro-ministro mudasse de opinião. No dia seguinte à greve, António Costa cedeu em quase toda a linha:

O Governo assinou um compromisso onde assume que, afinal, o tempo de serviço durante o período de congelamento das carreiras iria ser contado para efeitos de progressão;
Assumiu que a recuperação do tempo de serviço iria começar durante esta legislatura e que não se iria prolongar para além de 2023;
Assumiu que algumas das compensações seriam feitas já em janeiro de 2018 para os professores contratados nos processos de vinculação extraordinária;
E ainda aceitou deixar cair do Orçamento do Estado para 2018 um artigo que previa que os professores colocados no 8º e 9º escalões teriam de permanecer seis anos na mesma posição em vez dos atuais quatro anos antes de progredir.
Isto tudo são concessões e cedências que foram feitas aos professores ainda antes de começarem as negociações, marcadas para 15 de dezembro.

A preposição “de” e o artigo definido “o”

Durante as negociações do Governo com os professores aconteceu um episódio que até teria imensa piada se não nos custasse tanto dinheiro. Conta Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, com grande orgulho, que uma das grandes conquistas da negociação foi conseguir inscrever à última hora no texto do compromisso a expressão “recuperar o tempo de serviço”, ao invés de “recuperação de tempo de serviço”.

Sabem quanto custou trocar a preposição “de” pelo artigo definido “o”? Mais de 600 milhões de euros. O artigo “o” significa que o Governo assumiu o compromisso de valorizar a remuneração dos professores nos nove anos, quatro meses e dois dias de tempo em que as carreiras estiveram congeladas.

650 Milhões de euros por ano, e para o resto das nossas vidas. Isto não é gramática, é um atentado às contas públicas do terceiro país mais endividado da Europa e acabadinho de sair de um resgate. O Governo está a aproveitar um ciclo económico favorável e receitas temporárias para assumir encargos permanentes, como diz o Conselho das Finanças Públicas.

Os funcionários públicos das carreiras gerais, — que na maior parte dos casos têm de esperar 120 anos para chegarem ao topo da tabela remuneratória (se conseguirem viver assim tantos anos), — olham com inveja para os professores a quem bastam 34 anos para chegar ao cimo da pirâmide salarial. Os funcionários dos restantes corpos especiais da função pública, como os polícias ou militares, olham para a negociação dos professores com a incredulidade de quem se apercebe que na função pública há filhos e enteados. No setor privado, muitos nem sequer fazem ideia do que estamos a falar e alguns deles vão ao dicionário procurar o significado da palavra “progressão”.

A lição do professor Marcelo

As notícias da generosidade do Governo para com os professores também chegaram a Belém e Marcelo Rebelo de Sousa não gostou do que ouviu. Com muita coragem, e perante uma plateia repleta de professores na Fundação Calouste Gulbenkian, o também Professor Marcelo disse esta segunda-feira aquilo que tinha que ser dito sobre o tema:

“A crise deixou marcas profundas, é uma ilusão achar que é possível voltar ao ponto em que nos encontrávamos antes da crise – isso não há!”.
“A segunda ilusão é achar que se pode olhar para os tempos pós-crise da mesma forma que se olhava antes [para os problemas], como se não tivesse havido crise. A crise deixou traços profundos e temos de olhar para eles”.
Com estas duas frases sobre a temática da ilusão, o professor Marcelo fez tábua rasa do compromisso assinado pelo Governo com os sindicatos dos professores. E conjugou, em bom português, o verbo Iludir:

Eu não iludo
Tu iludes
Ele não quer ser iludido
Nós não temos dinheiro
Vós não deveis pensar só nas eleições
Eles vão ter de se contentar com o descongelamento que já têm

Perante este puxão de orelhas do Presidente, António Costa resolveu dar um gigantesco passo atrás face ao compromisso que assumiu com os professores na passada sexta-feira: “Não podemos consumir todos os recursos com quem trabalha no Estado” se queremos investir na educação e na saúde, afirmou o primeiro-ministro esta terça-feira durante uma visita à Tunísia.

Costa também mostrou que quando quer sabe conjugar o verbo iludir: “A ilusão de que é possível tudo para todos, já não existe isso. Temos de negociar com bom senso, com responsabilidade, procurando responder às ansiedades das pessoas, mas com um princípio fundamental: Portugal não pode sacrificar tudo o que conseguiu do ponto de vista da estabilidade financeira, porque isso, no futuro, colocaria em causa o que foi até agora conquistado”.


Mas afinal, Sr. primeiro-ministro, quem é que criou essa tal ilusão de que é possível dar tudo a todos? Eu? Tu? Ele? Nós? Vós? Eles?

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