Esta visão
"optimista" de "regular" o Alojamento Local apenas através
de incentivos fiscais é "naif" ou intencionalmente insuficiente. É
preciso simultâneamente regular fortemente e impor limites ao ano e tempo de
ocupação ao Alojamento Local. É imperativo impor limites ao "gestores do
Imobiliário"que investem exclusivente na Habitação de forma especulativa e
associados e cavalgando o "tsunami" Turístico.
OVOODOCORVO
“Vamos passar
a ter” donos de alojamento local a regressar ao arrendamento tradicional
6:54
Entrevista
por:
Rafaela
Burd Relvas e Ana Raquel Moreira
O Governo
quer incentivar os proprietários de alojamento local a devolverem casas ao
arrendamento tradicional e, para isso, vai suspender o pagamento de mais-valias
resultantes da atividade económica.
Se ainda
não há uma bolha no mercado imobiliário, há, pelo menos, vários desequilíbrios
que têm de ser resolvidos. Desde logo, os preços das rendas estão demasiados
elevados face aos rendimentos médios das famílias. Por outro lado, o número de
casas disponíveis é escasso. O Governo vai, por isso, avançar com um programa
de rendas acessíveis, que irá atribuir benefícios fiscais aos senhorios que
pratiquem rendas mais baixas. Ao mesmo tempo, o Executivo quer atrair os
proprietários de alojamento local de volta para o arrendamento tradicional,
através da suspensão do pagamento de mais-valias resultantes daquela atividade
económica.
Em
entrevista ao ECO, a secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, fala num
Orçamento do Estado “muito substancial” para a área da habitação, que vem
tentar evitar que o panorama atual atinja “um desequilíbrio de tal modo” que
ponha em causa os direitos fundamentais dos cidadãos.
Se não se
encontrar um equilíbrio, haverá “fenómenos muito complicados de resolver” no
mercado imobiliário, alerta Ana Pinho.
Os preços
da habitação estão a disparar, as avaliações bancárias estão em máximos de
2011. Como é que vê esta subida de preços? Há uma bolha?
Em primeiro
lugar, sobre esse tema, quero dizer que, há menos de duas semanas, acabaram de
sair os preços de venda por metro quadrado, pela primeira vez apurados
estatisticamente pelo Instituto Nacional de Estatística [INE], o que é um
instrumento fundamental para, de facto, conhecermos o mercado. Sem uma informação
com a amostragem global, estatisticamente apurada, tudo o que nós fazemos é
especular sobre a situação. Indubitavelmente, os preços estão em alta. E,
claro, sendo preços de um setor que é tão fundamental para a vida de todos os
cidadãos como é a habitação, isso preocupa-nos bastante.
Insisto na
pergunta. Está a criar-se uma bolha no mercado imobiliário?
O que me
preocupa mais não é se é ou se não é uma bolha. Os preços estão, de facto, a
subir. Isto pode levar, se não estagnar, se não se encontrar um ponto de
equilíbrio, a fenómenos muito complicados de resolver. Por isso, o que temos de
fazer é de, por um lado, criar instrumentos que permitam haver um equilíbrio
neste mercado, a tempo, o mais cedo possível, e, por outro, informar as
pessoas, porque a informação é um elemento regulador do mercado. O que nós
queremos é evitar que a situação alcance um desequilíbrio de tal modo que põe
em questão os direitos fundamentais dos cidadãos e, a médio prazo, possa pôr em
questão até o próprio setor que a suporta.
A que
atribui esse desequilíbrio?
Para
começar, não há um único desequilíbrio. Não vemos o desequilíbrio só do ponto
de vista do preço.
Também há
escassez.
Exatamente.
Temos vários fenómenos em desequilíbrio. O regime de ocupação pelo proprietário
é muito grande, em Portugal, face ao setor do arrendamento. Isto para além do
desencontro que há entre os rendimentos das famílias que precisam de casa e os
preços da oferta. Há um conjunto de fenómenos, alguns históricos – como é o
caso do reduzido setor de arrendamento que temos, que não é dos últimos dez
anos, é histórico, quase endémico em Portugal –, e outros que são novos. A
habitação sempre foi uma função muito vulnerável, muito pouco competitiva, a
nível económico, em relação a outras funções, que podem pagar muito mais pelo
espaço do que uma família. Daí que tenhamos tido vagas, primeiro de
terciarização, como os escritórios. Neste momento, temos mais uma função a
competir, que está com procura crescente. Não sendo a causa, [o turismo] é, de
facto, mais um fator de pressão a acrescer ao que já existia.
O que me
preocupa mais não é se é ou se não é uma bolha. Os preços estão de facto a
subir. Isto pode levar, se não se encontrar um equilíbrio, a fenómenos muito
complicados de resolver.
Houve, na
era da troika, um desincentivo à propriedade, com o fim da dedução de juros no
IRS ou a redução ao máximo das isenções. Foi um erro acabar com estes
incentivos sem que tenha sido criada uma verdadeira alternativa no mercado de
arrendamento? Querem reverter isto?
Não.
Queremos apostar essencialmente no arrendamento. Não estamos a prever retomar
benefícios fiscais ou de outro tipo para a aquisição de casa própria, pela
razão que lhe disse antes, porque acreditamos que um dos grandes desequilíbrios
que existe no nosso mercado é o setor do arrendamento ser muito diminuto.
Também acreditamos que os novos modos de vida, tanto por via das dinâmicas
profissionais — o emprego já não é para toda a vida e os jovens tendem a querer
evoluir na carreira, mudando de território –, como das dinâmicas familiares,
nas quais cada vez é mais frequente a separação e a recomposição de famílias,
são pouco compatíveis com um modelo de ocupação rígido como é a casa própria.
Não está nos nossos planos, neste momento, o incentivo à compra de casa
própria.
Outro marco
da era da troika foi o Novo Regime do Arrendamento Urbano, ao qual já foram
feitas alterações para proteger grupos sociais mais vulneráveis. Os partidos da
esquerda já disseram que querem mais. Podemos esperar novas alterações?
Não estamos
a equacioná-las, não quer dizer que não possam ocorrer. Neste momento, estamos
muito concentrados, até pelo pouco tempo que temos e pelas necessidades de
respostas urgente, na implementação muito célere destes programas e no
desenvolvimento de vias de apoio à criação de nova oferta a custos acessíveis
para arrendamento no nosso território, não só nas áreas urbanas.
As verbas
que o Orçamento do Estado destina à habitação parecem-lhe suficientes para fazer
face às necessidades já identificadas?
Grande
parte dos instrumentos financeiros de apoio à habitação e à reabilitação não
são por via do Orçamento do Estado. Foi lançado na semana passada o IFRRU 2020
[Instrumento Financeiro Reabilitação e Revitalização Urbana], que tem 1.400
milhões de euros. Outro exemplo: o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado
[FNRE], que tem o potencial para vir a mobilizar investimento do mesmo
montante, também não está no Orçamento do Estado. O que é que nós temos de facto
em Orçamento? São as verbas orientadas para os subsídios ao arrendamento,
nomeadamente o Porta 65, cuja verba é a que se estima necessária para, tendo em
conta o alargamento da elegibilidade para 35 anos e também o alargamento do
período de permanência, manter a taxa de aprovação das novas candidaturas, o
que implica mais candidaturas aprovadas. Por outro lado, temos a inscrição, no
Orçamento, das verbas para implementação dos programas de apoio à habitação em
renda apoiada, à dita habitação de interesse social para as famílias mais
carenciadas. Aí, sublinhava que se duplicaram as verbas.
Ao todo,
quais são as verbas no OE destinadas à habitação?
Para
programas de apoio a famílias carenciadas, são 12,8 milhões. Temos 15 milhões
no Porta 65. Já para o ano, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança
Social para apoiar o FNRE tem mais 50 milhões. O Orçamento do IHRU anda muito
perto dos 90 milhões. Na globalidade, estamos a falar de um Orçamento muito
substancial.
Antes de se
definirem as rendas do programa de arrendamento acessível, vai ser preciso
criar um índice de preços. Com que dados é que esse índice vai ser criado?
O que já
estamos a trabalhar com o INE, e prevemos que saia no primeiro trimestre do
próximo ano, é que seja publicado o preço médio do metro quadrado no regime de
arrendamento que está a ser praticado nos contratos do último ano. Estes
valores serão à escala territorial mais pequena que seja estatisticamente
relevante. Se, em Lisboa, o número de arrendamentos é suficiente para poder ter
este valor à escala da freguesia, há municípios em Portugal com muito menos
contratos de arrendamento do que uma freguesia em Lisboa. Sobre esse preço, com
algumas ponderações, como questões de tipologia — o valor por metro quadrado
num T0 é superior ao valor por metro quadrado num T4 –, o programa de
arrendamento acessível irá definir um preço máximo de referência. Queremos que
esse preço seja 20% abaixo do preço de referência de mercado.
Mas há um
outro critério, que é a taxa de esforço do agregado familiar.
A taxa de
esforço é outra coisa. Em Portugal, e nos outros países da Europa, há rendas
que têm por base a taxa de esforço das famílias. Estas rendas são extremamente
adequadas, são as únicas que podem ser comportáveis por famílias de muito
baixos rendimentos, que não têm qualquer capacidade de pagar uma renda de
mercado.
Ou mesmo de
pagar 20% abaixo do mercado.
Exatamente.
Ou seja, isto é o regime de renda apoiada que temos em Portugal no parque de
arrendamento público. Não é possível pedir-se a um senhorio, dando como
contrapartida a isenção de tributação nos rendimentos, que ele pratique rendas
que sejam compatíveis com o RSI, por exemplo. A conta não bate certo.
Não é
possível pedir-se a um senhorio, dando como contrapartida a isenção de
tributação nos rendimentos, que ele pratique rendas que sejam compatíveis com o
RSI.
A taxa de
esforço não entra, então, no programa de renda acessível?
Não. Não
entra para a fixação das rendas. Entra por outra via: quem se candidata a uma
casa tem de ter rendimentos que indiquem que a renda está numa taxa de esforço
adequada ao seu próprio rendimento. Ou seja, o programa de arrendamento
acessível terá limite de elegibilidade para os inquilinos.
E 20%
abaixo do preço de mercado é suficiente para abranger um número alargado de
inquilinos que precisem deste apoio? 20% abaixo do mercado é muito elevado para
muita gente.
É verdade.
Vai dar resposta para alguns, não dá para todos. Por isso é que temos um
conjunto de instrumentos que graduam isto. Conseguimos, por via de incentivo
fiscal, reduzir a renda em 20%. Para quem tem um nível de rendimentos muito
baixo, a resposta é sempre dada pelo parque de arrendamento público em renda
apoiada, em que as rendas são calculadas com base nos rendimentos. Fica aqui um
gap no meio, que contamos cobrir por duas outras vias. Uma, os programas locais
de habitação das câmaras municipais. O FNRE vai mobilizar todo o património
devoluto e disponível do Estado que possa ser adaptado para este fim.
Paralelamente, para aumentar os incentivos aos privados — porque se damos x,
não podemos pedir que desçam x+2 –, o programa Reabilitar para Arrendar vai ser
reestruturado durante o próximo ano, para conceder empréstimos a condições
muito favoráveis para quem quer investir para colocar o imóvel no programa de
arrendamento acessível. Essas condições serão tanto melhores quanto mais descer
a renda.
Querem
incentivar também os contratos de longa duração. O que é que vai ser
considerado longa duração?
Ainda
estamos a trabalhar essa parte. Claro que a ideia é dar condições tanto mais
interessantes quanto mais longa for a duração. A ideia é que, quanto maior for
a duração do contrato, mais vantajosa seja a tributação para o proprietário.
Estes
benefícios são suficientes para convencer senhorios e proprietários? Já houve
associações de proprietários a dizerem que são medidas insuficientes, sobretudo
porque ao mesmo tempo que há benefícios, perde-se valor de renda e, portanto,
não preveem grande adesão.
Entre 20%
que desce de renda e 28% que não se cobra de impostos, podemos dizer que estão
aqui 8%. Esses não são 8%, porque os 20% que descem são sobre o valor global da
renda e os 28% é a renda menos a despesa. Imaginemos que estamos então a falar
de um benefício de 5% ou 6%. Não é muito, mas é alguma coisa. Juntamos a isso a
previsão de que os municípios possam reduzir ou isentar do pagamento de IMI.
Juntamos a isso o outro instrumento que temos previsto, que vale ainda mais do
que estes dois juntos, que é a questão da garantia e seguro de renda. Este
instrumento de garantia e seguro de renda integra o programa. A renda é certa.
A redução do risco tem muito valor.
Isso é
verdade, mas, por exemplo, no alojamento local, a renda é sempre certa, não há
grande risco.
Estes
incentivos não são orientados para o alojamento local, são para aumentar a
competitividade. E repare que, no alojamento local, estamos com taxas de
tributação de 35%. Além de que os preços estão a cair no alojamento local.
Caíram 10% no Porto no último semestre, por exemplo.
Não
tínhamos proprietários [de alojamento local] a voltarem ao arrendamento
tradicional, mas vamos poder passar a ter. Um imóvel que estivesse afeto a
qualquer outra atividade económica [vai ficar] suspenso de pagamento de mais-valias
enquanto estiver em arrendamento habitacional.
Já temos
proprietários a deixarem o alojamento local e a voltarem ao arrendamento
tradicional?
Não
tínhamos proprietários a voltarem ao arrendamento tradicional, mas vamos poder
passar a ter. Não tínhamos, em muitos casos, por uma razão: porque muitos
proprietários quando aderiram ao alojamento local não se aperceberam que se
quisessem regressar eram tributados sobre mais-valias. Os que foram alertados,
quando quiseram regressar para o arrendamento tradicional, viram que era
inviável porque não tinham sequer capacidade de pagar a tributação de
mais-valias a que estavam sujeitos. Por essa razão, esta proposta de Orçamento
do Estado já inclui uma disposição que diz que, para quem queira retornar ao
património privado um imóvel que estivesse afeto a qualquer outra atividade
económica, fica suspenso de pagamento de mais-valias enquanto estiver em
arrendamento habitacional.
Para
incentivar este retorno do alojamento local ao arrendamento tradicional?
O retorno
do alojamento local ou de outras funções. Nós queremos todas. Qualquer
alojamento que tenha sido afeto a uma atividade económica, e que o proprietário
deseja agora restituí-lo ao seu património particular para colocar em
arrendamento habitacional, fica suspenso de tributação de mais-valias. Isto é
mais um caminho para permitir a captação de oferta. Mas a captação de oferta
não será só por via das atividades económicas. Muitas pessoas que adquiriram
casa — por ser a única via que tinham disponível a dada altura, porque o
mercado de arrendamento era muito incipiente — viram o seu percurso de vida
mudar de modo a que lhes fosse mais favorável estar noutro regime de
arrendamento. Daí a nossa intenção de facilitar a colocação de casa própria no
arrendamento acessível. Acreditamos que há aqui uma faixa da população que
ocupa casa própria e que, se tiver facilitada a isenção da tributação sobre os
rendimentos daí decorrentes, vai aproveitar esta oportunidade.
Há alguma meta para o número de adesões a este programa de
rendas acessíveis?
Temos uma meta muito alta, não só para esse programa. É uma
meta conjunta que soma a nova oferta pública de habitação em renda apoiada, o
arrendamento acessível e a captação de oferta privada. A meta é conseguir 170 mil novos alojamentos
com apoio públicos nos próximos oito a dez anos.
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