“Palavra dada não foi palavra honrada”?
Portugal à
Venda . Dependente de tudo e de todos . São os
investidores estrangeiros que determinam a política em Portugal?
OVOODOCORVO
Preservação
do investimento estrangeiro travou acordo na energia
Secretários
de Estado negociaram com o BE taxa sobre as renováveis pois medida não tinha
implicações orçamentais. PS votou “conscientemente” a favor, não foi erro nem
engano, dizem deputados socialistas. Primeiro-ministro travou o acordo e fez o
PS votar depois contra.
Chineses e
australianos seriam os mais afectados pela taxa das renováveis
“O problema é
que esta medida atinge os investidores internacionais que são essenciais em
Portugal,
PS votou
“conscientemente”
Não foi erro
nem engano, ao contrário do que o próprio primeiro-ministro terá tentado fazer
passar logo na segunda-feira ao início da noite no Parlamento em conversa com
os jornalistas
SÃO JOSÉ ALMEIDA e MARIA LOPES 29 de Novembro de 2017, 6:30
https://www.publico.pt/2017/11/29/politica/noticia/preservacao-do-investimento-estrangeiro-travou-acordo-na-energia-1794258?page=/&pos=1&b=stories_cover__regular
A
preservação do investimento estrangeiro em Portugal foi a razão que levou o
primeiro-ministro, António Costa, a fazer o PS avocar a plenário, na
segunda-feira, a medida que os seus secretários de Estado tinham negociado e
aceitado a nova taxa sobre as renováveis proposta pelo BE.
Um
responsável do Governo explicou ao PÚBLICO que a decisão de voltar atrás no
acordo com o BE foi tomada ao mais alto nível no Governo, com a concordância do
próprio primeiro-ministro, porque esta medida punha em perigo o investimento
estrangeiro em Portugal.
“O problema
é que esta medida atinge os investidores internacionais que são essenciais em
Portugal, não só nos investimentos no sector energético e das energias
renováveis, mas também em outros sectores com investimentos já feitos ou em
negociação”, explicou ao PÚBLICO um responsável pelo Executivo, acrescentando:
“Os investimentos na área foram negociados com base em boa-fé e em condições
estáveis para 20 ou 30 anos, não se pode alterar as regras a meio do jogo. Além
de que já estão em concretização alterações nas rendas pagas pelo Estado.”
Pormenorizando
quais eram os investidores a que se referia, o mesmo membro do Governo explicou
ao PÚBLICO que “alguns dos investidores nas energias renováveis são
investidores e fundos essenciais para a economia portuguesa e que têm investido
mesmo, por exemplo, na dívida pública”. E desabafou: “A dívida pública
portuguesa tem baixado não é por obra e graça do divino espírito santo, é
porque tem havido quem compre dívida portuguesa a juros mais baixos.”
Há um outro
argumento que esteve em causa na decisão do primeiro-ministro: o risco de
litigância em tribunais internacionais com penalização do Estado português.
“Além disso, o exemplo dos outros Estados-membros onde a medida foi adoptada,
como é o caso espanhol, demonstra que se abre um processo de litigância em
tribunal em que o Estado espanhol tem perdido sistematicamente”, aduziu o mesmo
responsável governamental.
História de
um recuo
O recuo do
Governo foi imposto pelo primeiro-ministro, depois dos secretários de Estado
responsáveis pelas negociações terem aceitado a proposta uma vez que ela não
tinha implicações orçamentais para 2018. Também por essa razão o seu chumbo
posterior não põe em causa o acordo sobre Orçamento do Estado. Mas
aparentemente não perceberam as implicações sobre o investimento estrangeiro e
acabaram desautorizados pelo primeiro-ministro.
Tudo
começou com a apresentação pelo BE na Mesa da Assembleia sexta-feira, dia 17 de
Novembro, de um projecto de lei para baixar a factura da electricidade ao
consumidor. Quase uma semana depois, o BE negociou com o Governo uma alteração
à proposta inicial. Essas negociações terminaram na quinta-feira, dia 23, tendo
daí resultado a entrega na Mesa da Assembleia de uma proposta de alteração que
seria votada no dia a seguir.
A alteração
do BE mereceu a concordância em negociações com o Governo que tiveram como pivô
o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, e que
envolveram, por exemplo, o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, e o
secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches. Estes concordaram com a
proposta, pois além de não ter implicações orçamentais, a proposta aumentava a
receita fiscal e baixava a factura de electricidade.
Na
sexta-feira, no pressuposto de que o Governo tinha aceitado, Pedro Nuno Santos
transmitiu à direcção do grupo parlamentar do PS a indicação de voto a favor.
Só nessa tarde o Governo e nomeadamente o primeiro-ministro se aperceberam das
implicações e foi pedida a avocação a plenário do projecto aprovado. O BE foi
avisado no fim-de-semana.
O
responsável pelo Governo ouvido pelo PÚBLICO desvalorizou a polémica posterior
e sublinhou que “o BE apresentou a sua proposta de alteração na convicção de
que estava aceite pelo Governo”. O mesmo membro do Governo considerou ser
“normal que o BE, quando viu o chumbo pelo PS da sua proposta, em plenário
aproveitasse para fazer um acto político”.
PS votou
“conscientemente”
Não foi
erro nem engano, ao contrário do que o próprio primeiro-ministro terá tentado
fazer passar logo na segunda-feira ao início da noite no Parlamento em conversa
com os jornalistas. Na sexta-feira, o PS votou “conscientemente” a favor da
proposta do Bloco sobre a criação da contribuição solidária sobre as produtoras
de energia renovável, garante ao PÚBLICO o deputado Fernando Anastácio que
naquela altura conduzia, com Margarida Marques e Jorge Gomes (ambos
ex-secretários de Estado), as votações na especialidade na Comissão de
Orçamento e Finanças. A explicação para o que mudou está no Governo, acrescenta
o deputado.
A proposta
do Bloco teve várias versões. A primeira era mais geral e comprometia o Governo
a definir, durante 2018, uma “contribuição sobre os produtores de energia
actualmente isentos da contribuição extraordinária sobre o sector energético
(CESE)”, essencialmente os das renováveis, que entraria em vigor no orçamento
de 2019. Mas como teve a oposição do Governo, o partido entregou na
quinta-feira uma alteração que definia já um regime específico, com a
abrangência, a incidência, a taxa de 30% e as isenções.
Na sexta-feira
à tarde, no início das votações, a deputada Mariana Mortágua anunciou na
comissão que tinha para distribuir em papel uma alteração à proposta do Bloco
carregada no sistema do Parlamento no dia anterior porque não conseguira
inseri-la no sistema nessa manhã. Três horas depois, na altura da votação da
proposta de alteração 329C que aditava um novo artigo 120º-A, Mortágua explicou
que “houve uma pequena alteração num único número” – tratava-se apenas de
especificar que a taxa seria paga “mensalmente”.
A votação,
já se sabe: a norma foi aprovada por BE, PCP e PS, com o voto contra do CDS e a
abstenção do PSD. Na segunda-feira, na avocação feita pelo PS, esta bancada deu
a “cambalhota”, como lhe chamou Jorge Costa, chumbou a proposta do BE e apenas
o seu deputado Ascenso Simões votou ao lado do BE e do PCP.
O deputado socialista Paulo Trigo Pereira, que confirma a
versão de Fernando Anastácio sobre o conhecimento total do teor da proposta,
entregou uma declaração de voto em que classifica esta “contribuição solidária”
das renováveis de “equilibrada” e afirma que só não votou ao lado do Bloco na
avocação por causa da “disciplina de voto” da bancada e questões de orçamento –
que respeitou apesar do seu estatuto de independente.
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