Os mirones
do empreendedorismo
A minha
crítica ao deslumbramento perante a Web Summit é este empreendedorismo de
mirones.
João Miguel Tavares
11 de Novembro de 2017, 6:23
Diogo
Queiroz de Andrade escreveu um editorial intitulado “Os parolos e os pacóvios”
onde parecia mesmo, mesmo que estava a referir-se a mim e ao meu artigo sobre a
Web Summit. Uma senhora chamada Raquel Correia, que se apresenta como “médica,
copywriter, intrinsecamente curiosa e quase sempre sarcástica” escreveu um
texto chamado “Dor de cotovelo Summit” no P3, bué da curioso e bué da
sarcástico. João Gomes de Almeida, publicitário e cronista, escreveu um texto
no i intitulado “Igreja Universal do Reino dos Preconceituosos contra a Web
Summit”, onde começa por me elogiar como “comentador de direita” e acaba a
denunciar o meu excesso de exposição a “comentadores de esquerda” e respectivos
“preconceitos”. Até Vítor Bento — meu Deus, Vítor Bento — molhou a sopa no DN,
elogiando a Web Summit em dez parágrafos e informando que desvalorizar a sua
importância seria “um grande passo em falso”.
E cá estou
eu outra vez. Voltar a escrever sobre um assunto explicando o texto original a
quem não o percebeu é sempre cansativo, mas acho que Vítor Bento merece o
esforço. Aliás, a prova de que estamos mesmo a falar da Igreja Universal do
Reino da Tecnologia é este coro de indignações, que acompanha sempre o fervor
religioso. Novamente: nada tenho contra a existência de uma feira de tecnologia
em Portugal. Acho óptimo que a Web Summit se tenha instalado em Lisboa, com
muito sucesso, público e turistas, e espero que continue até eu andar de
bengala. Não sou um avozinho infoexcluído nem um inimigo da tecnologia. O meu problema
não é com a inteligência artificial. O meu problema é com a parolice nacional,
e com a forma provinciana e deslumbrada como a elite portuguesa olha para a Web
Summit; como toda a gente, do primeiro-ministro ao Presidente da República,
procura uma photo opportunity com Paddy Cosgrave; como todos querem parecer
cool e tecnológicos e trendy; e como tudo isso é reflexo de um país pobre e
limitado, onde muito pouco acontece, pois esta concentração absurda de elites e
de atenção mediática só é possível aqui e, vá lá, na Irlanda ou na Grécia.
O
verdadeiro parolo da Web Summit não é o empreendedor que ali vai apresentar uma
ideia, nem o miúdo que vai à procura de um sonho, nem o investidor que vai à
procura de um negócio, mas sim a catrefada absurda de portugueses que confundem
trabalho com networking, que acham que ter ideias originais é copiar as ideias
dos outros, que não distinguem informação de conhecimento. Eu conheço demasiada
gente que está sempre a par da última tecnologia e da última trend, que tem sempre
o mais recente modelo de iPhone, que sabe tudo o que se passa na Google e no
Facebook, mas que depois é absolutamente incapaz de ter uma única ideia
original, de construir um produto de jeito, de fazer algo para o qual possamos
olhar e dizer: “sim senhor, isto está realmente bem feito, parabéns.”
Aquilo que
“A Web Summoparolice” criticava é a proliferação de Oliveiras da Figueira 2.0,
com um paleio inversamente proporcional à qualidade do seu trabalho. A minha
crítica ao deslumbramento perante a Web Summit é este empreendedorismo de
mirones, que se traduz num desfile vazio de beautiful people apinhada de
gadgets sob cenários LED a faiscar. Tudo ok, se tivéssemos garagens cheias de
miúdos a tentarem ser o novo Steve Jobs. Mas temos? Não, não temos. Os cenários
estão cheios, mas as garagens continuam vazias. Os parolos são os que confundem
uma coisa com a outra — e são tantos que até dói.
Jornalista
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