Governo
atual culpa o anterior, o anterior responsabiliza o atual. Mas anote desde já
as seguintes palavras: Direção Geral do Património Cultural. Ou a seguinte
sigla: DGCP
ALEXANDRA
CARITA / ABÍLIO FERREIRA
É o caso do
momento: a polémica começou nas redes sociais, com uma foto do interior do Panteão
Nacional, em Lisboa, que retratava um jantar à luz das velas no edifício que
alberga os corpos de algumas das mais importantes personalidades da História
portuguesa. A indignação passou das redes para o espaço político (e não só):
Marcelo não gostou, Costa considera “indigna” a utilização do espaço para este
acontecimento, o fundador da Web Summit pediu desculpa aos portugueses, o PCP
quer saber quem autorizou, os ministros da Cultura e da Economia dizem que não
sabiam do jantar e o ex-secretário de Estado do PSD que assinou o regulamento
para o aluguer de monumentos para determinados eventos lamenta o que ouviu do
primeiro-ministro - e sustenta que o atual Governo tinha a opção de não
autorizar o evento.
Vamos então
a esta última parte, a que envolve o antigo governante do PSD, no caso Jorge
Barreto Xavier, e António Costa. Num comunicado em que se debruça sobre o tema,
o primeiro-ministro escreve assim: “A utilização do Panteão Nacional para
eventos festivos é absolutamente indigna do respeito devido à memória dos que
aí honramos. Apesar de enquadrado legalmente, através de despacho proferido
pelo anterior Governo, é ofensivo utilizar deste modo um monumento nacional com
as características e particularidades do Panteão Nacional. Tal como já foi divulgado
pelo Ministério da Cultura, o Governo procederá à alteração do referido
despacho, para que situações semelhantes não voltem a repetir-se, violando a
História, a memória coletiva e os símbolos nacionais”.
Jorge
Barreto Xavier, ex-secretário de Estado da Cultura do Governo PSD/CDS, ouviu as
palavras de Costa e não gostou: assume que assinou o regulamento que estipula
estes alugueres, mas faz uma ressalva – é preciso que alguém autorize esse
mesmo aluguer. Em declarações ao Expresso, refere que o regulamento "não
autoriza nem deixa de autorizar a cedência de um determinado espaço" e que
o despacho em causa refere até que as autorizações "devem salvaguardar a
dignidade de cada espaço" e que devem ser rejeitadas se tal não acontecer.
Por isso,
considera "lamentável a triste" a posição de António Costa. "A
decisão é de 2017 e não de 2014. Já cansa que o atual Governo tente sempre
fugir à responsabilidade, procurando encontrar culpados para as más decisões
que toma". O primeiro-ministro "deu a cara pela Web Summit, deve
também dar a cara pela decisão de ceder o Panteão para o jantar",
acrescenta.
Se estranha
ainda não termos referido por esta altura a sigla que está no título deste
artigo, então deixe de estranhar: eis chegado o momento da DGCP. Num comunicado
em que explica ter ficado surpreendido com a realização deste jantar, e no qual
anuncia que vai proibir que tal se volte a repetir, o Ministério da Cultura
especifica quem tem de autorizar este género de alugueres: “O ministro da
Cultura tomou hoje conhecimento da realização de um jantar no Panteão Nacional,
facto que estranhou. Questionados os serviços, foi o ministro informado que a
decisão foi tomada ao abrigo do Despacho 8356/2014, de 24 de junho de 2014,
adotado pelo anterior Governo, que aprovou o Regulamento de Utilização dos
Espaços sob tutela da Direção Geral do Património Cultural".
Ora, o
polémico jantar teve precisamente de ser aprovado pela mencionada
Direção-Geral, que responde pela sigla DGCP e que está sob a responsabilidade
do Ministério da Cultura. Trata-se de um organismo gerido por Paula Silva, a
qual o Expresso já tentou contactar, mas que não está disponível para prestar
esclarecimentos por “se encontrar num evento”. O contacto do Expresso foi feito
no sentido de saber por que motivo é que o jantar foi aprovado pela DGCP, tendo
em conta que podia não tê-lo sido, e à luz de que critérios.
MARCELO NÃO
GOSTOU
Entretanto,
multiplicam-se as reações. Uma das mais claras é a de Marcelo Rebelo de Sousa,
que não gostou de saber da notícia: “Nem que seja o jantar mais importante de
Estado”, refere, citado pela Lusa. “Soube agora mesmo do facto de ter havido,
no quadro de uma utilização de um espaço que é monumento nacional, o seu uso
para um jantar, que é diferente de um lançamento de um livro, é diferente de
uma atividade cultural, é diferente de um concerto, de outra realidade dessa
natureza. De facto, a imagem que eu tenho do Panteão Nacional não é de ser um
local adequado para um jantar, nem que seja o jantar mais importante de
Estado.”
Vasco da Gamba @Vasco_da_Gamba
Compilação
de videos da jantarada/profanação #WebSummit no Panteão Nacional. Gostava de
saber quem é o Ministro a que o Paddy Cosgrave se refere no video #Desecration
#Panteão #JantaradaNoPanteão
16:35 - 11
de nov de 2017
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Do que
Marcelo gostou foi do facto de o Governo ter anunciado que vai proibir que tal
se volte a repetir – tanto António Costa como o Ministério da Cultura já
avisaram que o regulamento relativo a estes alugueres de monumentos vai ser
alterado. "Acho que foi uma decisão muito sensata, muito óbvia,
corresponde àquilo que qualquer pessoa com algum bom senso faria nesse caso
concreto", concluiu Marcelo Rebelo de Sousa a propósito da proibição
anunciada pelo Governo.
AS REAÇÕES
DOS PARTIDOS: ENTRE A IRONIA, AS CRÍTICAS VIOLENTAS E UM PEDIDO DE DEMISSÃO
O dirigente
do CDS Adolfo Mesquita Nunes diz que se António Costa "classifica de
indigna" a realização do jantar do Web Summit no Panteão, deve estender
esse adjetivo ao Ministério da Cultura e à Direção Geral do Património Cultural
que tutela". O primeiro-ministro "tutela a administração pública e
foi ela quem assinou e autorização a realização do jantar", refere
Mesquita Nunes.
Joana
Mortágua, dirigente do Bloco de Esquerda, critica o que considera ser o cinismo
dos partidos da direita, que se indignaram com a cedência do Panteão Nacional
para o jantar do Web Summit. "Sim, é uma vergonha. Mas a direita que não
se faça desentendida", escreve no Twitter. "Meteram o país à venda.
Tudo se privatiza, vende ou aluga, não vale a pena o que não dá lucro",
refere a deputada bloquista em referência à direita. "Depois indignam-se
porque uns poderosos do empreendedorismo compram o Panteão para jantar com
vista para a Amália e a Sophia. Sim, é uma vergonha. Mas a direita que não se
faça desentendida", concluiu Joana Mortágua.
Para Sérgio
Azevedo, do PSD, o primeiro-ministro "só tem uma solução", desafiando
António Costa a tomar as diligências necessárias. "Para não perder a sua
autoridade, só tem uma solução, que é demitir ou fazer de tudo para que quem
autorizou, quem compactuou, não represente o Estado nestas indignidades",
desafiou o social-democrata, citado pela Lusa. Os sociais-democratas acusam
ainda o primeiro-ministro de faltar à verdade: “Dizer que o jantar no Panteão é
responsabilidade do Governo anterior é mentira”.
António
Filipe, do PCP, considera que o jantar do Web Summit no Panteão Nacional
"é uma iniciativa que não é digna do espaço" e "deveria ter sido
rejeitada". "É uma decisão infeliz e aguardamos que seja esclarecido
como se processou a autorização", refere ao Expresso o deputado do PCP.
"Não fazemos ideia se a decisão é do diretor do espaço ou se tem de haver
autorização superior", prossegue. A preocupação "é a de evitar que
momentos infelizes como este se voltem a repetir no futuro", acrescenta
António Filipe.
O
social-democrata José Eduardo Martins tinha sido dos primeiros a comentar nas
redes sociais o caso. E também recorreu ao sarcasmo: "Evidentemente, é uma
montagem. Há limites meus amigos, mesmo para o nosso governo de cão e flauta.
Isto obviamente não aconteceu", escreveu o advogado no Facebook, em modo
de legenda à foto ao jantar.
O primeiro
ministro da Cultura do governo de António Costa, João Soares, não alinha pelo
coro de críticas sobre a realização do jantar da Web Summit no Panteão Nacional.
A iniciativa "não me repugna nada nem me causa embaraço", diz ao
Expresso o ex-ministro.
Por sua
vez, a deputada socialista Isabel Moreira reage com sarcasmo. "O mundo
acordou para a facto de ser possível alugar o Panteão Nacional para eventos vários.
Descobriram agora, foi?", escreveu no Facebook. Em resposta a quem
duvidada que tal tivesse acontecido, reagiu: "Mas já aconteceu. No
Panteão, sim. O espaço é disponibilizado para eventos. Não que eu goste, mas
acho graça que as pessoas tenham descoberto o que não é novidade."
João
Galamba, do PS, também reagiu ao tema e fá-lo em dois andamentos. Uma primeira
observação é de que a culpa é da secretaria de Estado da Cultura do anterior
Governo, "que foi quem permitiu estes eventos, que não carecem de autorização".
"Estou a dizer que estes eventos existem há anos e que não me recordo de
ver este alarido", escreveu Galamba no Facebook. Mas condescende com estas
cedências. "Já agora, não acho mal abrir estes monumentos a eventos desta
natureza. A decisão do anterior Governo não me parece má." Todavia, há
casos e casos. Galamba reconhece que "o Panteão não é o mesmo que o
Palácio da Ajuda e que, por isso, talvez devesse estar excluído daquele
despacho".
FUNDADOR DA
WEB SUMMIT PEDE DESCULPA AOS PORTUGUESES
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Paddy Cosgrave @paddycosgrave
Dear
Portugal, I apologise. I’m Irish. Culturally we have a very different approach
to death. We celebrate it. That does not make it the right approach when in
Portugal. I love this country as a second home and would never seek to offend
the great heroes of Portugal’s past. Paddy
21:15 - 11
de nov de 2017 · Lisbon, Portugal
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É um tweet
acompanhado de um minicomunicado. Paddy Cosgrave, o homem que fez da Web Summit
um acontecimento global, pede desculpa a Portugal depois de se ter apercebido
da dimensão que tomou a polémica sobre o jantar de encerramento da Web Summit,
que se realizou no Panteão Nacional, em Lisboa. Cosgrave sublinha desde logo
que, por ser irlandês, tem uma abordagem diferente à temática da morte, numa
referência ao facto de se encontrarem no Panteão os túmulos de algumas das
maiores personalidades da História de Portugal.
Ora,
Portugal é um país que Cosgrave diz sentir quase como a sua “segunda casa” e
que por isso mesmo nunca quis “ofender os grandes heróis” do país.“Este foi um
jantar organizado segundo as regras do Panteão Nacional e decorreu com
respeito. A Web Summit pretendia honrar a História de Portugal e queria que os
seus convidados pudessem apreciar o passado do país", escreve Cosgrave.
De seguida,
o irlandês explica que vem de um país que “celebra a morte”. “No passado, o
mais importante jantar dos fundadores decorreu na Christ Church Cathedral, em
Dublin, a maior cripta no Reino Unido. Pedimos desculpa”, finaliza o
fundador da Web Summit.
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