Mau ambiente e insegurança passaram a ser rotina no
Miradouro de Santa Catarina
POR O CORVO
• 29 NOVEMBRO, 2017 •
As imagens
da agressão a um polícia da PSP por um homem a quem lhe havia sido pedido que
se identificasse, ocorrida a 1 de outubro, no Miradouro de Santa Catarina, e
apenas tornadas públicas no início de novembro, surpreenderam muita gente,
tanto pela audácia do agressor como pela sensação de impotência transmitida. O
vídeo amador, que motivou indignação generalizada, acaba também por servir como
lembrete para um cenário de insegurança quotidiana, em relação ao qual os moradores
da zona têm vindo a alertar há já alguns anos.
“O ambiente e a falta de segurança já vêm de
trás, nós temos chamado a atenção para o problema de forma continuada. Mas as
coisas só têm piorado, sobretudo no período que vai do último ano a seis meses”,
diz a O Corvo Nuno Santos, vice-presidente da Voz do Bairro – Associação de
Moradores de Santa Catarina e Misericórdia. “O Adamastor é um ponto negro e tem
de ser tratado como tal pelas autoridades”, afirma, sem deixar de reconhecer
algum esforço feito pela Junta de Freguesia da Misericórdia, sobretudo ao nível
da higiene urbana. O que não chega, porém, para dissipar uma certa sensação de
decadência.
As queixas relacionados com o mau ambiente e a
insegurança da zona, onde a sujidade do espaço público anda a par da venda
descontrolada de estupefacientes, dos actos de vandalismo, ruído e intimidação
por parte de certos indivíduos, são afinal a extensão daquelas ouvidas também
nos bairros contíguos da Bica, do Bairro Alto e do Cais do Sodré, todos parte
da freguesia da Misericórdia. O fenómeno da insalubridade e da insegurança
nestas áreas está longe, aliás, de ser algo novo. Mas tem-se agravado nos últimos
anos, com a intensificação da vida nocturna na área e o seu cruzamento com o
crescimento meteórico da demanda turística.
Em novembro de 2013, O Corvo dava já conta das
preocupações dos moradores relativas à degradação do ambiente junto ao miradouro
conhecido pela estátua do Adamastor e à artéria percorrida por quase todas as
pessoas para lá chegar, a Rua Marechal Saldanha. Há agora, como nunca houve,
muito mais gente a circular por aquela área. Alguns dos problemas aumentaram em
proporção, sobretudo a insegurança.
“Não se compreende como é que se continua a
vender e a oferecer droga, a qualquer hora, à frente de todas as pessoas.
Trata-se de gente que vem de fora para aqui fazer isto e causam instabilidade e
mau ambiente”, relata Nuno Santos, dando conta de um prevalecente clima de
intimidação por parte dos indivíduos que se dedicam ao tráfico de substâncias
ilícitas. É difícil atravessar a Rua Marechal Saldanha sem se ser abordado pelo
menos duas vezes por um desses dealers, sabe qualquer pessoa que frequente a
área.
E se se tem solidificado a fama do local como
supermercado a céu aberto de certas drogas, a procura tem feito por se ajustar
à oferta, dando provas das capacidade auto-reguladoras deste mercado. Muita
gente se abastece por lá, turistas incluídos. E o problema complica-se, garante
o dirigente associativo, pelo facto de haver um esquema de rotatividade de
vendedores. “Já passaram por aqui mais de 50 indivíduos, estão sempre a mudar”.
E o problema, diz o vice-presidente da associação
de moradores, é que quem deveria estar a tomar conta do problema não o está a
fazer, devido a dificuldades operacionais. “Se alguém liga para a polícia,
porque existe uma ocorrência que o justifica, eles dizem que não podem
responder com maior rapidez”, conta. Apesar de existir uma esquadra da PSP ali
perto, no Bairro Alto, muitas vezes os agentes demoram “30 ou 40 minutos a
chegar”.
“Não queremos um polícia em cada esquina, mas
precisamos que respondam quando deles necessitamos. Os moradores sentem-se
inseguros, a qualidade de vida deteriorou-se. Quando há alguém a gritar, a
consumir drogas ou a urinar à sua porta, as pessoas têm medo de pedir para não
o fazer”, relata Nuno Santos. As consequência são óbvias: “A qualidade de vida
deteriora-se, as pessoas cansam-se e continuam a sair do bairro”. Isto apesar
de outros chegarem ao bairro, fruto da novas dinâmicas imobiliárias.
A comunidade encontra-se em forte mutação. A
verdade é que a persistência destes problemas, aliada às alterações trazidas
pela Lei das Rendas, está a deixar marcas naquela zona da cidade. O cansaço
sentido pelos moradores do Bairro Alto e da Bica é o mesmo dos residentes de
Santa Catarina. Uma fadiga que anda a par com a frustração com o que se
evidencia como uma clara incapacidade das autoridades para lidarem com tal
cenário. Afinal, os problemas estão identificados há muito. “A insegurança na
zona envolvente ao Miradouro de Santa Catarina é um problema que temos
acompanhado de perto, no âmbito daquilo que são as nossas competências
relativamente a esta questão”, diz agora Carla Madeira (PS), presidente da
Junta de Freguesia da Misericórdia a O Corvo.
Há quatro anos, quando falou com O Corvo sobre
o mesmo problema, autarca admitia já a sua preocupação e também a incapacidade
da polícia para lidar com a venda de droga. “Já tive uma reunião com a PSP do
Bairro Alto e eles dizem-me que não podem fazer muito, porque o que é ali
vendido são folhas de louro prensadas, e não uma substância ilícita”, dizia, na
altura, admitindo que a introdução de um sistema de videovigilância em Santa
Catarina e no Cais do Sodré seria a solução para tentar repor a normalidade no
seio da comunidade. O sistema foi, entretanto, adoptado no Bairro Alto, mas não
em Santa Catarina.
A perenidade do clima de insegurança e do mau
ambiente junto a um dos mais emblemáticos miradouros da cidade leva agora a
presidente da junta a prometer medidas. “Temos reunido regularmente com a PSP e
com a Câmara Municipal de Lisboa, com a qual estamos na fase final da
elaboração de um projecto de reabilitação para aquela zona”, anuncia Carla
Madeira. “Foi precisamente no sentido de elaborar este projecto que a CML criou
um grupo de trabalho, do qual a Junta de Freguesia da Misericórdia faz parte,
que tem como objectivo promover a requalificação do Miradouro de Santa Catarina
nas suas diferentes vertentes, como a iluminação pública, a manutenção de
espaços verdes, a gestão de concessões e fiscalização, entre outras”,
acrescenta.
A requalificação do Miradouro de Santa
Catarina foi, de resto, uma das promessas eleitorais de Carla Madeira, no verão
passado. Num prospecto distribuído aos residentes, mencionava-se a articulação
da intervenção com a câmara municipal, com o objectivo de “devolver” o
miradouro e as zonas envolventes à população. “A intervenção em causa contará
com a plantação de diversas espécies arbóreas e de um tapete relvado, bem como
a colocação de vedações dissuasoras de pisoteio constante. A obra contempla
ainda espaços relvadas para usufruto de momentos de lazer”, antevia-se.
Algo confirmado agora pela reeleita autarca.
“Este projecto pretende melhorar as condições do espaço público e devolver à
nossa população aquele local tão carismático da nossa Freguesia, algo pelo que
temos trabalho ao longo dos anos, nomeadamente com a requalificação dos
balneários existentes. Pensamos que, juntamente com a PSP e a CML, será
possível diminuir a insegurança existente, alterando a dinâmica actual do local
de modo a que o mesmo seja mais inclusivo e aberto a toda a população.”
A planeada requalificação surge apenas quatro
anos depois de o miradouro e zona envolvente terem sido alvo de profundas obras
com o mesmo objectivo. E que até lhe mudaram bastante a configuração. Em 2013,
foi bastante polémica a opção pela actual solução arquitectónica, por
privilegiar o uso de grandes superfícies de pedra liós. Houve quem considerasse
que o local estaria, com tal escolha, a perder muita da sua identidade. O
tapete relvado que ali foi instalado acabou, rapidamente, por ser destruído
pelo pisoteio constante.
O Corvo tentou saber junto da direcção
nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP) qual a avaliação que a mesma faz
do clima de insegurança em Santa Catarina. “Reconhece a PSP a especial
susceptibilidade daquela zona em termos de segurança pública? Planeia a PSP
realizar um reforço de meios operacionais naquela zona?”, eram as questões,
feitas há uma semana. As respostas, porém, não chegaram até ao momento da
publicação deste artigo.
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