EDITORIAL
Um mundo de hipócritas
Não, a utilização de offshores não é
necessariamente ilegal. Mas é completamente imoral.
DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE
5 de Novembro de 2017, 21:21
Nota (OVOODOCORVO) Ver Também:
Os offshores têm dois tipos de utilização: os criminosos e
corruptos usam-nos para lavar dinheiro obtido de forma ilegal; muitos outros
usam-nos, de forma legal, para esconder o que têm e fugir aos impostos. Estes
mecanismos da finança internacional não servem para mais nada a não ser
permitir que os ricos fiquem mais ricos e que os criminosos tenham a vida
facilitada.
Por que é que ainda são legais? Porque as pessoas que
encabeçam os Estados e as instituições internacionais beneficiam directamente
deste estado de coisas — e de cada vez que se revelam os nomes por trás destes
esquemas aparecem invariavelmente os poderosos do mundo. Não é preciso
acreditar em teorias da conspiração e clubes de poderosos em que o destino do
planeta é decidido para ter nojo da política que se pratica na maioria das
instituições de poder, sejam elas governos ou empresas. Para ter nojo destes
comportamentos basta ter consciência, virtude rara em quem manda.
Os offshores são o principal motor da desigualdade económica
e social que se verifica no mundo. E, se essa desigualdade tem sido
tradicionalmente Norte-Sul, o cenário já mudou: a globalização permitiu que as
economias menos desenvolvidas recuperassem parte do atraso e hoje a
desigualdade que mais cresce é a que destrói a classe média nas sociedades
ocidentalizadas. Este tem sido o padrão no século XXI, marcado por uma longa
crise financeira e uma política que asfixia os cidadãos comuns com uma
austeridade rigorosa, ao mesmo tempo que se permitem — e incentivam —
mecanismos que enriquecem ainda mais os poderosos.
Seria de esperar que a União Europeia, sempre tão pronta a
aplicar receitas que empobrecem despudoradamente os seus cidadãos, tivesse
coragem para criminalizar as relações com offshores. Seria de esperar que um
governo que se diz de esquerda — ou qualquer governo que se diga de bem —
recusasse ter um offshore (perdão, uma zona franca) no seu território. Mas não
é isso que acontece, nem em Portugal nem nos outros países europeus, nem nas
instituições internacionais. Já que não são capazes de acabar com os offshores,
acabem ao menos com a hipocrisia.
Uma última nota: mais uma vez foi a imprensa, numa notável
investigação lançada por um jornal alemão, a descobrir e a destacar este
escândalo de proporções mundiais. Quem ataca a imprensa livre quer precisamente
evitar que este tipo de informações chegue ao grande público.
Em relação a Madonna, a cantora
norte-americana a residir actualmente em Portugal, a investigação do consórcio
internacional cita documentos da Appleby que referem um investimento feito em
1998 em acções da SafeGard Medical Limited, uma companhia com sede nas
Bermudas, em nome de Shari Goldschmidt.
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