No dia da aprovação
oficial pela Assembleia Municipal do programa “Lojas com História”,
aguardando-se agora com grande urgência e expectativa as medidas da
Assembleia de República, é importante relembrar e revisitar o
texto publicado por José Diogo Quintela a 9 -4-2016.
Este texto ilustra
tristemente a verdadeira essência do pensamento do autor, e é
impossível de o desassociar de outro publicado posteriormente como
sócio da Padaria Portuguesa.
O humor como arma de
retórica enganadora e de relaltivização desonesta torna-se
verdadeiramente fedorento e putrefacto.
OVOODOCORVO
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JOSÉ DIOGO QUINTELA
Lojas
históricas, fãs histéricas
Se
estas lojas fecham, perde-se uma das maiores características
portuguesas: a economia subsidiada pelo Estado.
Por José Diogo
Quintela|09.04.16
Em Lisboa há três
tipos de lojas: as recentes, as antigas e as com história. As
recentes são recentes, as antigas são antigas e as com história
são falidas. A diferença entre uma loja antiga e uma com história
é que a loja antiga vende produtos a clientes; a loja com história,
não. Uma é parte activa da economia da cidade, a outra é
património imaterial. Literalmente: não tem material que atraia
clientes. Mas aguenta-se porque é "histórica" no sentido
em que, historicamente em Portugal, todos desejam viver a expensas do
Estado, que vai manter as rendas baixas. Às custas dos
proprietários. A loja com história não tem clientes, tem fãs.
Que, como se lembram de ter lá ido em criança, decretam que deve
permanecer aberta. Na Baixa é costume ouvir: "Ai, que loja tão
apetitosa! Vinha cá com a minha avó. Tem algum produto útil a
preço acessível?" "Não. Mas tenho história."
"Dê-me então 1,3 kg de história, por favor." Para
conservar a memória deste tipo de serviço, a Câmara de Lisboa vai
recongelar as rendas destas lojas. A CML quer preservar a
personalidade própria das lojas falidas da Baixa. (Ao mesmo tempo
que, com regulamentos que obrigam os toldos e esplanadas a serem
todos iguais, não deixa que lojas que tentam ter lucro tenham
personalidade própria). O objectivo é impedir que Lisboa fique
igual a outras cidades que atraem turistas, descaracterizando-a. Se
estas lojas fecham, perde-se uma das maiores características
portuguesas: a economia subsidiada pelo Estado. Lisboa não pode ter
as mesmas lojas de Londres, Paris e NY. Quem quer produtos de lojas
que há em Paris ou NY dirija-se a Paris ou NY, que é o que fazem os
lisboetas que gostam dos produtos que há em Paris e NY, desde que
não haja em Lisboa. São Arnaldos Matos do gosto, educadores da
classe consumidora. Se a loja tem brasões dourados, é kitsch e
aldrabice histórica; se tem cadeiras desirmanadas e mobília manca,
é kitsch irónico e vintage. Atenção, estes lisboetas não são
contra o turismo. São contra certo tipo de turismo. Sim, os turistas
gastam cá dinheiro (no ano passado, em transacções com multibanco,
foram 4929 milhões), mas não são os turistas ideais. Se há um
turista ideal, é isso mesmo: idealmente, um turista. Único. A
gastar os mesmos 4929 milhões. Em Pasta Medicinal Couto. Comprada
durante a semana, para não maçar os lisboetas que vão Sábado ao
Chiado comer brunch, a refeição predilecta de quem não consegue
decidir se gosta mais de pequeno-almoço ou de almoço, mas consegue
decidir que tipo de lojas as outras pessoas devem frequentar.
(Brunch, mas não no Pap’açorda. O Pap’açorda era um
restaurante com história, mas traiu a causa ao mudar de sítio para
continuar a ter sucesso comercial. A CML devia obrigá-lo a ficar
onde estava, a embelezar o roteiro saudosista.)
A mercearia/taberna
da esquina Chamávamos-lhe "Sr. Pedro", pois o dono era o
Sr. Pedro. Era uma tradicional mercearia/taberna, com o tradicional
livro de fiado, a tradicional aldrabice no livro de fiado, os
tradicionais víveres a granel, as tradicionais barricas de vinho, os
tradicionais ébrios, o tradicional etc. Fechou há uns 25 anos. A
causa foi o tradicional falecimento do merceeiro/taberneiro, pela
tradicional velhice. Hoje é uma clínica de análises, frequentada
pelos antigos ébrios, actuais idosos com maleitas de ébrios. O que
é pena. Gostaria de passar por lá, não para comprar nada, que hoje
há o Pingo Doce, mas para sentir a mesma nostalgia que sinto quando
ouço a música do Dartacão. Tenho pena que há 25 anos não
houvesse o Comité das Lojas com História, para embalsamar o Sr.
Pedro e mantê-lo à porta da mercearia, como quando eu era menino
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