PS
altera lei das rendas para proteger lojas históricas
ALEXANDRA PRADO
COELHO 02/04/2016 - PÚBLICO
Projecto
que será discutido na sexta-feira alarga período transitório para
aumento das rendas até 2027. Será suficiente para salvar o
património que está a desaparecer "todas as semanas"?
Lojas seculares que
fecham ou estão em risco de fechar, rendas que disparam e se tornam
incomportáveis, senhorios que fazem obras nos edifícios e dão
ordem de despejo aos inquilinos ditando o fim de espaços únicos na
cidade – o desaparecimento das lojas históricas de Lisboa
tornou-se notícia frequente.
Para tentar travar
este fenómeno, o Partido Socialista entregou no Parlamento um
projecto que prevê a alteração da lei das rendas para proteger o
comércio histórico, cuja discussão está prevista para a próxima
sexta-feira, disse ao PÚBLICO Pedro Delgado Alves, o deputado
responsável pela proposta. Esta passa por um alargamento do regime
transitório da lei das rendas que garanta que este tipo de espaços
não sofrerá grandes aumentos de renda até 2027 (actualmente o
regime transitório está em vigor até 2017).
“É uma forma de
protecção contra aumentos repentinos de rendas”, explica o
deputado, sublinhando que é também proposto que este alargamento do
regime transitório abranja os inquilinos com mais de 65 anos, porque
“não faria sentido” oferecer essa vantagem às lojas históricas
e não aos mais idosos. Quanto à entrada em vigor da lei,
pretende-se que seja “o mais célere possível”.
As lojas e entidades
que beneficiarão desta protecção são as que forem classificadas
pelo município como “estabelecimento ou entidade de interesse
histórico e cultural”. Esse processo de classificação já podia
ser feito – e para isso a Câmara criou o programa Lojas com
História –, mas o que estava previsto por lei era, essencialmente,
a protecção do edifício, explica Delgado Alves. “Agora cria-se a
possibilidade de classificação a partir do acervo, do relevo para a
memória histórica da cidade e outros critérios” mais ligados à
actividade propriamente dita e não apenas ao edificado.
Os espaço assim
classificados ficam também protegidos das regras aplicáveis depois
da reabilitação de imóveis, que actualmente permitem que um
senhorio que proceda a obras profundas possa cancelar o contrato com
o inquilino proprietário da loja e dar-lhe ordem de despejo. Este
tem sido, aliás, o problema maior nos últimos tempos.
Agora cria-se a
possibilidade de classificação a partir do acervo, do relevo para a
memória histórica da cidade
Pedro Delgado Alves,
deputado do PS
Dado que o período
transitório da lei das rendas ainda se prolonga até 2017, os casos
mais mediáticos de encerramento de espaços históricos, como as
discotecas do Cais do Sodré, devem-se sobretudo a obras de
requalificação. Quando entrar em vigor, a alteração da lei terá
efeito apenas para novos projectos de obras, esclarece Delgado Alves,
embora no caso das rendas possa aplicar-se a situações de litígio
a decorrer porque ainda estão dentro do período transitório
original.
“Hoje pode-se pôr
uma loja com 200 anos na rua em seis meses”, resume Catarina
Portas, proprietária das lojas A Vida Portuguesa, que tem sido uma
das principais defensoras da necessidade de se proteger o comércio
histórico e faz parte do Conselho Consultivo do programa Lojas com
História, da Câmara, ao lado de vários olissipógrafos,
professores universitários, agentes culturais e cidadãos
preocupados com o futuro do comércio mais característico da cidade.
A iniciativa do PS
“é um bom começo mas ainda há muito a fazer”, sublinha Portas,
citando como exemplo iniciativas em Genebra ou em Paris destinadas a
proteger as livrarias. No caso da capital francesa, a Câmara,
apercebendo-se que muitas livrarias estavam a desaparecer, comprou
espaços comerciais que aluga a preços bonificados aos livreiros. “A
Livraria Portuguesa e Brasileira de Michel Chandeigne é um dos
casos”, conta Catarina Portas.
"Já estragámos
o Algarve nos anos 70, não aprendemos nada com isto?"
Apesar de este ser
um problema comum a várias cidades, a empresária diz estar
particularmente preocupada com o que se passa em Lisboa neste
momento, porque há uma coincidência de três factores: a alteração
da lei das rendas, a pressão turística e “o investimento
imobiliário estrangeiro”. “As três coisas coincidiram no tempo
e isso é que é dramático”, diz, confessando que todos os finais
de mês fica “com o coração nas mãos” a pensar quantas mais
lojas históricas irão fechar.
“Muitos dos
contratos que foram negociados com a nova lei das rendas e que não
tinham limite passaram a ser de cinco anos e neste momento há vários
a chegar ao fim”, alerta. Por tudo isto, mostra-se satisfeita com a
proposta agora apresentada pelos socialistas. “É uma ideia que
começámos a discutir há um ano no Conselho Consultivo do Lojas com
História. Isto prova como este programa está a ser importante,
apesar de nem sempre ter sido pacífico dentro da própria Câmara,
que o interrompeu recentemente, mantendo-o parado durante quase
quatro meses”, afirma.
O Lojas com
História, que envolve uma colaboração entre a Câmara e a
Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, já definiu os
critérios de classificação e está a fazer o trabalho de
levantamento das lojas. Albio Nascimento, que participa no programa
pelo lado da faculdade, explica que muito desse trabalho tem passado
pela recolha de informações relativas à actividade e à história
de cada estabelecimento. “Foi nessas duas áreas que sentimos mais
falta de documentação, o edificado era o que já estava mais
trabalhado.”
A iniciativa do PS
vai ajudar, claro, mas “não é suficiente”, na opinião de Albio
Nascimento. “É uma boa notícia, mas vai apenas adiar o problema.
Precisávamos de uma protecção mais efectiva. Estamos a ver lojas
fechar todas as semanas. Isto vai tranquilizar os lojistas por agora,
mas não os vai deixar descansados em relação ao futuro. E neste
momento 99% dos lojistas com quem falamos não vêem como vão
conseguir manter o negócio.”
Sem comentários:
Enviar um comentário