O
turismo está a estragar Lisboa
Lucy Pepper
3/4/2016, OBSERVADOR
Com
o boom turístico, Lisboa está a tornar-se uma paródia dela
própria, uma caricatura de sardinhas, corvos, azulejos e pastéis de
nata. Um dia, toda a cidade será uma extensão da Rua Augusta.
Foi no Porto,
durante uma visita na Semana Santa, que me ocorreu que Lisboa está a
ceder ao apodrecimento turístico. A maior parte do Porto ainda
parece resistir, a sua beleza decadente recusa a plastificação em
curso em Lisboa, embora haja ocorrências. Um exemplo disso é o
restaurante em que jantámos no último dia da visita. Quando lá
fomos pela primeira vez, há uns anos, era muito bom. Entretanto,
parece ter caído na mediocridade. A comida era desesperada,
pré-confeccionada, reaquecida por encomenda, e a sua clientela, para
além de nós, estava resumida a turistas (espanhóis, sendo Páscoa).
O apodrecimento turístico já começou.
Cá em baixo, em
Lisboa, existiam antigamente uns poucos sítios dedicados
exclusivamente aos turistas: os restaurantes da Baixa, com as suas
ementas fotografadas, uns cafés à volta do Castelo, e umas poucas
lojas de lembranças pirosas.
Desde então, o
crescimento de novas empresas dirigidas ao turismo tem sido
exponencial e imparável. Há lojas de lembranças a cada esquina,
ameaçando afundar a cidade em imanes de azulejos e sardinhas
cerâmicas. Os tuktuks e o eléctrico turístico tentam atropelar-nos
a cada segundo, e há hotéis e hostels que chegariam para alojar a
população inteira do Luxemburgo.
E depois há os
restaurantes e café novos. Alguns deles são tipicamente
portugueses, outros são invenções de cenas portuguesas (como
aquela coisa do pastel de bacalhau com queijo da serra …). Há
muitos restaurantes sushi, na maior parte sushi “fusão” horrendo
(quem fará o favor de lhes dizer que sushi não vai com queijo em
creme, nem com aquele nojo que é o molho doce de vinagre
balsâmico?), italianos, mexicanos… Outros são simplesmente a
expressão de alguém com uma ideia absurda e dinheiro a mais.
Os novos
restaurantes vão aparecendo e desaparecendo, dependentes da sorte,
do sítio, dos investidores e da moda, mas os piores entre eles já
estão a marcar Lisboa. Já há mesmo sinais preocupantes de que
restaurantes e cafés bem estabelecidos há muitos anos começam a
tentar competir com os sítios novos e turísticos. Estão-se a
remodelar e a pôr cartazes e quadros-negros decorados com giz,
escritos em inglês, para aliciar os turistas. Inevitavelmente,
aqueles que conseguem uma clientela turística irão começar a
reestruturar as suas ementas ao gosto dos visitantes. E uma vez que o
objectivo é satisfazer os desejos dos visitantes, não vão precisar
de ser autênticos, uma vez que a maior parte dos turistas não
percebem a diferença entre uma bela posta de bacalhau e uma má
fatia de queijo. Os restaurantes dedicados ao turismo nem precisam de
apostar no regresso do cliente (o modelo de negócio do costume),
porque haverá sempre novos turistas a entrar. O que importa é dar
ao turista o que quer ou foi levado a querer, de modo a que o
restaurante receba uma boa crítica no Trip Advisor, que é a única
coisa que significa qualquer coisa hoje em dia.
Embora o turista
pense que sabe o que quer e o que é bom, a verdade é que o turista
não sabe o que é bom nem autêntico, nem precisa de saber ou de dar
importância a isso. Logo que um restaurante opta pelo mais fácil,
que é apelar ao turista, esse restaurante está perdido. Cada vez
que um restaurante ou um café opta pelas ementas com fotografias,
traduzidas para inglês, francês, alemão ou italiano, ou quando
opta por abrir mais uma esplanada espalhada por um passeio já cheio,
ou quando começa a oferecer “full English breakfast!” ou
“authentic cod experience” ou “experimente esta coisa típica
que inventamos esta manhã” (ouvi esta semana que já existe
algures um pastel de nata com bacalhau) – cada vez que isso
acontece, Lisboa perde mais um bocadinho dela própria, e arrisca-se
a acabar por ser uma mera extensão da Rua Augusta. É inteiramente
compreensível que um dono de restaurante tente apanhar o euro do
turista, mas a longo prazo, é uma opção desesperada que vai
descaracterizar a Lisboa que amamos e que, ironicamente, é a razão
que trouxe os turistas até cá.
A bela teimosia
portuguesa está a ceder ao medo, e Lisboa, como estava destinado a
acontecer desde que o boom turístico começou, está-se tornar uma
paródia dela própria, uma caricatura de sardinhas, corvos, azulejos
e pastéis de nata e/ou bacalhau, tal como previ há um par de anos.
Estamos a testemunhar a terrível e rápida queda de uma cidade, e
enquanto muitos de nós podemos até estar a ganhar com isso, no fim,
acabaremos por perder Lisboa.
Tem cuidado, Lisboa.
(traduzido do
original inglês pela autora)
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