João
Soares não perdoa Costa
Ana Sá Lopes |
09/04/2016
João Soares é um
homem madrugador. Às sete da manhã de quinta-feira ‘postou’ no
Facebook um texto em que ameaça «dar bofetadas» aos críticos
Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente. A polémica instala-se, mas
o ministro desvaloriza o caso. Não acha que tem que se demitir e
ainda goza com o assunto numa declaração ao Expresso: «Peço
desculpa se os assustei». Só quando sentiu, na televisão, a
bofetada de luva branca do primeiro-ministro à sua atitude, é que
decidiu demitir-se.
Ontem, o ainda
ministro da Cultura era um homem magoado com o primeiro-ministro.
Nunca lhe passou pela cabeça que António Costa o deixasse cair
naquelas circunstâncias. Ao que o SOL apurou junto de fontes
próximas de João Soares, «a declaração de António Costa foi
fatal»: «João Soares esperava mais solidariedade de António
Costa. Ao ouvi-lo na televisão, percebeu que tinha perdido a
confiança do primeiro-ministro».
O comunicado de João
Soares tem uma indireta para António Costa. O ministro
demissionário recusa os argumentos de Costa de que os ministros «têm
que se lembrar que são ministros mesmo à mesa do café». João
Soares não aceita prescindir da sua «liberdade».
«Demito-me também
por razões que têm a ver com o meu respeito pelos valores da
liberdade. Não aceito prescindir do direito à expressão da opinião
e palavra», escreve Soares no texto de demissão, onde não faz mea
culpa sobre o acontecido.
O resto do texto é
anódino: «Torno público que apresentei esta manhã ao senhor
primeiro-ministro, António Costa, a minha demissão do XXI Governo
Constitucional. Faço-o por razões que têm a ver com a minha
profunda solidariedade com o Governo e o primeiro-ministro, e o seu
projeto político de esquerda. Sublinho o privilégio que representou
para mim ter integrado este governo. E ter trabalhado com o
primeiro-ministro, a quem agradeço a confiança».
Costa reagiria com
ar de quem estava exatamente à espera deste desfecho: «Naturalmente,
respeito e aceito a avaliação que ele fez das condições que tinha
para prosseguir no exercício destas funções. Queria agradecer toda
a colaboração que ele deu, a energia, o empenho que colocou e nos
próximos dias entregarei ao sr. Presidente da República um nome de
uma personalidade que substituirá o João Soares». E mais uma:
«Tenho a certeza que se tivesse podido desenvolver o seu trabalho
durante quatro anos teria sido reconhecido pelo país todo como um
grande ministro da Cultura. As coisas são como são, a mim cumpre-me
simplesmente respeitar a avaliação que ele faz e aceitar o pedido
que ele me apresentou».
A quarta escolha
Agora, António
Costa irá novamente tentar convencer José Manuel dos Santos –
atual diretor cultural da Fundação EDP, ex-assessor cultural dos
Presidentes Mário Soares e Jorge Sampaio e muito próximo do
primeiro-ministro – a aceitar o cargo de ministro da Cultura.
A questão é que
José Manuel dos Santos nunca quis ser ministro. Foi a primeira
escolha de António Costa para a Cultura e recusou – como já tinha
recusado nos tempos de Guterres. A segunda escolha era o vereador da
Cultura da Câmara do Porto Paulo Cunha e Silva, que morreu
subitamente a 11 de novembro, o dia em que a esquerda unida não
deixou o governo Passos passar no Parlamento. João Soares foi a
quarta escolha. Pelo meio Costa ainda tentou que uma terceira
personalidade ligada à cultura aceitasse, mas sem sucesso.
A escolha de José
Manuel dos Santos teria a vantagem de ser pacificadora dentro do PS e
no meio cultural. O facto de a ligação entre José Manuel dos
Santos e Costa ser profunda, tornaria a política de cultura mais
próxima do centro do governo. Foi provavelmente a pensar que poderia
convencer José Manuel dos Santos que Costa pediu uns dias para
anunciar o novo ministro.
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