Só
na Baixa Pombalina de Lisboa existem 52 lojas de recordações de
“baixo custo”
POR O CORVO • 8
ABRIL, 2016
http://ocorvo.pt/…/so-na-baixa-pombalina-de-lisboa-existem…/
Um morador da zona
da capital mais frequentada pelos turistas, sociólogo de profissão,
decidiu fazer um trabalho de campo. Em apenas dezena e meia de ruas,
existe mais de meia-centena de estabelecimentos low cost de artigos
para turistas. 61, se se contabilizarem aqueles que também vendem
outros produtos, além das recordações. A Rua da Prata é a campeã
das lojas deste género, com 16. “Uma descaracterização total”,
diz o autor do estudo.
Texto: Samuel Alemão
A contagem tem tanto
de meticulosa como de apaixonada. Preocupado com o que lhe pareceu
ser um fenómeno fora de controlo, João Fernandes, 35 anos, saiu à
rua e começou a contar. E chegou a casa com um número. A Baixa
Pombalina de Lisboa tem 52 lojas de recordações de baixo custo, de
acordo com um levantamento feito, há poucos dias, por este sociólogo
e entretanto disponibilizado ao Corvo. Isto diz respeito apenas a
estabelecimentos que vendem em exclusivo recordações. O número
sobe para 61 lojas, se se contabilizarem também as lojas que, além
das recordações, comercializam outros produtos, como mercearia ou
telecomunicações. “É um valor muito elevado, de facto. Poderia
haver uma maior variedade. Assim, corremos o risco de uma
descaracterização total”, diz.
Já todos comentaram
sobre o assunto, quase toda a gente teceu comentários mais ou menos
viscerais e maliciosos sobre as lojas asiáticas – de indianos,
bangladeshis, paquistaneses e nepaleses, sobretudo -, queixando-se da
profusão de camisolas de Cristiano Ronaldo, Nossas Senhoras de
Fátima ou galos de Barcelos fosforescentes, entre outras bugigangas
criadas para turista pouco criterioso. E quase sempre com o mesmo
argumento esgrimido por João Fernandes, o da descaracterização.
Mas o autor do estudo, que se diz uma pessoa sempre preocupada com a
cidade, faz questão de sublinhar que o intuito do trabalho é apenas
o de “fornecer material para reflexão” sobre as dinâmicas
relacionadas com a vaga turística. “Não quero, por nada, que isto
seja interpretado como algo com contornos xenófobos”.
Reconhecendo que os
assuntos relacionados com a revolução turística em Lisboa têm
suscitado um debate apaixonado – mais que isso, “há uma
discussão polarizada, com visões extremadas, parecendo que tem de
se ser ora contra, ora a favor do turismo” -, o cientista social,
que trabalha na área de estudos e planeamento do Instituto Superior
Técnico, decidiu arregaçar as mangas. O objectivo, escreveu na
introdução do estudo, era o da “sensibilização e alerta para
uma das faces mais vísiveis da descaracterização da baixa
pombalina e produção de alguns dados objectivos para sustentar o
que em muitos casos são opiniões e visões sem factos e números
concretos”.
Morador na Calçada
de São Francisco, João Fernandes delineou como área de análise a
tradicional quadrícula da Baixa, composta pelos seguintes limites: a
Norte, pela Praça do Rossio, Rua da Betesga e Praça de Figueira; a
Sul, pela Rua do Arsenal, Terreiro do Paço e Rua da Alfândega; a
Oeste, pela Rua Nova do Almada e Rua do Carmo; e a Este, pela Rua da
Madalena. Estas ruas, por serem delimitadoras da área a estudar,
foram excluídas do levantamento, embora em quase todas elas existam
estabelecimentos do género dos que são objecto de estudo. Também
não foram contabilizadas as lojas que se encontram nas ruas
contempladas mas que se estendem para além dos limites. Além disso,
foram apenas contadas as lojas e não os quiosques.
Com estas linhas em
mente, João Fernandes saiu à rua. Ou melhor, às ruas do Ouro, dos
Sapateiros, Augusta, da Prata, dos Correeiros, dos Douradores, dos
Fanqueiros, do Comércio, de São Julião, da Conceição, de São
Nicolau, da Vitória, da Assunção, de Santa Justa e do Crucifixo.
Em 15 ruas, contou 52 lojas obedecendo ao critério restrito de lojas
que vendem apenas recordações, número que sobe para os 61, se
incluir as que também se dedicam a outros ramos da actividade
retalhista. De todas elas, uma salta à vista. A Rua da Prata tem 14
lojas de venda exclusiva de recordações de baixo custo, a que
acrescem mais duas que também comercializam outras coisas – 16 no
total, portanto.
“Há aqui um
desequilíbrio. Poderia existir uma maior variedade na oferta
comercial. Até porque não temos garantias de que, a médio e longo
prazo, o turismo seja uma actividade sustentável a esta escala na
nossa cidade”, afirma o sociólogo, frisando que seria mais
prudente apontar para uma maior diversificação da oferta e, por
conseguinte, do mercado de trabalho – até porque, considera,
Lisboa tem uma grande capacidade de atrair força laboral. “O fluxo
de turistas na cidade não é mau só por si, mas têm de ser
estabelecidos equilíbrios”, diz.
Neste caso, havendo
um tão grande número de lojas de produtos turísticos de baixo
custo – e, quase inevitavelmente, de “baixa qualidade” -, João
Fernandes acha que deveriam ser tomadas medidas para que não se
esteja a contribuir para danificar as características da cidade que
trazem os turistas. “O problema não é das pessoas, que tentam
ganhar a vida e têm uma ética de trabalho muito diferente da nossa,
satisfazendo-se com uma margem de lucro muito reduzida. Não sinto é
das entidades responsáveis uma vontade de resolver a questão”,
considera.
Sem comentários:
Enviar um comentário