Este é … sem dúvida … um Caso Político … e do AVENTAL...
OVOODOCORVO
OPINIÃO
António
Lamas, uma demissão óbvia
GABRIELA CANAVILHAS
02/04/2016 - 06:50
Eticamente,
António Lamas falha de forma irremediável.
Para se perceber com
clareza o pensamento e as motivações de António Lamas ao aceitar a
presidência do CCB, basta ler, sem preconceitos nem reservas
mentais, a entrevista que este deu ao PÚBLICO a 9/11/2014. Nela, à
pergunta de Lucinda Canelas “Teria aceitado a presidência do CCB
se não fosse a missão de conceber o novo eixo Belém-Ajuda?”
respondeu: “Não (...) não concebia sentar-me aqui, apesar de a
vista ser fantástica, se essa ideia não pudesse ser posta de pé”.
Entretanto, o
Governo chumba o Plano Estratégico Ajuda-Belém.
“A ideia” afinal
já não iria ser posta de pé. Mas a vista do gabinete começa a
exercer um fascínio maior do que parecia. Lamentavelmente, um homem
com um passado de inegável mérito na gestão patrimonial e cultural
dá início a um finca-pé com a sua tutela, esquecendo-se que, tal
como os cargos políticos, os cargos de confiança política também
são transitórios e devem ser exercidos com os mesmos níveis de
exigência ética e de desprendimento que se exigem aos políticos.
Tal como os cargos políticos, também estes são pagos com o
dinheiro dos contribuintes. Assim, não me pareceu bem que António
Lamas anunciasse que “apenas” recebeu 11.000€ de indemnização
por ter sido demitido antes do final do mandato. Para quem “não
concebia sentar-se ali se a ideia não fosse para a frente”, o mais
natural seria ter-se demitido e regressar à sua faculdade, onde tem
o seu lugar de catedrático à espera, com salário.
Eticamente, António
Lamas falha de forma irremediável.
As tentativas que
faz de partidarizar esta demissão caem por terra: Lamas atravessou
todos os governos socialistas (nomeado por João Cravinho a José
Sócrates), sempre renovando nomeações nos cargos que detinha. Na
verdade, a primeira vez que o CCB recebeu um presidente,
ostensivamente, por determinação política, foi com Passos Coelho,
que trocou Mega Ferreira por Vasco Graça Moura.
Há décadas, Lamas
demitiu-se de presidente do IPPC quando Santana Lopes foi nomeado
secretário de Estado da Cultura, tornando público (com alguma
deselegância) que não trabalharia sob as ordens do novo secretário
de Estado. Porque não o fez agora novamente? Agora sim, tinha razões
de sobra para tal: a sua nomeação estava ligada umbilicalmente ao
Plano Estratégico para Belém — tal como Barreto Xavier fez saber
em comunicado à Lusa em 28/10/2014; era, por inerência, diretor
executivo da Estrutura de Missão para o Eixo Ajuda-Belém, também
extinta pelo Governo. Na verdade, a sua missão tinha caído com o
seu Plano e com a extinção da sua Estrutura de Missão. Ficou sem
chão. Nada sabe de programação, de artes performativas, de
espetáculo, segundo o próprio. (Ler PÚBLICO, 9/11/2014.)
Sejamos claros:
alguém concebe que a Casa da Música no Porto ou a Fundação de
Serralves pudessem ser um centro de reconversão urbana da Boavista à
Foz? Com Departamento de Gestão de Obras e equipas de construção
civil? A missão do CCB é demasiado importante para Lisboa e para o
país e tem sido negligenciada na sua essência fundamental: produzir
Cultura (sim, produzir), ser um centro difusor e catalisador de
conhecimento, competir com os grandes centros culturais da Europa. É
no seu core business que deve concentrar todos os seus recursos e
esforços. Já lhe basta ter orçamentos reduzidos pela crise e ter
passado a integrar o perímetro de consolidação da dívida pública
como instituição reclassificada. Chega. A capacidade de ação do
CCB atingiu o limite do (im)possível; só faltava agora
transformá-lo no coração dum estaleiro de obras.
Lamas foi à audição
parlamentar, a pedido do PSD, para um derradeiro queixume público.
Afinal, apenas confirmou que o seu mandato para o CCB tinha um
objetivo associado: a conceção do Plano Ajuda-Belém; confirmou que
o seu Plano não tinha o acordo, nem a participação da CML;
confirmou que na sua longa carreira pública nunca foi alvo de
“limpeza” pelo PS; confirmou que nada sabe nem se interessa pelo
coração vibrante do CCB — arte, espetáculos, literatura,
exposições, música, expressões artísticas do mundo. Só o
ouvimos falar de projetos de construção civil, de enterramento de
linhas férreas, do revivalismo à António Ferro numa hipotética
exposição do Mundo Português de Salazar.
Um plano estratégico
para o eixo Ajuda-Belém é fundamental, mas deve ser uma missão da
CML, em articulação com o Ministério da Cultura, com o Porto de
Lisboa e com as instituições públicas e privadas da área,
incluindo a Associação de Turismo de Lisboa. A gestão coordenada
dos equipamentos culturais da zona é, naturalmente, o passo
consequente — e não é propriamente a descoberta do caminho
marítimo para a Índia. Para isso, não é necessário esmagar o
CCB.
Deputada do PS,
ex-Ministra da Cultura
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