Portas
fechadas na Grécia levam refugiados a procurar as costas de Itália
PÚBLICO 01/04/2016
- PÚBLICO
Número
de chegadas à Sicília subiu em relação ao mesmo período do ano
passado. Especialistas dizem que as pessoas "vão continuar a
tentar travessias mais perigosas se a fronteira entre a Turquia e a
Grécia lhes for fechada".
A entrada em vigor
do acordo entre a União Europeia e a Turquia para travar a entrada
de refugiados levou a um aumento substancial das chegadas às costas
de Itália.
De acordo com os
números do Ministério do Interior italiano, desde o início do ano
chegaram ao país 16.075 migrantes e refugiados, em comparação com
os pouco mais de 10 mil registados no mesmo período do ano passado.
A maioria foi resgatada durante a travessia de barco entre as costas
da Líbia e a Sicília.
Enquanto nos últimos
dias o número de pessoas que chegaram às ilhas gregas através da
Turquia desceu dos muitos milhares para poucas centenas, mais de 1500
chegaram a Itália através da Líbia só na terça-feira – numa
travessia do Mediterrâneo que dominou as notícias entre 2014 e
2015, mas que acabou por ser ultrapassada pelo caminho da Turquia
para a Grécia.
Grécia começa a
retirar refugiados e migrantes da "miséria humana" de
Idomeni
Com o acordo entre a
União Europeia e a Turquia, os líderes europeus esperam que o
número de refugiados diminua de forma substancial, mas os
especialistas dizem que o problema é mais fundo.
"As nossas
investigações mostram que os refugiados e migrantes não tomam a
decisão de abandonar as suas casas de forma ligeira. Estão
dispostos a correr riscos significativos e não vão ser dissuadidos
pelas políticas e pelas restrições dos países da União
Europeia”, disse ao jornal britânico Independent Marta Foresti, do
think-tank Overseas Development Institute, com sede em Londres.
“As pessoas que
forem excluídas [de uma entrada na Europa] por causa do acordo vão
continuar a tentar travessias mais perigosas se a fronteira entre a
Turquia e a Grécia lhes for fechada”, alertou a mesma responsável,
que terminou com uma crítica aos líderes europeus: “A União
Europeia não conseguiu dar uma resposta humana e pragmática à
crise. Agora o que é preciso é uma liderança a nível global.”
Turquia
estará a expulsar sírios, mas nem isso trava acordo europeu
ANA FONSECA PEREIRA
01/04/2016 - PÚBLICO
Amnistia
Internacional acusa UE de, na ânsia de fechar as fronteiras, estar a
ignorar "o simples facto de que a Turquia não é um país
seguro para os refugiados". 500 das pessoas que estão nas ilhas
podem ser mandadas para trás na segunda-feira.
A três dias da data
prevista para começar a mandar de volta para a Turquia as pessoas
que chegaram às ilhas gregas nas últimas duas semanas, a Amnistia
Internacional desferiu um duro golpe contra um dos pilares em que
assenta o acordo firmado entre Ancara e a União Europeia.
Contrariando de forma flagrante as obrigações de um “país
seguro”, as autoridades turcas estão a forçar centenas de
refugiados sírios a regressar ao seu país em guerra, denuncia a
organização de defesa dos direitos humanos.
Foi a chanceler
alemã, Angela Merkel quem, no final da cimeira europeia de 18 de
Março, anunciou que as primeiras expulsões aconteceriam a 4 de
Abril. No mesmo dia, adiantou, a UE começaria a cumprir a sua parte
do acordo, recebendo pelas vias legais um número equivalente de
refugiados identificados pela Turquia como estando em situação mais
vulnerável.
Já nesta
sexta-feira o Governo alemão confirmou que o primeiro grupo de
refugiados sírios – “algumas dezenas”, “sobretudo famílias
com crianças” – vai chegar ao país na segunda-feira, como
previsto. Mas à entrada para o fim-de-semana, não era ainda certo
se Atenas ou Ancara vão estar em condições de cumprir a parte mais
difícil do acordo – a de colocar pessoas em barcos para fazerem o
percurso inverso àquele em que arriscaram a vida e gastaram o
dinheiro que tinham.
As Nações Unidas,
as organizações de defesa dos direitos humanos e juristas
sucedem-se nas críticas a um acordo que a UE diz ser imprescindível
para reconquistar o controlo sobre as suas fronteiras, depois de um
milhão de pessoas ter chegado à Europa em menos de um ano. O
contraponto, denunciam os críticos, é que todos os que chegaram
depois de 20 de Março (dia em que o acordo entrou em vigor) passaram
a ser classificados como “migrantes irregulares”. E mesmo os que
teriam direito a asilo na Europa, arriscam-se a ser mandados para
trás, com base na promessa feita pela Turquia de dar protecção
internacional a todos os sírios fugidos da guerra e aos que cheguem
ao país através daquela fronteira.
“No desespero para
selar as suas fronteiras, os líderes da UE ignoraram
intencionalmente o mais simples dos factos: a Turquia não é um país
seguro para os refugiados sírios e está a tornar-se menos seguro a
cada dia que passa”,
John Dalhuisen,
Amnistia Internacional
Mas não é isso que
está a acontecer na prática, garante a Amnistia Internacional. “Nas
províncias do Sul, as autoridades turcas estão a reunir e a
expulsar quase todos os dias, desde meados de Janeiro, grupos que
rondam uma centena de homens, mulheres e crianças”, denuncia um
relatório da organização, baseado em entrevistas com famílias de
pessoas deportadas. Muitos dos que estão a ser levados não se
registaram como refugiados – passo essencial para aceder aos
serviços básicos –, mas a Amnistia diz ter também relatos de
sírios que foram expulsos por não terem consigo os documentos no
momento em que foram interpelados pela polícia.
Entre os que foram
expulsos estão três crianças, de 11, 10 e 9 anos, que viviam com a
família alargada em Antakya, no Sul da Turquia, e que foram detidas
quando estavam num parque acompanhadas apenas por dois tios. Como só
um deles tinha documentos, foram todos detidos, levados de autocarro
para a fronteira de Bab al-Hawa e reconduzidos à Síria, onde
permanecem num campo para deslocados. “Eles não estavam sozinhos.
Ao todo eram sete autocarros, com cerca de 30 pessoas cada – a
maioria famílias”, contou um dos familiares das crianças à
Amnistia, cujos investigadores consideram “altamente provável”
que a Turquia tenha expulsado “milhares de refugiados nas últimas
sete a nove semanas”.
“No desespero para
selar as suas fronteiras, os líderes da UE ignoraram
intencionalmente o mais simples dos factos: a Turquia não é um país
seguro para os refugiados sírios e está a tornar-se menos seguro a
cada dia que passa”, acusou John Dalhuisen, director da Amnistia
Internacional para a Europa e Ásia Central, avisando que, se o
acordo negociado com Ancara for posto em marcha, “há um risco
muito real de que algumas das pessoas que a UE reenviar para a
Turquia podem ter o mesmo destino” dos que já foram reconduzidos
ao país em guerra.
Um porta-voz do
Ministério dos Negócios Estrangeiros turco ouvido pela Reuters
assegura que nenhum sírio foi mandado de volta para o seu país
contra a sua vontade e recorda que, sozinho, o país recebeu nos
últimos cinco anos 2,7 milhões de sírios, quase o triplo de todos
os refugiados que chegaram à Europa em 2015.
O Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) partilha, no entanto,
algumas das reticências da Amnistia e, nesta sexta-feira, voltou a
pedir à UE que não comece os reenvios “até existirem garantias
de que todos os mecanismos legais de salvaguarda estão a ser
aplicados”, o que ainda não acontece. O ACNUR teme sobretudo que a
Turquia comece a deportar refugiados em massa para o Irão,
Afeganistão ou Eritreia, países com os quais está a negociar
acordos de readmissão, desvalorizando os riscos para a sua
segurança.
Situação agrava-se
na Grécia
Apesar das
incertezas, das denúncias e dos alertas, os responsáveis europeus
acreditam que na segunda-feira haverá pelo menos um barco a sair das
ilhas gregas – presumivelmente de Lesbos – em direcção ao porto
turco de Dikili, nos arredores de Izmir. “Há um compromisso firme
da Turquia e da Grécia para reenviarem 500 pessoas no dia 4, salvo
problema de última hora”, disse à AFP uma fonte europeia,
acrescentando que o primeiro grupo será escolhido entre “sírios,
afegãos e paquistaneses que não tenham pedido asilo”. A Turquia
assegura também que tem tudo pronto para, no mesmo dia, enviar para
a Europa os primeiros refugiados.
Pressionada pelos
parceiros europeus, a Grécia aprovou nesta sexta-feira uma alteração
à lei de asilo para permitir o reenvio de refugiados para “países
terceiros seguros” – a Turquia não está explicitamente referida
na proposta, dadas as reticências de Atenas com as acções do
Governo de Ancara em relação à minoria curda ou à liberdade de
imprensa. Mas o país espera ainda os 2300 agentes europeus que lhe
foram prometidos para o ajudar a registar e a processar todos os
pedidos de asilo – sem isso, ninguém poderá ser enviado de volta.
A incerteza agrava o
ambiente de tensão entre os milhares de refugiados encurralados no
país, a viver em condições cada vez mais degradantes, seja na
fronteira de Idomeni (onde 11 mil pessoas não desistem há semanas
de esperar pela reabertura da fronteira), no porto de Pireu (seis mil
refugiados retirados das ilhas foram amontados ali nos últimos dias)
e sobretudo nas ilhas do Egeu, onde todos os que chegaram desde 20 de
Março são mantidos em regime fechado nos centros que eram até
agora de registo.
Nos últimos dias
houve confrontos em vários locais – oito pessoas ficaram feridas
quarta-feira numa rixa entre afegãos e sírios no porto de Piréu –
e nesta sexta-feira cerca de 300 dos 1500 refugiados detidos no
centro de registo de Chios, derrubaram a vedação de arame farpado,
dirigindo-se para o porto da ilha.
“Dizem que não
querem voltar à Turquia e temem pela sua segurança depois dos
confrontos da noite passada”, contou à Reuters um porta-voz da
polícia local, referindo-se a confrontos entre grupos de diferentes
nacionalidades que tinha já provocado avultados danos no centro. “O
risco de pânico e de ferimentos nestes locais é real”, voltou a
avisar o ACNUR, que se opõe ao regime de detenção imposto pelas
autoridades gregas.
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