Saída de moradores e lojistas
transforma centro de Lisboa e motiva preocupação
04.05.2018 às 15h52
http://expresso.sapo.pt/…/2018-05-04-Saida-de-moradores-e-l…
TIAGO MIRANDA
Rendas altas, saída dos moradores para a periferia da cidade
e falta de apoios são alguns dos problemas para o abandonado do centro de
Lisboa. “Houve algum exagero que importa corrigir” é a opinião de Victor Silva,
dirigente da Associação de Valorização do Chiado, sobre medidas aplicadas às
habitações lisboetas
LUSA
A transformação do centro da cidade de Lisboa, com o aumento
das rendas, a saída de moradores e o fecho de lojas, preocupa crescentemente
associações e coletividades da zona, onde já é mais difícil encontrar
participantes para as marchas populares.
Segundo o vice-presidente da Associação de Dinamização da
Baixa Pombalina, Vasco Melo, a Baixa tem assistido ao encerramento de muitas
lojas "quer por negociação entre as empresas e os senhorios, quer por
denúncia dos senhorios para a realização de obras profundas, quer por fim do
período transitório do NRAU [Novo Regime de Arrendamento Urbano]".
Em declarações à Lusa, Vasco Melo lamentou que muitos
estabelecimentos comerciais estejam a ser substituídos por lojas de 'souvenirs'
- e não percebe como é que "têm rentabilidade para pagar rendas
elevadas" - ou por hotéis, hostels e alojamentos locais.
O NRAU, sublinhou, pretendia nivelar o valor das rendas
novas e antigas, mas o que aconteceu foi que "as rendas novas dispararam
para preços que hoje qualquer empresa comercial normal que vá por racionalidade
económica não consegue pagar".
COMERCIANTES JÁ SE “CONTAM PELOS DEDOS”
O dirigente da Associação de Valorização do Chiado, Victor
Silva, acredita que "havia muitos negócios instalados que não geravam
negócio e se mantinham pelo não aumento das rendas", o que "também
não era bom para a cidade". No entanto, considera "que houve algum
exagero que importa corrigir", até porque os comerciantes já se
"contam pelos dedos".
A cidade de Lisboa, apontou, perdeu cerca de 300 mil
habitantes nos últimos 30 anos, "enquanto o investimento ia todo para as
periferias".
No entender do responsável, "o caos com o
trânsito" e os valores excessivos de estacionamento fazem com que as
pessoas "comecem a deixar de ir para o centro histórico" e escolham
as grandes superfícies.
"Chega a ser colocada sinalética a indicar o [centro
comercial] Colombo na Baixa e nós temos de pedir para retirar", apontou.
As dificuldades chegam também às coletividades históricas no
centro de Lisboa, como é o caso da Academia Recreio Artístico, que está a
sofrer com o aumento do valor das rendas, uma "asfixia" que coloca a
segunda coletividade mais antiga de Portugal em risco de "ter de fechar
portas".
O presidente, Armando Oliveira, disse à Lusa que a
coletividade, na freguesia de Santa Maria Maior, "sofreu e está a sofrer
as consequências drásticas de um aumento inusitado de rendas", com valores
que rondavam os 400 euros e que aumentaram para 1300 euros.
Segundo o representante, hoje é imperativo conter custos,
uma vez que os auxílios "são praticamente inexistentes" e que as
receitas da Academia Recreio Artístico "não se compadecem com uma renda
deste tipo".
HABITANTES EXPULSOS E MENOS PESSOAS PARA AS MARCHAS
Já o Grupo Desportivo do Castelo e o Grupo Desportivo da
Mouraria não têm sofrido com o aumento das rendas uma vez que ocupam espaços
camarários, mas mantêm-se de pé com dificuldades associadas à falta de pessoas
e de apoios.
O vice-presidente do Grupo Desportivo do Castelo, Carlos
Oliveira, referiu que há muitas pessoas "a serem expulsas das casas onde
nasceram porque o aumento das rendas foi brutal" e acrescentou, com
ironia, que "a cidade já perdeu os seus bairros mais emblemáticos, a tal
ponto que esta casa, organizadora desde os anos 30 da marcha do Castelo, está a
pensar em propor para o próximo ano que em vez de arcos sejam turistas a arrastar
os tróleis".
"Uma marcha popular são cerca de 70 pessoas. O grupo
desportivo está a organizar a marcha deste ano e o Castelo vai sair novamente.
Apenas três pessoas moram no bairro. Todos os outros são filhos desta
comunidade, mas têm de vir de fora", acrescentou.
No bairro da Mouraria, a situação é idêntica. A coletividade
não tem sofrido com as rendas, por estar instalada num edifício camarário, mas
há outras despesas para pagar, nomeadamente água e luz, exigindo assim
"esforço e trabalho", referiu à Lusa a vice-presidente do espaço,
Carla Correia, destacando que a associação se mantém de pé por gosto e que quem
trabalha no bar não é remunerado.
FALTA DE APOIOS COLOCAM ASSOCIAÇÕES EM RISCO
Muitos habitantes têm sido despejados do bairro e já não há
pessoas suficientes para duas marchas populares, como antigamente.
Ainda assim, Carla Correia está confiante de que "com
muito esforço" a associação continuará erguida.
No que diz respeito a apoios externos, os dirigentes destas
associações dizem que a Associação das Coletividades do Concelho de Lisboa, à
qual os associados têm de pagar 75 euros por mês, não presta qualquer apoio.
"Podiam congregar vontades, levar as coisas por diante,
não me parece que estejam interessados", referiu Carlos Oliveira.
A Lusa tentou contactar a associação, o que não foi ainda
possível.
O mistério das lojas asiáticas
O perigo de generalizações exige-nos prudência e cautela, mas também
não nos pode conduzir à paralisação e à apatia.
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
12 de Julho de 2017, 6:06
Este artigo é totalmente baseado e sustentado por citações e
constitui um convite aos ilustres jornalistas para traduzirem estas perguntas e
questões em investigações, que possam contribuir para o desvendar deste
mistério.
“Durante o primeiro período de trabalho de campo havia 60
lojas de bangladechianos nesta zona de Lisboa. Em 2006 eram já 80 ao longo da
Avenida Almirante Reis, Rua da Palma, Calçada dos Cavaleiros, Rua do
Benformoso, Largo do Intendente, Rua de São Lázaro e nos centros comerciais Mouraria
e Martim Moniz. Em 2008, ocupavam já mais de 150 lojas, entre a Praça Martim
Moniz e imediações, os Anjos e a baixa lisboeta (onde, só no último ano,
abriram mais de 30 lojas).”
Isto afirma José Mapril em 2010 num estudo académico
publicado na Etnográfica Revue. Num levantamento desenvolvido pelo sociólogo
Guilherme Pereira ele assinala que desde 2010/12, na zona da Baixa, as lojas de
souvenirs low-cost (LLC) de fabrico massificado e pretensamente português ou
representativos de Lisboa passaram de nove para 90!
Muito recentemente, Carla Salsinha (2017), a presidente da
UACS, avisava com pertinência e urgência: “Todos os tipos de comércio têm
direito a existir”, mas confessou ter dificuldade em entender a concentração de
lojas de recordações turísticas de baixo custo e de kebabs, “em locais onde os
comerciantes portugueses não conseguem sobreviver”. Apesar das rendas cada vez
mais altas, só na Baixa haverá 97 lojas de souvenirs detidas por cidadãos do
Bangladesh, disse a presidente da UACS. E depois, para além dessas, há todo um
mundo de lojas muito caras e das grandes cadeias multinacionais. Tudo isto
estará a criar um quadro muito desfavorável para o comércio convencional.
Salsinha denuncia uma total ausência de planeamento
estratégico por parte da CML, do chamado Urbanismo Comercial nos
licenciamentos, de forma a garantir um equilíbrio. Além disso, os produtos de
fabrico massificado e pretensamente “portugueses” garantem um tsunami de
plástico e quinquilharia híbrida, que afecta e domina largamente o ambiente e a
imagem de uma zona que se pretendia como a historicamente central e nobre de
Lisboa.
Em 2014, a conceituada e respeitada professora Raquel
Varela, especialista nas questões do Trabalho, já tinha referido o efeito
nocivo e incompreensível deste fenómeno: “As mercearias asiáticas em Portugal
fazem dumping como fazem as empresas-monopólio portuguesas cujos preços e a
produção é inteiramente — e sem qualquer livre concorrência que não a da
aparência jurídica — por estas fixada. Não faço ideia se as ditas mercearias
são indianas, do Bangladesh, ou do Paquistão, nem me interessa, se fossem
alentejanas e fizessem dumping eram as mercearias alentejanas que, como fazem
dumping, não podem vender produtos de qualidade nem ter trabalhadores com
condições dignas. Entram em Lisboa, e noutras cidades, com salários mais
baixos, horários não controlados por ninguém e condições laborais desconhecidas
— muitas com um regime fiscal abonatório durante cinco anos.”
Seguindo esta linha de questões, a jornalista Sónia Simões
publicava um artigo no Observador (18 Março 2016): “Nos últimos meses, o número
de mercearias e frutarias tem crescido abruptamente nas ruas dos bairros
históricos de Lisboa. E não só. Já se começam a fazer notar noutros concelhos.
Para tal, também contribuíram as leis portuguesas. Por um lado, como sublinhou
ao Observador o vereador Duarte Cordeiro com o pelouro da Economia e Inovação
da Câmara de Lisboa, o Licenciamento Zero, que vem simplificar a vida aos
empresários que queiram abrir um negócio. Por outro, refere o responsável pelo
SEF, a própria Lei dos Estrangeiros, que dispensa os vistos de trabalho para a
autorização de residência no país.
Assim, qualquer cidadão estrangeiro que obtenha um contrato
de trabalho e faça descontos para a Segurança Social consegue automaticamente
uma autorização de residência — o que não acontece noutros países da Europa.
‘Temos indícios de que algumas lojas possam estar a ser usadas para esse fim’,
reconhece o investigador. Sempre que os serviços de fiscalização do SEF se
deparam com vários contratos de trabalho em nome de uma mesma empresa, abrem um
inquérito para apurar se existe, de facto, uma relação laboral, ou se é uma
relação fictícia. Daí as empresas estarem frequentemente ‘a rodar’. Isto é, a
abrir e a fechar, mas mantendo os mesmos espaços comerciais.”
Para terminar, o perigo de generalizações grosseiras e de
estigmatizações ou mesmo de inaceitáveis discriminações de grupos étnicos
exige-nos prudência e cautela, mas também não nos pode conduzir a uma
paralisação e apatia impedidora, inibidora e neutralizadora dos mais básicos
princípios de análise, dedução e discernimento daquilo que é evidente. Trata-se
do equilíbrio e futuro de Lisboa!
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