sábado, 5 de maio de 2018

Os maiores a tirar bicas



Os maiores a tirar bicas

Há um indiscutível talento “tuga” para o abarracamento. Ele constitui grave sintoma da transformação de Portugal num país de estalajadeiros

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
5 de Maio de 2018, 9:00

1998 é o ano da abertura da Expo. É também a data de um novo perfilamento de Portugal e da sua vocação no presente e no futuro.

O Portugal que tinha deixado o ciclo do império, sem complexos e saudosismos, e que se definia agora como uma nação europeia, capaz de, com criatividade e modernidade, se integrar no projecto europeu sem negar o grande tema da sua vocação atlântica.

Álvaro Siza, vindo da Escola do Porto, e continuador da visão de Fernando Távora de uma modernidade do “regionalismo crítico”, concebeu um notável pavilhão com a responsabilidade de representar Portugal neste contexto internacional.

A sua linguagem arquitectónica, no seu jogo de volumetrias e luz, representa em tipologias intemporais, redutoras do classicismo, a dignificante gravitas exigida pelo tema e, num grande momento de criatividade arquitectónica e prodígio de engenharia, cria uma pala que unifica e determina o espaço de uma praça simbólica.

Ora, o pavilhão depois de contínuos episódios de hesitações, encontra-se órfão e abandonado. Ele transformou-se num novo símbolo. O símbolo de um país adiado.

Um país que não se cumpriu.

Assim, a última utilização encontrada para esta praça e respectiva pala foi a de um conjunto de barracas (ver foto ao lado), parece agora para marcar outra internacionalização, esta Eurovisão. Sim, já nos tinham habituado com as intervenções no Terreiro do Paço, e noutros locais, ao indiscutível talento “tuga” para o abarracamento, que se vai propagando por tudo quanto são espaços públicos, simbólicos e nobres.

Esta decadência e banalização é ilustrativa de um estado de cegueira contagiante e alienada.

Ela constitui grave sintoma da transformação de Portugal num país de estalajadeiros.

Num processo de globalização galopante e internacional, de repente fomos descobertos pelo turismo de massas. Com ele vieram processos que nos ultrapassaram e que nos tornaram dependentes e vassalos de uma economia global e de um potencial financeiro que nada tem que ver com as realidades da economia local. As consequências destruidoras e alienantes para a identidade local e cultural, para o direito à habitação, para o processo asfixiante de emprisionamento no trabalho dependente e precário, enfim, para todo o ecossistema social e humano são evidentes.

Portanto, não nos espantemos para esta nova utilização encontrada em espaço tão simbólico como a praça do Pavilhão de Portugal.

O símbolo é adequado, porque ilustra e representa um sintoma de uma nova vocação, e única perspectiva, para este antigo povo atlântico na Europa das “Eurovisões”:  os maiores a tirar bicas.

Historiador de Arquitectura

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