Icomos outra
vez crítico do Porto. E Gaia também não escapa
"Fachadismo",
"renovação" em vez de reabilitação e esvaziamento populacional, com
"gentrificação" à mistura, descreve o Icomos à UNESCO.
PATRÍCIA CARVALHO 26 de Maio de 2018, 8:29
O órgão consultor da
UNESCO está preocupado com a pressão turística sobre a habitaçãoFoto
O último relatório técnico do Icomos Portugal sobre a
situação do Centro Histórico do Porto, Ponte Luiz I e Mosteiro da Serra do
Pilar, a área classificada como Património da Humanidade pela UNESCO, mantém as
críticas ao modo como o bem está a ser gerido e preservado. A entidade
consultora da UNESCO abre o documento de Fevereiro afirmando que há “vários
ataques à integridade e autenticidade” da zona classificada e elenca vários
exemplos, dando agora um enfoque especial ao despovoamento do centro histórico
e à “pressão” sobre os moradores, provocada pelo turismo. A Câmara de Gaia
também é visada, por causa do projecto da Cidade do Vinho.
Comecemos por aqui. Relembrando, tal como já denunciara num
documento prévio, que a área classificada continua sem Zona Especial de
Protecção (ZEP), depois de a Câmara de Vila Nova de Gaia ter apresentado uma
acção em tribunal contra a sua constituição – que ganhou –, o Icomos retoma o
tema a propósito do projecto da Cidade do Vinho, que irá nascer numa zona de
antigos armazéns do vinho do Porto. “A aprovação do projecto de Gaia dependeu
exclusivamente da Câmara de Gaia, responsável pelo cancelamento da ZEP”,
escreve a presidente do Icomos, Soraya Genin, no relatório a que o PÚBLICO teve
acesso. Qualquer relação de causalidade entre as duas iniciativas não é,
contudo, avançada pelo Icomos, além desta constatação.
O projecto da margem Sul do rio Douro é apresentado, ao lado
de vários outros, no Porto, como um mau exemplo do que tem vindo a ser feito.
No relatório refere-se mesmo que “é incompreensível que as entidades (de gestão
e protecção) tenham aprovado todos estes projectos que põem em risco o valor universal
do bem classificado, a sua autenticidade e integridade”. No lote dos maus
exemplos e do “fachadismo” está o já várias vezes referido projecto do
quarteirão das Cardosas, mas também a intervenção no quarteirão da Casa Forte,
na Praça de Carlos Alberto, no edifício d’A Brasileira ou na antiga Pensão
Monumental. No caso das Cardosas e da Casa Forte, o Icomos alerta mesmo que o
que considera serem “intervenções destrutivas” na zona histórica “são
promovidas pelo organismo responsável pela implementação do Plano de Gestão do
Centro Histórico, a Sociedade de Reabilitação Urbana”.
Não perdendo de vista o edificado, o relatório do Icomos
foca-se, desta vez, no esvaziamento populacional do centro histórico e na
transformação de muitas habitações permanentes em alojamento turístico. “Indo
contra as recomendações [internacionais], há uma perda gradual das
características do tecido e paisagem urbana, após demolições massivas de
edifícios históricos e novos, bem como um crescente esvaziamento populacional
do centro histórico do Porto. Estes problemas são comuns a muitas cidades
históricas que estão a ser transformadas pela pressão crescente dos turistas,
da indústria do Turismo, da intensificação do desenvolvimento imobiliário, da
gentrificação, da transformação de edifícios históricos para novas necessidades
e estilos de vida de uma população mais abastada. Apenas uma gestão e protecção
eficientes (o que não é o caso actual) poderia ajudar a travar estes
problemas.”
O Icomos defende que muitas intervenções apresentadas como
reabilitação “acabam por ser operações de renovação destinadas a uma nova
população que substitui a antiga e desfigura os edifícios históricos e espaços
públicos”. E neste capítulo, expressamente dedicado a “pressão turística e
despovoamento”, refere-se ao que classifica como “efeitos perversos” do
crescimento da “pressão turística”. “A gentrificação está patente em algumas
áreas do Porto: os edifícios são comprados, especialmente por investidores
estrangeiros, e transformados em hotéis, ou outras formas de alojamento
turístico. Em consequência disso, o acesso à habitação permanente tornou-se
muito mais difícil, senão impossível, para a população local das áreas
históricas, particularmente por razões monetárias. Ao mesmo tempo, estamos a
assistir ao desaparecimento das lojas tradicionais, que dão à cidade do Porto o
seu carácter único.”, descreve Soraya Genin.
A entidade consultiva avança com números recolhido junto do
Registo Nacional de Turismo para o Porto, para justificar a conclusão anterior:
entre Abril de 2009 e Abril de 2010 fizeram-se oito pedidos para alojamento
local na cidade; entre Abril de 2015 e Abril de 2016, os pedidos já eram 849.
“Apenas no site do Airbnb existem 2710 unidades de alojamento no Porto”,
acrescenta-se. Já a população do centro histórico, avalia o Icomos recorrendo
aos últimos três Censos, desceu “mais de metade”, em relação à que era quando o
centro histórico da cidade foi classificado pela UNESCO, em 1996.
Depois da análise, dura, como de costume – e que já levou o
presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, a acusar o organismo de “portofobia
aguda”, a propósito do projecto para a Estação de S. Bento –, o Icomos deixa
recomendações que, frisa, devem ser tomadas de forma “urgente”. A presidente do
órgão consultor da UNESCO pede ao Comité do Património Mundial que peça “uma
gestão efectiva e de protecção” da área classificada no Porto e Gaia, bem como
a instauração da ZEP e o desenvolvimento de um “plano de salvaguarda
detalhado”.
Ao comité internacional pede-se ainda que avalie as
intervenções já feitas, olhando para os projectos de arquitectura, e as que
estão em curso, mas – alerta-se – olhando também para os projectos reais, “em
particular planos de alteração (e não os estudos preliminares, como os enviados
sobre o quarteirão das Cardosas, que não mostravam as demolições)”, já que, diz
o Icomos, voltando a este exemplo, a informação enviada pelo município é
"incompleta ou falsa". Por fim, o Icomos pede ainda que seja avaliada
a saída de moradores “completas ou em curso”, bem como “as medidas de
realojamento” aplicadas, pedindo “uma atenção total e a curto prazo” a tudo o que
é descrito no relatório.
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