"Deixem-me morar na
Amadora!" Como os preços loucos estão a atingir os subúrbios
29 DE MAIO DE 2018 - 06:59
Amadora, Gaia, Sintra, Odivelas, Almada... Os preços das
casas em Lisboa e no Porto estão a ter efeitos na periferia. Reportagem TSF.
Numa das muitas figuras de banda desenhada que dão cor a
ruas da Amadora, há uma personagem desconhecida que afirma "Quem tudo
quer, tudo tem!".
Liliana Carvalho podia seguir este lema na busca por casa,
mas não está nada fácil... sendo que aquilo que quer é, "apenas",
como conta, "morar na Amadora, uma cidade a que ninguém, há poucos anos,
dava um tostão furado...".
Cansada das notícias e mais notícias com os
"holofotes" sobre os preços das casas e arrendamentos em Lisboa e no
Porto a relatarem casos de quem é expulso pelos turistas e estrangeiros,
Liliana escreveu para um grupo no Facebook (Morar em Lisboa) um texto em que
explica o seu problema.
Tem 33 anos, vive na casa dos pais e já não ganha assim tão
mal, mas não consegue uma casa na cidade onde nasceu e quer continuar a viver:
"Sim, pode ser estranho para quem me ouve", confessa, com alguma
tristeza e ironia misturadas, "mas deixem-me morar na Amadora".
Mais do que ler, ouça a reportagem de Nuno Guedes com a
arqueóloga que quer viver na Amadora ou o idoso que vive num anexo na Brandoa e
tem medo que a senhoria decida aumentar a renda. Um trabalho com sonoplastia de
Pedro Simões Ribeiro.
Se Lisboa (ou o Porto) está a ser invadida por estrangeiros,
quem vive em Lisboa (ou no Porto) não pode ficar sem casa. As classes baixa,
média e até média-alta que viviam em Lisboa (ou no Porto) têm de viver em algum
lado e estão a 'invadir' os concelhos vizinhos.
"Se Lisboa está a ser tirada aos lisboetas",
defende a arqueóloga, "os lisboetas ou outros típicos habitantes de Lisboa
(por exemplo, estudantes) estão a 'roubar' a Amadora aos amadorenses", tal
como está a acontecer noutros concelhos.
Até os mediadores já estão preocupados com os preços
Os números parecem confirmar o receio e a experiência de
Liliana Carvalho, que anda há meio ano à procura de casa para alugar na Amadora
e não consegue nada dentro daquilo que pretende gastar: 400 euros, dinheiro que
só lhe permitiu encontrar habitações que parecem, como diz,
"buracos".
Entre 2016 e 2017 o Instituto Nacional de Estatística (INE)
contou um aumento de 30% nos preços das casas em Lisboa e em Oeiras, 27% no
Montijo, 25% em Espinho e na Amadora (lá está, na Amadora!), e a rondar os 20%
em Alcochete, Cascais, Porto, Almada, Maia, Odivelas, Loures, Sintra, Mafra,
Vila Franca de Xira, Barreiro.
Casas que duplicaram de preço
Quem anda no terreno, como o mediador José Gomes, garante,
no entanto, que o aumento dos preços foi muito maior os anos em análise forem
alargados (números que o Instituto Nacional de Estatística não tem).
À porta da sucursal de uma grande marca de mediadoras
imobiliárias que, não por acaso, abriu uma loja há pouco tempo na Reboleira,
uma freguesia que sempre foi conhecida pelas casas baratas, José Gomes aponta
para vários folhetos que tem na montra com preços de venda que, garante, se
fosse há meia dúzia de anos seriam perto de metade.
Casas para arrendar, então, praticamente desapareceram, pelo
que o conselho que dá, quase sempre, a quem bate à porta é que compre pois a
despesa mensal é muito mais baixa, algo difícil de enfiar na cabeça de gerações
que andaram anos a ouvir que o melhor é alugar para não ficarem presos a uma
casa numa época em que os empregos não são para a vida.
O efeito dominó
Na prática, quem comprou casa quando o mercado estava em
baixo, há muito poucos anos, fez o negócio que pode ter sido de uma vida. Quem
alugou em época de vacas magras reza ou faz figas para que o senhorio não se
chateie por alguma razão e perceba que o mercado está como está e pode aumentar
a renda que mesmo assim vai ter inquilinos.
José Gomes acrescenta que é óbvio que as casas na Amadora,
Sintra ou outros concelhos à volta de Lisboa não têm os preços loucos de
Lisboa, mas há uma espécie de efeito dominó em que os vários mercados da
habitação crescem quase em paralelo.
Um efeito confirmado pela Associação dos Profissionais e
Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). O presidente, Luís Lima,
também está preocupado e admite que a história da arqueóloga Liliana é comum a
milhares de pessoas que viviam e querem continuar a viver nas cidades da
periferia do Porto e Lisboa: os preços subiram e aquilo que podiam pagar para
viverem onde sempre viveram já dificilmente se encontra.
Um anexo na Brandoa
Liliana Carvalho conta que já não ganha tão mal como no
passado, estará dentro da média nacional, mas já fez contas e, se seguir os
conselhos dos gurus das finanças pessoais - que dizem que ninguém deve gastar
mais de um terço do rendimento na habitação -, arrisca-se a só ter uma
hipótese: ir viver para Alcobaça...
Vítor Fernandes é outro caso: há dois anos alugou um T1 que
mais não é do que um anexo na Brandoa, uma zona da Amadora que já foi conhecida
por ser o maior bairro clandestino da Europa, mas onde os preços também não
param de subiram.
Reformado, com 67 anos, Vítor ainda apanhou o mercado numa
fase razoável: paga 250 euros e nem se atreve a queixar-se dos muitos problemas
que a casa tem pois sabe que o senhorio quer é vê-lo pelas costas. "A 250
ou mesmo 300 euros já ninguém arranja nenhuma casa na Brandoa, nem
anexos...", conclui.
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