Por que é que a “guerra à segunda
fila” está sempre a ser anunciada e a falhar?
Samuel Alemão
Texto
29 Maio, 2018
Nas últimas semanas, a Câmara de Lisboa lançou uma campanha
contra o estacionamento em segunda fila. Coordenada pela EMEL, com a
colaboração da Polícia Municipal e a Carris, bem como de entidades como o
Automóvel Clube de Portugal, tem como mote “Segunda Fila Não é Opção”. Um tom
talvez ligeiramente mais brando que o da campanha anterior, de Outubro de 2013,
que era “Estacionar em segunda fila não tem desculpa”. Desde 2007, quando o PS
reconquistou a autarquia da capital, esta é, pelo menos, a quarta campanha
visando erradicar a segunda fila. Uma prioridade de António Costa quando chegou
à câmara. O problema, porém, persiste. “Isto não vai lá só com companhas de
sensibilização”, diz a Associação dos Cidadãos Auto-Mobilizados, para quem é
necessário apertar na fiscalização e continuar a reduzir o espaço dado ao
automóvel no espaço público.
A Câmara de Lisboa lançou, nas últimas semanas, uma campanha
contra o estacionamento em segunda fila e a algo que lhe está associado, o não
cumprimento das regras de cargas e descargas. Sob o mote “Segunda Fila Não é
Opção”, e levada a cabo pela Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento
de Lisboa (EMEL), em coordenação com a Polícia Municipal e a empresa municipal
Carris, e contando ainda com a colaboração de entidades como o Automóvel Clube
de Portugal (ACP) e as associações de comércio, hotelaria, restauração e
serviços, a campanha promete acabar com um dos males frequentes do espaço
público da capital. A acompanhar a jornada mediática de “sensibilização”, que
inclui panfletos, cartazes nas ruas e um sítio dedicado à pedagogia do bem
estacionar, está também em marcha uma operação de fiscalização. “Temos todos de fazer um grande esforço para
que não haja segundas filas na cidade de Lisboa”, disse o vereador da
Mobilidade, Miguel Gaspar.
O problema é que, em pouco mais de uma década, esta já é,
pelo menos, a quarta campanha do género promovida pela autarquia da capital,
seja através da Polícia Municipal ou da EMEL, contabilizou O Corvo. Desde o
Verão de 2007, quando António Costa e o PS reconquistaram a chefia da autarquia
da maior cidade do país, têm sido frequentes as promessas de erradicar o
estacionamento abusivo em segunda fila. Essa foi, aliás, uma das prioridades do
actual primeiro-ministro quando entrou nos Paços do Concelho, há quase 11 anos,
dando seguimento a uma das promessas de campanha eleitoral. Pouco depois de
tomar posse, anunciou uma vasta operação para debelar o arreigado hábito dos
condutores lisboetas, responsável graves constrangimentos na circulação
rodoviária. De lá para cá, sucederam-se as campanhas. Mas também não têm
faltado os momentos de público reconhecimento da incapacidade para atacar a
questão. Basta fazer uma pesquisa sobre que foi dito e publicado na imprensa.
A 12 de Setembro de 2007, apenas pouco mais de um mês após
assumir funções como presidente da Câmara Municipal de Lisboa – após eleições
intercalares, convocadas após a queda do executivo de Carmona Rodrigues -Costa
dá início a um campanha que tinha por objectivo o surgimento de uma “cidade sem
barreiras”. Visando atacar o estacionamento abusivo, quer ele fosse em segunda
fila ou em cima do passeio, a iniciativa prometia acabar de vez com dois dos
piores hábitos em contexto urbano do automobilistas nacionais. Para tal
sucedesse, prometia-se a acção concertada da Polícia Municipal, da PSP e da
EMEL, com o aviso de que os infractores seriam penalizados não apenas com a
coima, mas também o reboque da sua viatura para os parques municipais – tendo,
na altura, sido inaugurado um junto ao Centro Comercial Colombo. Anunciava-se
ainda que “a autarquia vai apostar no reforço da fiscalização pela Polícia
Municipal (PM), que a partir de 1 de Outubro incluirá mais 150 agentes, na
sequência do acordo que será assinado hoje entre a CML e o Ministério da
Administração Interna”.
Essa medida
administrativa não terá, contudo, sido fácil de concretizar. Isto porque só em
Abril de 2009 é que a tal centena e meia de agentes policiais passou a estar às
ordens da PM de Lisboa. Momento então aproveitado por António Costa para
prometer alocá-los à necessária missão de combate ao estacionamento em segunda
fila. “Esses agentes terão uma missão muito clara, o combate ao estacionamento
em segunda fila e em cima dos passeios”, anunciava o edil aos jornalistas, à
margem de uma cerimónia de entrega a moradores de chaves de casas no Castelo
reabilitadas coercivamente pela câmara. Naquele dia 16 de Abril de 2009, e
citado pela agência Lusa, Costa dizia que a luta contra este flagelo “não se
faz com multas, mas com polícias na rua, que previnam as infracções”. E
explicava que os anunciados 150 agentes viriam do contingente de 600 agentes
que então existiam na Divisão de Trânsito, “aliviando-os dessa tarefa e
permitindo à PSP concentrar-se naquilo que é a sua competência, a segurança”.
Nesse ano, nas autárquicas de Outubro, seria reeleito.
Tal como aconteceria em Outubro de 2013. Pesquisando sobre a
questão do parqueamento abusivo nos jornais cujos artigos permanecem online,
encontra-se a notícia do PÚBLICO de 10 de Fevereiro desse ano com o título
“EMEL declara guerra ao estacionamento em segunda fila”. Há cinco anos, a EMEL
prometia autuar e rebocar os carros encontrados nessas situações num conjunto
de 20 artérias da capital. Algo que apenas aconteceria cinco dias depois, já
que numa primeira fase a acção dos elementos da empresa municipal seria apenas
“pedagógica”. “As equipas de fiscalização vão informar e sensibilizar todos os
condutores”, explicava um porta-voz da EMEL, revelando ao jornal “que aos
automobilistas estão a ser entregues panfletos dando conta de quais as artérias
onde já ocorreu um reforço da fiscalização”. Nessa altura, a campanha de
comunicação era feita através da distribuição de panfletos e anúncios na rádio
e tinha um lema bem mais enfático que o actual: “Estacionar em segunda fila não
tem desculpa”.
A lista dos vinte
arruamentos sujeitos a essa investida fiscalizadora era a seguinte: Avenida de
Berna, Avenida João XXI, Avenida 5 de Outubro, Avenida António Augusto de
Aguiar, Avenida Miguel Bombarda, Avenida João Crisóstomo, Avenida Duque
d’Ávila, Avenida Marquês de Tomar, Avenida de Roma, Rua Frei Amador Arrais, Rua
Luís Augusto Palmeirim, Avenida da Igreja, Avenida Rio de Janeiro, Praça de
Londres, Avenida de Paris, Avenida Almirante Reis, Rua Luciano Cordeiro, Rua Rodrigues
Sampaio, Rua Alexandre Herculano e Rua Castilho. Algumas dessas artérias eram,
sem surpresa, coincidentes com os “alvos” apontados em Setembro de 2007:
avenidas Defensores de Chaves, Elias Garcia, Visconde de Valmor, João
Crisóstomo, Júlio Dinis, Duque d’Ávila, 5 de Outubro, de Berna e Barbosa du
Bocage. O Parque Eduardo VII, o Largo do Rato e as avenidas Infante Santo e Dom
Carlos I. Apesar disso, um porta-voz da EMEL explicava, no tal artigo do
PÚBLICO de Outubro de 2013, que, apesar de terem sido escolhidas 20 artérias
preferenciais, outras não deixariam de o ser “se tal for necessário e se a EMEL
verificar que estão a ser criadas dificuldades à circulação pelo estacionamento
em segunda fila”.
O certo é que, após esse ímpeto fiscalizador, não durou
muito até que a Câmara de Lisboa viesse admitir as suas dificuldades em levar
por diante tal empreitada. Um ano depois do anúncio da EMEL, o presidente da
autarquia vinha reconhecer a incapacidade em conseguir debelar o problema. Numa
reunião de vereação, em Outubro de 2014, e quando confrontado sobre a questão
pelo então vereador António Prôa (PSD) – “É um problema que permanece e que
urge ser resolvido. Dificilmente se compreende falta de intervenção na cidade
de Lisboa”, disse o eleito laranja – , António Costa disse, citado na altura
pela agência Lusa, que a sua fiscalização era difícil com o número de efectivos
de que Polícia Municipal dispunha no momento. Mas deixou no ar a esperança de
conseguir reverter a situação, com o anúncio de que seria aberto um novo curso
de formação “em breve”. Nessa altura, haviam já passado sete anos desde que
dera início à sua “guerra contra a segunda fila”.
Até que se chegou à actual campanha, a tal da “Segunda Fila
Não é Opção”. Por quê esta dificuldade em resolver um problema que, afinal, não
parece assim tão difícil? O Corvo lançou a questão a Mário Alves, especialista
em transportes e dirigente da Associação dos Cidadãos Auto-Mobilizados (ACAM).
“Só com campanhas de sensibilização, não me parece que se chegue lá, à
resolução desta questão”, considera o observador e também activista de questões
de mobilidade, para quem se revela imprescindível que a câmara proceda à
mudança do desenho urbano da maior parte das artérias da cidade. “O desenho
urbano que temos, na sua maioria estabelecido nas décadas de 70 e 80, deu
demasiado espaço aos automóveis”, diz, considerando que o facto de “as vias de
circulação serem demasiado largas”, com medidas que oscilam entre os 3,5 e os
3,75 metros, permite que se formem segundas filas muitos em locais.
“Não deviam ter mais de três metros. Dessa maneira, já não
se consegue espaço para a segunda fila”, assegura. O mesmo se passa com as
células de estacionamento dos carros, que Mário Alves vê como
sobredimensionadas no que se refere ao comprimento. “Tudo isso, conjugado, faz
com que haja demasiado espaço para o automóvel e, dessa forma, convida à
formação de segundas filas. O mesmo se passa, de resto, com a existência de
duas faixas de rodagem para cada sentido, onde elas não são necessárias. Muitas
vezes, uma só via é mais fluída do que duas vias com segundas filas, como
acontece em vários pontos da cidade. E isto acontece devido ao sentido de
impunidade de muitos automobilistas, que continuam a achar que há sempre
desculpa para parar ali por alguns instantes”, elabora o especialista. Mário
Alves lembra que noutras cidades europeias já mudaram o desenho do espaço
público “há várias décadas” e “há mais fiscalização”.
O Corvo questionou, a
17 de Maio, a Câmara de Lisboa sobre o registo anual, desde 2007, de multas
emitidas pela Polícia Municipal por este tipo de infracção ao código da estrada. Até ao
momento da publicação deste artigo, porém, não foi recebida resposta.
Confira aqui as
fontes das notícias citadas neste artigo:
https://www.publico.pt/2007/09/12/jornal/lisboa-inicia-hoje-combate-ao-estacionamento-abusivo-229336
http://www.tvi24.iol.pt/sociedade/pm/lisboa-policia-municipal-de-olho-na-segunda-fila
http://cidadanialx.blogspot.pt/2013/02/emel-declara-guerra-ao-estacionamento.html
https://www.noticiasaominuto.com/pais/298309/radares-em-lisboa-voltam-a-funcionar-em-pleno-em-janeiro
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