Ela quer pôr os lisboetas a beber em copos reutilizáveis
para acabar com os descartáveis
Samuel Alemão
Texto
24 Maio, 2018
“É uma questão de sensibilização, de chamada de atenção para
um problema que está aqui e diz respeito a todos. É importante que se perceba
isso e haja uma verdadeira mudança de mentalidade nesta matéria”. Bianca Beyer,
33 anos, alemã a viver em Lisboa há quatro anos, tem na aparente indiferença de
muita gente relativamente ao impacto ambiental do uso generalizado de
embalagens descartáveis de plástico algo que lhe tira o sono. E não vai
descansar enquanto não sentir que se caminha para a erradicação de tal hábito.
Para atingir o objectivo, fundou a associação Lisboa Limpa e com ela lançou
agora uma campanha para substituir o uso dos copos descartáveis por outros
reutilizáveis de plástico. O projecto está em teste em cinco estabelecimentos
de Lisboa e, em breve, deverá ser alargado a outros. “Isto tem pernas para
andar”, diz a activista ambiental. Cada copo custa um euro, permite múltiplas
utilizações e pode ser reembolsado nos estabelecimentos aderentes.
O caminho foi iniciado por Bianca pouco tempo depois de ter
chegado à capital portuguesa. A assistente social, que trabalhava na Escola
Alemã, em Telheiras, lembra-se de ter ficado espantada com as enormes
quantidades de lixo causado pelo uso de copos de plástico descartáveis nas ruas
da cidade, sobretudo associados aos consumos de cerveja nas zonas de diversão
nocturna. “Isto do lixo e do plástico é algo que sempre mexeu comigo”,
confessa, lembrando a orientação que sempre teve por parte da mãe para evitar
os consumos excessivos e o desperdício. “O plástico começou a ser utilizado de
forma intensiva a partir dos anos 50 e o seu uso tem aumentado de forma
exponencial. A cada segundo que passa, há 20 mil garrafas de plástico a ser
vendidas. E o pior é que muito desse plástico não é sequer reciclado. O
plástico está aqui connosco, não desaparece, e vai para os oceanos”, alerta a
ambientalista, que aposta tudo numa mudança generalizada de mentalidade e de
comportamentos.
Enquanto isso não acontece, há que fazer algo. E Bianca
Beyer não só não perde tempo à espera que outros façam, como quer ajudar a
acelerar a transformação de paradigma. Depois de ter criado a Lisboa Limpa, em
Setembro de 2015, com a qual começou a desenvolver actividades pedagógicas
junto dos mais novos, tentando sensibilizá-los para a necessidade de combater o
desperdício, pensou atacar de frente o problema dos copos descartáveis. Vinda
de um país em que o consumo de cerveja é hábito profundamente enraizado, acabou
por ir lá buscar a ideia para a sua proposta, mas olhando para o que se faz com
outra bebida: o café. Na cidade de Freiburg, foi implementado há alguns anos um
sistema de copos reutilizáveis, que se tem demonstrado popular. Algo que Bianca
pensa poder replicar aqui com os copos para a cerveja. “Aqui, há muita gente a
beber cerveja na rua, usando copos de plástico, mas na Alemanha isso não é tão
comum”, constata, antes de lamentar a aparente indiferença da comunidade em
relação ao problema.
“As grandes
cervejeiras fomentam a proliferação do plástico, porque o tornam disponível de
forma generalizada. Ou seja, não custa quase nada e, depois, o que acontece é
que estas grandes quantidades de lixo vão para o chão e são recolhidas como
lixo que vai ser queimado. Ou seja, o preço do copo de plástico não corresponde
ao seu custo ambiental”, afirma a activista, lamentando ainda que a muitos dos
jovens que saem à noite não lhes ocorram as consequências do uso imoderado de
copos descartáveis – cujo custo unitário rondará os dois cêntimos, já com os
impostos, sabe O Corvo. “Não têm consciência”, lamenta, ao evocar os momentos
em que tem saído pela noite lisboeta para promover a iniciativa dos copos
reutilizáveis da Lisboa Limpa e alertar quem com ela se cruza para os enormes
danos ecológicos resultantes do uso de recipientes descartáveis. Há, por isso,
um imenso caminho a percorrer até que se abandonem tais hábitos. O ideal,
considera, seria a proibição de copos de plástico descartáveis ou a “criação de
taxas gigantescas”, defende. Opção tomada já em várias cidades do mundo. E
mesmo no nosso país, já há quem se esteja mexer nesse sentido, como a freguesia
Cascais e Estoril, que acaba de anunciar planos para abolir palhinhas, sacos e
garrafas de plástico.
Na verdade, a acção da Lisboa Limpa corre em paralelo aos
planos da Câmara Municipal de Lisboa, revelados por O Corvo, em Janeiro
passado, para “encontrar soluções que possam levar ao abandono desta solução
para venda de líquidos na cidade”. A alteração legislativa tem estado a ser
estudada em conjunto pela autarquia e pela administração central e dá
seguimento a uma recomendação aprovada, em Novembro de 2017, na Assembleia
Municipal de Lisboa, na qual se salientava que “a utilização de copos de
plástico pelos estabelecimentos de diversão nocturna como bares e discotecas
consiste numa transferência do risco ambiental da esfera destes privados para a
esfera pública, pois a utilização de copos descartáveis reduz os custos da
actividade, reduzindo simultaneamente o valor arrecadado em sede de Taxa de
Resíduos (calculada em função do consumo de água)”.
Enquanto não chegam tais mudanças no quadro legal,
iniciativas como a criada pela Lisboa Limpa vão tentando contribuir para
alterar o paradigma. Por agora, são apenas cinco os locais aderentes: o café
Quatro Estações, no Largo de São Paulo; a associação Crew Hassan, nos Anjos; a
Associação Renovar a Mouraria; o quiosque do Melhor Bolo de Chocolate do Mundo,
na Avenida da Liberdade; e o Café Dias, em Alcântara. São dois meses de fase de
testes, durante a qual deverão ainda aderir outros estabelecimentos. “Isto só
funciona bem se houver novos cafés e bares associados. As pessoas não devem ter
medo de experimentar, os copos são laváveis e perfeitamente higiénicos. Valem
um euro e são reembolsáveis, em qualquer altura. Os que estão partidos são
substituídos. Não queremos fazer dinheiro com isto, queremos é acabar com o
lixo e os custos ambientais a ele associados”, garante Bianca Beyer, que tem
investido parte das suas poupanças neste projecto.
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