Aqui temos um tema de Cidadania ... Vale a pena relembrar um tema determinante para todo o Portugal ... para o Futuro de todos os Portugueses !
António Sérgio Rosa de Carvalho
Extraído do comunicado da LPN - Liga para a Protecção da Natureza (18 de Julho 2012):
«A recente proposta da ex-Autoridade Florestal Nacional de alteração da legislação sobre Arborização e Rearborização abre a porta à liberalização das plantações de eucalipto, ignorando que estes péssimos investimentos têm contribuído para as piores estatísticas de incêndios da Europa e para a degradação generalizada da paisagem florestal em Portugal. É uma proposta indigna para um país desenvolvido, que submete os interesses da sociedade aos interesses privados de alguns proprietários e das empresas de celulose.
Sob a égide da simplificação dos processos de autorização e da eliminação de redundâncias legais e institucionais, a proposta da ex-AFN, inédita em qualquer país civilizado, propõe a desregulação e desordenamento da actividade florestal. Os impactes irreversíveis da implementação de tal legislação não são tidos em conta, nomeadamente alguns já observáveis que contribuíram para os piores índices de fogos florestais da Europa, a perda de áreas naturais de conservação reservatórios de biodiversidade, a degradação dos solos e a desertificação do país.
A utilização extensiva e desordenada de espécies exóticas de produção industrial como o eucalipto, tem consequências absolutamente gravosas, como está documentado não só em Portugal como um pouco por todo o Mundo, reduzindo biodiversidade, degradando física e biologicamente os solos e contribuindo para um aumento brutal dos incêndios florestais. Não obstante a proposta da ex-AFN prevê, por exemplo, deferimentos tácitos dos pedidos de autorização sempre que não haja uma resposta em 30 dias. Numa altura de cortes e reestruturações em todas as estruturas do Estado, nomeadamente aquelas responsáveis pela emissão destas autorizações, o Governo propõe permissões automáticas, fazendo tábua rasa do princípio da precaução, que aconselha o contrário.
(...)
A Liga para a Protecção da Natureza considera que esta proposta é completamente inaceitável,
submetendo os interesses da sociedade aos interesses de alguns proprietários individuais e das
empresas de celulose. Ao contrário do que se anuncia no preâmbulo, não há na mesma qualquer
preocupação em salvaguardar as já raras formações de floresta nativa, em conservar a paisagem, em prevenir os fogos florestais nem em contribuir para um ordenamento florestal correcto. Apelamos a todos os cidadãos preocupados com esta questão, a manifestarem o seu desagrado enviando um email até ao próximo dia 25 para regimearboriz@afn.min-agricultura.pt.»
A Biodiversidade e a História da Floresta Portuguesa
Professor Jorge Paiva
«(...) A partir de meados do século passado (XX) os pinhais têm vindo a ser substituído por eucaliptais, particularmente de Eucalyptus globulus. Os eucaliptos interessam mais às celuloses por serem árvores de crescimento mais rápido do que os pinheiros. Nas últimas décadas incrementaram-se tão desenfreadamente as plantações de eucaliptos que se criou em Portugal a maior área de eucaliptal contínuo da Europa.
Com as montanhas ocupadas por eucaliptais, deu-se o êxodo rural pois, como os eucaliptos são cortados periodicamente de dez em dez anos, o povo não fica dez anos a olhar para as árvores em crescimento, sem ter mais nada que fazer. Isto porque os eucaliptais não dão para mais nada a não ser madeira para as celuloses, pois além de não terem praticamente mato útil, não podem ser cortados para lenha nem fornecem boa madeira para construção ou mobiliário. Assim, o povo além do abandono rural a que foi “forçado”, ficou ainda numa dependência económica monopolista, um risco para o qual não é, nem nunca foi, alertado.
Como é do conhecimento geral, a partir de 1975 aumentaram espectacularmente os fogos florestais em Portugal, constituindo um verdadeiro escândalo nacional a destruição não só da nossa vasta área de pinhal, como de algumas relíquias florestais e até de zonas agrícolas. Na nossa opinião, a delapidação técnica e humana dos Serviços Florestais, operada pelos sucessivos governos após a “Revolução dos cravos” (25. IV. 1974) e a impreparação democrática da maior parte da população que, inicialmente, entendeu que liberdade era libertinagem são as principais causas desta situação. Por outro lado, como já foi referido, deu-se a desumanização do meio rural, além do abandono a que foram votadas as montanhas pela diminuição de técnicos florestais. Concomitantemente, as casas florestais são abandonadas e, consequentemente, degradadas.
Como consequência da devastação do pinhal, como também foi referido, tem-se vindo a assistir a um aumento sistemático da área ocupada por eucaliptos e acácias ou mimosas, estas últimas por serem invasoras bem adaptadas a zonas incendiadas e os eucaliptos por serem plantados indiscriminadamente devido ao seu presente valor económico.
O declínio da riqueza florística implica empobrecimento faunístico, constituindo os eucaliptais, por vezes com um coberto arbustivo e herbáceo exíguo, as plantações industriais mais pobres sob o ponto de vista faunístico e florístico.
Apesar disso, os carvalhais e os montados de sobro e de azinho ocupam ainda quase um milhão de hectares em Portugal, sendo necessário, no entanto, para a defesa, manutenção e aumento dessa área, que haja uma radical modificação nas políticas agrícola e agroflorestal do nosso país.
Não se pode continuar apenas com explorações agroflorestais e agrícolas monoespecíficas. Não só porque são explorações que provocam baixas drásticas na Biodiversidade, como também são formações de elevada homogeneidade genética. Tal homogeneidade conduz a um empobrecimento dos genes disponíveis e não permite o melhoramento e selecção das espécies que ficam, assim, com menor aptidão para a sobrevivência. Isso implica maiores riscos de catástrofes, como incêndios mais devastadores e maior facilidade de propagação de epidemias. (...) »
Governo quer acabar com barreiras ao eucalipto
Por Manuel Carvalho in Público 16/7/2012
O eucalipto vai ser considerado uma "espécie normal" na legislação, mas o projecto de Governo levanta receios quanto ao equilíbrio da floresta
Trinta anos, dezenas de leis e um sem-número de polémicas depois, o eucalipto vai passar a ser considerado uma espécie em igualdade de direitos com o pinheiro-bravo na legislação nacional. Nos anos 80, o fotógrafo Fernando Veludo captou para o Expresso uma imagem que influenciou até hoje a política florestal e a ideia que os portugueses têm dos eucaliptos, com soldados da GNR a investirem sobre camponeses em Valpaços em protesto contra uma nova árvore que lhes iria roubar a água e matar as culturas tradicionais. Hoje o Governo acredita que o medo dos eucaliptos faz parte da história, por força da experiência e da investigação. E propôs para discussão pública um projecto de decreto-lei que considera esta espécie tão normal como um pinheiro ou um carvalho.
Se a lei for aprovada, no futuro todos os produtores que queiram arborizar um terreno até cinco hectares (o equivalente a cinco campos de futebol) não terão nem de apresentar projecto nem de esperar a sua aprovação. Basta-lhes fazerem uma comunicação ao Instituto da Conservação da Natureza e Floresta (ICNF). Mais polémica ainda é a intenção do Estado de prescindir de licenciar projectos para rearborização de áreas até 10 hectares. A legislação de 1988, por exemplo, obriga a que uma área ardida tivesse de ser replantada com a mesma espécie; agora, o proprietário de um pinhal destruído por um incêndio pode reocupar esse terreno florestal com a espécie que mais lhe aprouver.
Em tese, a mudança parece simples. No entanto, os seus impactes relançaram o debate sobre os eucaliptos. Os ambientalistas e os empresários ligados à importante fileira industrial do pinheiro-bravo receiam uma vaga desordenada de eucaliptização. Mas a fileira da pasta e do papel, algumas das mais influentes personagens da agricultura e da silvicultura, como Francisco Avillez ou o ex-ministro Sevinate Pinto, e uma lista de 257 pessoas, empresas e instituições uniram-se num manifesto de apoio ao projecto do Governo.
Por detrás da cortina do debate, o que subsiste são razões de natureza económica. Quer a fileira do eucalipto, quer a do pinho têm de importar todos os anos quase 20% das suas necessidades de matéria-prima (ver texto nestas páginas). Mas enquanto que a área de eucalipto não pára de aumentar, a de pinho está em recuo sucessivo. A explicação é simples: num ecossistema propício, com níveis de precipitação superiores a 800 milímetros por ano, um hectare de eucalipto produz 120 metros cúbicos de madeira, o que, ao final do primeiro corte, dez anos depois, permite um rendimento de quatro mil euros; no pinhal, ainda que ao fim de uma década se possam cortar postes para vedações ou para os sistemas de condução da vinha, são precisos 35 anos até que se possa aproveitar madeira de qualidade para mobiliário, por exemplo. A economia a funcionar, portanto.
Se até agora os proprietários podiam, mediante licenciamento, plantar o que quisessem (o que muda é a dispensa de autorização), nas áreas sujeitas a rearborização há o receio (ou a expectativa, de acordo com os interesses) de que o poder de atracção económica do eucalipto acelere a sua expansão imparável. "Não há necessidade de criar um processo legislativo que pode levar à canibalização de umas espécies por outras", diz Gonçalves Alves, que até há pouco foi director das fileiras da extinta Autoridade Florestal Nacional. Uma visão contraditada por Américo Carvalho Mendes, professor de Economia na Universidade Católica do Porto e presidente da Associação Florestal do Vale do Sousa, que há anos critica a propensão do Estado para olhar a floresta numa perspectiva de "comando e controlo". "O que se faz na floresta depende dos privados", diz Carvalho Mendes, que acrescenta: "As plantações de eucalipto vão acontecer, quer haja esta lei, quer não haja".
Recorrendo a argumentos de natureza económica, João Gonçalves, presidente do Centro Pinus, que está contra a proposta de lei, adverte para o perigo de a floresta portuguesa se resumir a uma monocultura e lembra que "as medidas de política florestal são feitas para o longo prazo". E acrescenta: "o eucalipto, que hoje está na moda, poderá não estar dentro de 15 ou 20 anos". Um alerta que a fileira da pasta não subscreve, lembrando que, apesar das "políticas discriminatórias contra o eucalipto", a área destinada à indústria da pasta cresceu, enquanto a floresta de pinho recuou desde a integração europeia, em 1986, 400 mil hectares, após ter consumido investimentos de 750 milhões de euros.
Liberal ou não?
O ICNF recusa a crítica de liberalização que ambientalistas e organizações profissionais, como o Centro Pinus, lhe dirigem. João Soveral, vice-presidente do Instituto, considera que a dispensa de comunicação não implica a liberalização, porque "não se abdica do cumprimento da lei em matérias como o uso de solo ou a protecção dos recursos hídricos". O que está em causa é o reconhecimento de que o Estado não tem meios para fiscalizar tudo. E também a noção de que, apesar de haver leis que exigem pedidos de licenciamento, a maioria das novas plantações "é feita selvaticamente", nas palavras de João Soares, assessor para assuntos florestais da Portucel-Soporcel. Pelo contrário, a expectativa do ICNF é que, com uma base de dados, todas as informações dos produtores sejam registadas e encaminhadas para as câmaras municipais (que deixam de ter qualquer papel nos licenciamentos), comissões de coordenação regional e GNR. "Assim, a fiscalização do Estado centrar-se-á nas áreas mais sensíveis e nas plantações mais relevantes", augura João Soveral.
A promessa não convence os ambientalistas. "O Estado demitiu-se da sua capacidade reguladora", protesta Eugénio Sequeira, da Liga para a Protecção da Natureza. "95% dos proprietários da zona do pinhal têm menos de três hectares de propriedade, e como se sabe que a exploração do pinho não paga sequer a limpeza dos matos, é de recear que, com as facilidades de arborização e rearborização que a proposta de lei concede, se criem manchas contínuas de eucaliptos", o que pode aumentar os riscos de incêndio e comprometer a biodiversidade. A Quercus, por seu lado, considera que a proposta "apenas visa favorecer as celuloses e alguns produtores florestais interessados na diminuição da burocracia e na desregulação relativa ao eucalipto".
A solução para se preservarem os equilíbrios globais da floresta passa pela aposta no ordenamento. Todos o dizem. "Temos de apostar no ordenamento numa escala vasta que não esqueça os interesses dos proprietários e das suas associações", diz Carvalho Mendes. "Esta proposta de decreto é apenas processual, não dispensa que se legisle em termos do ordenamento florestal", propõe João Soares.
O problema é que os instrumentos de ordenamento aprovados em 2006, nomeadamente os planos regionais de ordenamento florestal, têm as suas metas indicativas das áreas desejáveis para cada espécie suspensas há dois anos. Depois, apesar de estarem registadas no ICNF 162 zonas de intervenção florestal (ZIF), que ocupam 853 mil hectares, e 1245 planos de gestão florestal para 779 mil hectares, o planeamento e a gestão real da floresta não existem. "Só há uma ZIF a funcionar", alerta Eugénio Sequeira; as outras "têm apenas uma existência nominal", acrescenta Carvalho Mendes.
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