sábado, 16 de fevereiro de 2013

100 anos dos nossos interiores no MUDE. 22/12/2012


Ora aqui temos FINALMENTE algo de verdadeiramente interessante e relevante ...
Será que algo está realmente e muito lentamente a mudar ...?
O meu apoio total e incondicional para o Tema desta Exposição ...
 Será que António Costa e Manuel Salgado irão visitar e comparar a sua acção / Reabilitação com as palavras do Comissário Geral da Exposição ?
António Sérgio Rosa de Carvalho

"Os interiores são efémeros e vulneráveis, constata o comissário-geral Pedro Gadanho, por desinteresse ou "fachadismo, uma tendência dos últimos 20/30 anos que é destruir integralmente os miolos de edifícios e manter só a fachada, como se ela fosse a única coisa que significava o peso ou a importância histórica do edifício".


( ...) "A exposição é só um princípio, um chamar de atenção, é o lançar de um debate para investigar mais profundamente esta área", diz o arquitecto - e Interiores vai resultar também num livro editado pelo Turismo de Portugal em 2013 com análise crítica sobre a temática.
Isto numa altura em que não só pela crise, mas também pela reflexão académica de arquitectos, urbanistas e designers, "já chegámos a um ponto de saturação da construção nas nossas cidades". Quando as construtoras "se começam a virar para a remodelação, talvez precisem de mudar de atitude: em vez de arrasar - como vemos muito em Lisboa, a maior parte das recuperações de edifícios pombalinos é desrespeitadora do interior e suas qualidades -, aproveitar o que é possível, adicionar o que é preciso", diz Gadanho. 




Exposição

100 anos dos nossos interiores
Por Joana Amaral Cardoso in Público

Pedro Gadanho e Rui Afonso Santos põem-nos a espreitar pelo buraco da fechadura para ver cem anos de arquitectura de interiores. Obras totais e efémeras que motivam um manifesto


Há peças assim, que pedem que o olhar se demore - uma arca com as laterais côncavas a desenhar losangos, um fecho de bronze opulento, pés gravados. Vem do Hotel Ritz, em Lisboa, foi desenhada pelo histórico designer, arquitecto e artista António Sena da Silva e prova como um edifício, o seu interior e as peças que o recheiam podem constituir obras totais. É um dos "tesouros" da exposição Interiores, 100 Anos de Arquitectura em Portugal, para o seu comissário científico, Rui Afonso Santos - "é um dos melhores móveis de arte que já vi na vida".
Em Interiores, no Museu do Design e da Moda (Mude) há uma vida portuguesa para conhecer e pensar, de dentro para fora: dos bancos das escolas (as cadeiras Sena) ao mobiliário dos escritórios (a linha Cortez), passando pelos jantares na Bica do Sapato, em Lisboa, ou pela loja Valentim Carvalho de Cascais, muito sixties, desenhada por Tomás Taveira. Até, claro, à casa portuguesa de Raul Lino ou à pureza das casas de Ofir (1956-8), de Fernando Távora, ou Alves Costa (1964), de Álvaro Siza.
Coleccionadores privados e instituições como a Fundação Gulbenkian ou a Casa de Serralves emprestaram peças ou esquissos. O Mude acabou por adquirir as cadeiras e secretárias Sena para a sua colecção; o mesmo aconteceu com um quarto de Francisco George e peças de Eduardo Anahory. Mas no trabalho para esta exposição, Rui Afonso Santos confrontou-se mesmo com a própria vida: "É a nossa vida, a vida de Portugal, mas também algo universal. O ambiente em que vivemos é também o que somos, e vice-versa."
Nesta visão seleccionada de um século de arquitectura de interiores, que nos leva ao sonho art déco da Casa de Serralves (1941), no Porto, ou aos apartamentos da Torralta em Tróia (1969-72) por Daciano Costa, Sena ou Taveira, está implícito um convite a descobrir os espaços resistentes. E um apelo para mudar consciências e aumentar o número de sobreviventes, porque aqui também há um Portugal desaparecido. Em Interiores, há peças resgatadas do oblívio e outras evocadas ou reconstituídas após a sua destruição. Os interiores são efémeros e vulneráveis, constata o comissário-geral Pedro Gadanho, por desinteresse ou "fachadismo, uma tendência dos últimos 20/30 anos que é destruir integralmente os miolos de edifícios e manter só a fachada, como se ela fosse a única coisa que significava o peso ou a importância histórica do edifício".
Esta exposição fala, entre paredes, à política - e em particular à política do património. A sua vizinha Nacional e Ultramarino, sobre o edifício do antigo BNU que agora é o Mude - comissariada por Bárbara Coutinho, directora do museu, e por Conceição Amaral, do Museu das Artes Decorativas da Fundação Ricardo Espírito Santo da Silva (FRESS) -, ainda afina mais o foco com a epígrafe A arquitectura do poder.
Os poderes e o seu gosto notam-se por estes dias no Mude. No impulso do Estado Novo ao modernismo nos anos 1930, para depois acontecer uma "involução moderna" no final dessa década, quando o regime assume a sua pulsão nacional e ruralista e vinga o "rústico estilizado", como conta Rui Afonso Santos na apresentação de Interiores. No muito Nacional e Ultramarino gabinete do governador do antigo BNU, zona agora aberta ao público que a maioria dos funcionários do banco (eram 1200 no edifício) nunca conheceu, o gosto do poder (e do dinheiro) pediu à FRESS as lanças e os leões do estilo império para receber e se mostrar. "Retrato social de um país" em 1964, diz Coutinho, funcional e moderno de um lado, ostentatório do outro.

O café loja chinesa

A política do gosto fez com que parte do que se vê no Mude seja uma repescagem de interiores extintos, mas Pedro Gadanho, curador de Arquitectura Contemporânea no Departamento de Arquitectura e Design do Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova Iorque, reitera ao PÚBLICO que quer também alertar para o que permanece. E que pode estar em todo o lado. Gadanho cita o filósofo da Escola de Frankfurt Siegfried Kracauer "que dizia que quando queremos perceber o espírito de uma época temos que ir para os interiores banais, operações do dia-a-dia, e não para as grandes expressões ideológicas".
Veja-se o caso do desaparecido Café Portugal (1938) no Rossio lisboeta, com o seu vitral art déco ("o melhor que se fez em Portugal", diz Rui Afonso Santos) evocado em Interiores, sintoma de uma década em que "a modernidade chega a todo o lado, em que a pequena burguesia podia ir aos Armazéns Grandella comprar um móvel moderno", como explica o comissário científico. Hoje, aquele trabalho de Cristino da Silva, "que era radical, moderno, tinha cromados, e onde ele desenhou tudo, as cadeiras, os talheres, a máquina do café, os pratos, as mesas", desapareceu. "É uma loja dos chineses, desfigurado."
Por estes casos, entre outros mais recentes, é que Pedro Gadanho anui quando o PÚBLICO lhe pergunta se Interiores, que estabelece uma perspectiva histórica da evolução do design e da arquitectura dos espaços interiores entre 1990 e 1999, é também um manifesto. "A exposição é só um princípio, um chamar de atenção, é o lançar de um debate para investigar mais profundamente esta área", diz o arquitecto - e Interiores vai resultar também num livro editado pelo Turismo de Portugal em 2013 com análise crítica sobre a temática.
Isto numa altura em que não só pela crise, mas também pela reflexão académica de arquitectos, urbanistas e designers, "já chegámos a um ponto de saturação da construção nas nossas cidades". Quando as construtoras "se começam a virar para a remodelação, talvez precisem de mudar de atitude: em vez de arrasar - como vemos muito em Lisboa, a maior parte das recuperações de edifícios pombalinos é desrespeitadora do interior e suas qualidades -, aproveitar o que é possível, adicionar o que é preciso", diz Gadanho.
Pensar, no fundo, "como é que o gesto de modernização concorre e vive com o gesto de preservação", resume Bárbara Coutinho. Estas cidades, estes espaços, casas particulares ou locais públicos, iriam ganhar "uma qualidade à partida: a atmosfera, feita de pequenos pormenores, de um somatório de elementos que se acumulam ao longo do tempo", defende Pedro Gadanho.

Almada Negreiros no cabaret

Estamos no reino de ganhos e perdas, portanto, ao longo de cem anos de produção - o século em que emerge a actividade do design intrinsecamente ligada à dos arquitectos. Interiores, no museu até 28 de Abril de 2013, faz-se de dez núcleos, um por década, com diferentes nichos, num enorme paralelepípedo de madeira projectado pelos jovens arquitectos Marcelo Dantas e Olga Sanina, onde se tenta traçar uma história sobre "o desenho total, a obra de arte total", nas palavras de Gadanho.
Quando alguém, como o arquitecto Carlos Ramos, convoca para o antigo cabaret lisboeta Bristol Club (1925-26) obras de Almada Negreiros ou Canto da Maya para juntar ao seu interior art déco. Quando Álvaro Siza desenha a Casa Alves Costa por dentro e por fora. Quando Fernando Távora interpreta a rusticidade e o "nacional" com erudição. Quando Raul Lino, "o primeiro a ter um conceito muito mais vasto do que a arquitectura, a ter uma consciência plena do design", segundo Rui Afonso Santos, desenha tudo na Casa do Cipreste - "desde o pano de mesa, passando pelo candeeiro, ao mobiliário", montada no Mude com as colchas e cortinas com os tecidos de Alcobaça originais. Quando, na sua última obra, o arquitecto Cristino da Silva planeia a sua "obra total", o BNU, o edifício do próprio Mude, com projectos e desenhos "que vão desde a maçaneta da porta à luminária", como remata a directora do museu, corroborada por Rui Afonso Santos. Quando a arquitectura de interiores se liga à arquitectura, ao design, a um conceito.
A exposição vai do neo-renascentismo ao minimalismo, com peças, planos e desenhos nunca mostrados e encenações do que era e do que ainda pode ser visto, como o trabalho de Manuel Graça Dias e Egas José Vieira na loja de Ana Salazar no Chiado (1988). Ou em lugares escondidos como a Casa Veva de Lima (ou Palácio Ulrich), espaço onírico de uma milionária excêntrica que se passeava com uma chita pela trela pelas ruas de Lisboa, hoje propriedade da câmara e que tem "o único interior intacto dos anos 1920 que se conserva em Portugal", frisa Rui Afonso Santos. Lojas como a Valentim de Carvalho de Cascais, fachada de Sá Nogueira, poesia de Herberto Helder, linguagem de Taveira a avançar para a pop que mostra "como essas ideias começavam a chegar a Portugal, como esses estilos estavam a ser apropriados", diz Pedro Gadanho, sintoma do que é a identidade deste interiorismo português - "uma espécie de pingue-pongue entre a necessidade de acolher tendências que vêm de fora e a manutenção ou reendereçar de uma identidade nacional".

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