( ...) A lei não impõe limites aos gastos das câmaras decorrentes desta obrigação legal.
O PÚBLICO tentou, ao longo das últimas três semanas, saber qual é o entendimento dos actuais responsáveis da autarquia sobre o caso, uma vez que os pagamentos continuam a ser feitos, e quanto dinheiro já foi gasto com a defesa dos dois antigos autarcas até hoje. Mas sem sucesso. Não foi fornecida qualquer resposta."
Câmara de Lisboa paga desde 2007 advogados de Carmona e ex-vereadora
Por Ana Henriques in Público
Acusados de terem lesado a autarquia lisboeta em 13 milhões, Eduarda Napoleão e Carmona Rodrigues têm os seus advogados pagos pela câmara ao abrigo do estatuto dos eleitos locais, apesar de parecer da PGR
A Câmara de Lisboa está desde 2007 a pagar os encargos relacionados com a defesa judicial do seu antigo presidente Carmona Rodrigues e da ex-vereadora Eduarda Napoleão, acusados, juntamente com os restantes arguidos do caso da permuta Parque Mayer/Feira Popular, de terem lesado a autarquia em pelo menos 13 milhões de euros.
A decisão tem por base o estatuto dos eleitos locais, segundo a qual "constituem encargos a suportar pelas autarquias as despesas provenientes de processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte". A lei pressupõe, no entanto, duas condições para que o reembolso das custas e despesas com advogados possa ser feito: que os processos estejam relacionados com as funções desempenhadas pelos autarcas e, ao mesmo tempo, que "não se prove dolo ou negligência" da sua parte.
Um pedido de esclarecimento destas disposições legais a propósito do pagamento, pela Câmara de Felgueiras (ver caixa), da defesa da sua presidente e de vários outros autarcas levou o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República a emitir em 2009 um parecer que não deixa lugar a dúvidas: as autarquias não devem suportar semelhantes encargos antes de os tribunais proferirem uma decisão final de absolvição, ou seja, de a sentença transitar em julgado. Acontece que o julgamento do caso da permuta Parque Mayer/Feira Popular está ainda a decorrer.
Dos três antigos autarcas da Câmara de Lisboa que se sentam no banco dos réus, acusados do crime de prevaricação, apenas Fontão de Carvalho diz estar a pagar a defesa do seu bolso. Tanto Carmona Rodrigues como Eduarda Napoleão confirmaram ao PÚBLICO esta semana o reembolso destas despesas por parte da autarquia.
Câmara não fala
Ao abrigo do princípio da liberdade de escolha do seu mandatário, o antigo presidente do município tem a defendê-lo Carlos Pinto de Abreu, possível candidato a bastonário da Ordem dos Advogados, enquanto Eduarda Napoleão recorreu a Rui Patrício, que tem na sua carteira de clientes figuras como o treinador de futebol Carlos Queiroz ou José Penedos, da Rede Eléctrica Nacional. A lei não impõe limites aos gastos das câmaras decorrentes desta obrigação legal.
A Câmara de Lisboa decidiu pagar os honorários destes advogados logo em 2007, após a queda do executivo motivada pela constituição destes autarcas como arguidos. A deliberação foi tomada por unanimidade pela comissão administrativa composta por vereadores do PS e do PSD que governou o município até à realização de novas eleições. "Lembro-me de essa decisão ter sido completamente pacífica", recorda a presidente de câmara interina de então, Marina Ferreira, explicando que seguiu, juntamente com os restantes colegas da comissão, um parecer dos serviços jurídicos da autarquia.
O PÚBLICO tentou, ao longo das últimas três semanas, saber qual é o entendimento dos actuais responsáveis da autarquia sobre o caso, uma vez que os pagamentos continuam a ser feitos, e quanto dinheiro já foi gasto com a defesa dos dois antigos autarcas até hoje. Mas sem sucesso. Não foi fornecida qualquer resposta.
Produzido na época de Pinto Monteiro, o parecer do conselho consultivo da procuradoria defende que não deve ser deixado ao critério dos órgãos autárquicos decidir, em cada caso, se o pagamento deve ser efectuado antes ou depois do processo terminar, "fazendo assim uma espécie de pré-julgamento". Para estes juristas, que citam a doutrina, os reembolsos antes do trânsito em julgado dos processos "são ilegais, pelo que deve ser exigida a devolução das respectivas quantias".
Consenso entre juristas
"Seria incompreensível, e contrário ao espírito da lei, estar um município a suportar os encargos resultantes de um ou vários processos judiciais em que um ou mais autarcas estivessem acusados da prática de tão graves crimes como (...) participação económica em negócio, abuso de poder (...), prevaricação ou peculato", entendem Pinto Monteiro e os conselheiros. "No crime de prevaricação, por exemplo, o titular do cargo conduziu ou decidiu conscientemente contra o direito um processo em que interveio no exercício das suas funções, com a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém", descrevem. "Assim, embora no exercício de funções, serviu-se daquela qualidade para praticar um acto contrário aos interesses que devia defender, precisamente por ser detentor de tal cargo."
Mas não é só o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República que entende ser esta a forma correcta de aplicar a lei. Os juízes do Tribunal de Contas têm um entendimento semelhante. "Parece evidente que o pagamento das despesas só deve ser feito no final do processo, uma vez que a inexistência de dolo ou negligência por parte dos eleitos locais só é apurada nessa fase", argumentam, numa auditoria a várias autarquias da Madeira divulgada em Setembro passado.
Um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte datado de 2011 perfilha igualmente o mesmo entendimento, como, de resto, já havia sido deliberado anos antes num outro acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
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