Alterações
climáticas. As consequências estão à vista
Erosão costeira,
agricultura, energia, saúde pública e recursos naturais são áreas
de risco e com consequências identificadas
04 DE FEVEREIRO DE
2017
11:14
David Mandim
As ondas gigantes
que têm galgado a terra nos últimos dias são um fenómeno cada vez
mais usual na costa portuguesa e que se repetirão no futuro. São
consequência da subida do nível do mar e também do planeamento do
território pelo homem. Os rios, com as dezenas barragens que
receberam, já não transportam a quantidade de areia necessária
para a costa. É um dos exemplos das consequências das alterações
climáticas que irão influenciar o futuro. Na agricultura, energia
ou recursos naturais, o impacto da tendência de subida da
temperatura e de diminuição da precipitação média, com fenómenos
extremos meteorológicos, entre outras mudanças que o clima vem
sofrendo, está projetado. E não é teoria, os factos estão à
vista e diagnosticados, dizem os especialistas ouvidos pelo DN.
O país tem já
vários diagnósticos feitos, com estratégias e planos nacionais
para enfrentar as alterações climáticas e os desafios ambientais.
"Precisamos de nos preparar mais rapidamente para as
consequências", considera Francisco Ferreira, professor
universitário e presidente da associação ambientalista Zero, para
quem há "trabalho feito em Portugal, mas "ainda não foram
tomadas medidas estruturais. Falta implementar e ser coerente".
"O assunto está na ordem do dia, é estudado, mas há pouca
coisa feita", concorda André Vizinho, investigador do cE3c -
Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Climáticas da
Faculdade de Ciências de Lisboa.
Erosão Costeira. O
mar sobe e a areia fica nas barragens
A subida do nível
do mar é uma realidade comprovada que afeta a costa nacional.
Portugal é um dos países mais vulneráveis a este fenómeno, seja
em zonas de arribas ou mais arenosas. "As alterações
climáticas trazem duas situações: os temporais vão ser mais
intensos, mais frequentes, e a subida do nível do mar", adianta
Gil Penha-França um dos coordenadores do grupo de investigadores do
cE3c que têm analisado o impacto das alterações climáticas.
Filipe Duarte
Santos, um dos coordenadores do centro, integrou o grupo de trabalho
que elaborou um relatório sobre a zona costeira, em que se concluiu
ser necessário a deposição de areia em locais específicos. Os
sedimentos deixaram de chegar à costa. "A construção de
barragens é um dos fatores a que tem sido atribuída mais
importância na redução do fornecimento sedimentar para a costa,
estimando-se que atualmente as barragens sejam responsáveis pela
retenção de mais de 80% dos volumes de areias que eram
transportadas pelos rios antes da respetiva construção", lê-se
no relatório de 2015. Mas, apesar dos riscos, a construção em
zonas costeiras ainda é permitida. "Há uma pressão económica,
a pensar no retorno de investimento a curto prazo, mas sem pensar nos
enormes custos a longo prazo", diz Gil Penha-França. As
previsões apontam para que até final do século a subida das águas
do mar avance um metro em média, mas há locais da costa portuguesa
onde pode ser superior.
Agricultura e
recursos. Interior e sul podem perder culturas
A agricultura sempre
foi uma atividade condicionada pelas alterações climáticas ao
longo dos tempos. Hoje, a diminuição da precipitação e o aumento
da temperatura e ameaça de secas são os piores cenários. "Em
Portugal até pode haver uma região. o Minho, que poderá ter
aumento de precipitação. E o aumento da temperatura mínima também
pode trazer vantagens, há menos geadas", diz André Vizinho,
que estudou o impacto na agricultura no âmbito do cE3c. O calor
poderá destruir flora e, com a evaporação, a menor quantidade de
água nos solos influenciará as culturas. O interior sul será dos
mais afetados. O Alentejo poderá ver culturas migrarem. "Há
espécies que deixam de tolerar o clima. O sobreiro poderá ter de
ser plantado mais a norte. As pastagens, as oliveiras também podem
ser afetadas. E o eucalipto pode ter uma diminuição de produção
até aos 90%", explica André Vizinho.
O futuro devia
passar por aproveitar as vantagens fornecidas pelos vários
microclimas de Portugal, para mudar culturas ou usar novas técnicas
para as conseguir manter na mesma região. "Em cada região há
espaço de manobra para influenciar o clima e o diminuir a
suscetibilidade dos ecossistemas. Será necessário adotar práticas
diferentes para se tornem viáveis e produtivas." Em geral, o
interior e o sul do país vão sofrer mais consequências, "no
norte irá chover mais".
Os recursos naturais
serão influenciados. Haverá uma provável redução caudal dos
rios, escassez de água no verão, uma redução da qualidade da água
e também da quantidade de água nas albufeiras. Além disso com o
calor, aumenta o risco de incêndio e são criadas condições para a
incidência de pragas.
Energia. Apostar na
poupança deve ser prioridade
O setor energético
é a nível global o principal emissor de gases de efeito estufa. Em
Portugal, as "duas centrais elétricas alimentadas a carvão e o
transporte rodoviário são responsáveis por quase metade da s
emissões nacionais", lembra Francisco Ferreira. O futuro nesta
área da produção de energia, na opinião de Joanaz de Melo,
fundador do GEOTA, devia passar pela aposta nas energias renováveis
e pela eficiência energética. "Mas o que temos é a aposta em
barragens, com um enorme desprezo pelas vertentes ambientais",
critica, considerando que "vão encarecer os custos da energia"
num país com 250 grandes barragens, com mais de 60 centrais
hidroelétricas. "Se há fonte mais vulnerável é a hídrica,
vai haver menos pluviosidade, a gestão da água será mais difícil.
Por isso é estúpido fazer novas barragens", diz Joanaz de
Melo. A energia solar e eólica deviam ser apostas. E houve
progressos. "A luz solar e o vento não vão ter grande
variação, podem existir alterações sem as colocar em causa."
Num país que
importa mais de 70% da energia, sobretudo em combustíveis fósseis,
"a melhor maneira de lidar com isso é poupar energia. Com a
tecnologia existente podíamos reduzir o consumo em 30%. E dar
prioridade à política de transportes, setor que mais consome
energia". Mas para o professor na Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa "não há ainda uma
estratégia séria, o que é muito grave". Diz que o GEOTA
(Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente) reuniu
com todos os partidos mas sem grandes resultados. "A tendência
geral dos principais partidos, da direita à esquerda, é ignorar o
ambiente."
Saúde pública. Da
poluição do ar a novas doenças
A poluição do ar
transforma-se com as alterações climáticas. "Há poluentes
que se agravam. O ozono à superfície atinge concentrações mais
elevadas se tiver ondas de calor e temperaturas elevadas",
aponta Francisco Ferreira que tem acompanhado as cimeiras da ONU
sobre as alterações climáticas. O que se pode fazer para atenuar
os efeitos é "ao nível dos transportes públicos", já
que o setor rodoviário é o principal responsável. Mas, constata,
pouco se tem avançado, "usa-se demasiado o carro, com uma rede
de transportes coletivos muito deficiente." Outras questão será
a escassez de água e qualidade, apesar de neste momento Portugal ter
uma excelente qualidade de água. No futuro pode haver períodos de
seca que levem a indisponibilidade de recursos de água. A
transmissão de doenças por animais pode ser um problemas devido à
deslocação de espécies. Os casos de dengue na Madeira em 2013
foram um aviso. A nível da mitigação, Portugal está no bom
caminho, diz Francisco Ferreira. O compromisso assumido em Kyoto em
reduzir em 30% as emissões de gases de efeito estufa tem sido
cumprida, com uma redução já de 27% quando a meta a atingir é em
2030. "A crise económica e o investimento em renováveis
proporcionaram a redução", conclui o presidente da Zero.
Fiscalidade. Aplicar
as taxas em medidas ambientais
Não é uma
consequência direta das alterações climáticas mas tem sido usada
por poder político como uma forma de financiar a adaptação à nova
realidade climática. A chamada fiscalidade verde tem crescido - em
2015 atingiu 4,35 mil milhões de euros em receitas, segundo o
Relatório Nacional do Ambiente - mas a aplicação dos fundos nem
sempre é desejada. "As taxas sobre os combustíveis deviam ir
para resolver os problemas dos transportes. Mas servem é para tapar
buracos no Orçamento de Estado", diz Joanaz de Melo, como
exemplo. Há fundos comunitários, para usar, diz Gil Penha-França:
"Um quinto dos financiamentos do orçamento da União Europeia é
para as alterações climáticas."
A questão da
fiscalidade foi já analisada pelo Centros de Estudos Fiscais, do
Ministério das Finanças. "Uma alternativa marcada, porém,
pela ameaça de regressividade, visto os tributos ecológicos
revestirem de forma predominante a natureza de impostos indiretos.
Todavia, reconhece-se que a mudança, em lugar de ditada, de forma
predominante e decisiva, por um conjunto de preocupações genuínas
de índole ambiental, tem sido influenciada de sobremaneira pela
situação do desemprego e pela crise do Welfare State, argumentos
que acabam por revelar-se cruciais, "empurrando" as
economias para acolher esta solução", alertou a jurista Maria
Eduarda Azevedo, que já foi secretária de Estado da Justiça,
sugerindo uma reforma fiscal.
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