Os
emails da Comissão que forçaram a resolução do Banif e a venda ao
Santander
PAULO PENA e
CRISTINA FERREIRA 07/04/2016 - PÚBLICO
Governo
e Banco de Portugal não tiveram margem para avançar com o seu plano
de integrar o Banif na Caixa Geral de Depósitos
Há uma frase que
resume o jogo de sombras. “Em última instância, cabe às
autoridades portuguesas (BdP) seleccionar a melhor oferta.” Acaba
assim um email, enviado por Astrid Cousin, do gabinete da comissária
da Concorrência, Margrethe Vestager, ao Governo português, às duas
horas e quarenta e dois minutos da tarde de sábado, 19 de Dezembro,
véspera da resolução do Banif e da venda do banco ao Santander.
A posição da
comissária surge, desta forma, após dois outros altos dirigentes da
Direcção-geral da Concorrência de Bruxelas terem dado ao Governo
português uma indicação clara. “A proposta do Santander parece
financeiramente mais atractiva”, escreveu Gert-Jan Koopman,
vice-director-geral da Concorrência e responsável pelo dossiê das
ajudas estatais. “Em relação ao Santander temos uma boa
expectativa sobre as discussões técnicas”, afirmou Karl Soukup,
director do departamento de Ajuda Estatal, daquela direcção-geral.
O contexto é
simples. O Governo enviou para Bruxelas, às 11h56 o nome dos quatro
candidatos à compra do Banif: Santander, Banco Popular, J.C. Flowers
e Apollo. “Na curta conversa que tivemos esta manhã percebi que,
de acordo com a DG Comp, apenas o Banco Santander preenche os
requerimentos. Por isso gostaria que me respondessem a este email com
uma curta avaliação sobre cada oferta e a sua compatibilidade com
os requisitos”, escreveu o secretário de Estado Adjunto, do
Tesouro e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix.
Poucos minutos
depois, às 12h12, chegou a primeira resposta, de Koopman. Às 12h44
chegou a resposta de Soukup. Em menos de uma hora, a Comissão
respondeu ao Governo, afastando as ofertas do Banco Popular, da
Apollo e da J.C. Flowers. E dando nota positiva, ou esperançosa, à
proposta do Santander.
O Governo pediu,
então, a estes responsáveis da Comissão que enviassem “uma
resposta mais estruturada” para que pudesse ser “formalmente
partilhada” com o Banco de Portugal (BdP). E foi então que chegou
o email de Astrid Cousin: “Penso que a resposta do Karl deverá ser
suficiente. Como sabem, é legalmente difícil da nossa parte
escrever mais dado que, em última instância, cabe às autoridades
portuguesas (BdP) seleccionar a melhor oferta.”
O eufemismo
“legalmente difícil” é interessante. A Comissão não tem
qualquer problema em fazer saber ao Governo que considera
“problemática” ou “inaceitável” a proposta do Popular, ou
em fazer avaliações legais sobre a admissibilidade das propostas da
Apollo e da JC Flowers. Mas, formalmente, insiste em dizer que a
decisão sobre “a melhor oferta” não lhe cabe, antes é da
responsabilidade do Banco de Portugal.
A acção das
autoridades europeias, como resulta claro da leitura desta troca de
correspondência, a que o PÚBLICO teve acesso, afunilou todas as
decisões importantes das autoridades portuguesas sobre o Banif. Como
todos os responsáveis têm afirmado, perante os deputados que
investigam o fim do Banif, no final, a 20 de Dezembro último,
restavam poucas alternativas.
A proposta do
Governo – integrar o Banif na CGD - originou um longo mail de
Gert-Jan Koopman, do dia 8 de Dezembro, dirigido a Mário Centeno,
Ricardo Mourinho Félix e José Ramalho, do BdP. ENRIC-VIVES RUBIO
Governo pede a
Comissão "posição mais aberta"
Cinco dias depois de
tomar posse, o actual Governo começou a pôr em marcha o seu plano
A: integrar o Banif na Caixa Geral de Depósitos (CGD). Desde o dia
30 de Novembro até à resolução, em 20 de Dezembro, as reuniões
foram diárias. O projecto CGD+Banif foi apresentado à DG Comp no
dia 3 de Dezembro. No dia seguinte houve uma reunião com Carlos
Costa, governador do Banco de Portugal. O regulador já conhecia a
proposta, através de José Ramalho, vice-governador responsável
pelo Fundo de Resolução, desde, pelo menos, o dia 1.
Mesmo assim, Carlos
Costa insistia noutra solução: “O Banco de Portugal entende que a
solução que melhor permite lidar com a situação de crise
financeira grave que o Banif enfrenta e que melhor garante a
estabilidade financeira é a realização de uma operação de
capitalização obrigatória com recurso ao investimento público",
escreveu, num memorando dirigido a Mário Centeno, no dia 4 de
Dezembro.
A Comissão não
aceitou nenhuma das duas hipóteses. A recapitalização sugerida
pelo BdP não chegou a tomar muito tempo neste debate. Foi rejeitada
liminarmente por não ser considerada legal. A proposta do Governo –
integrar o Banif na CGD - originou um longo email de Gert-Jan
Koopman, do dia 8 de Dezembro, dirigido a Mário Centeno, Ricardo
Mourinho Félix e José Ramalho, do BdP.
Os argumentos são
vários. Por ter recebido ajuda estatal, o Banif não pode ser
negociado fora de um “processo de venda aberto e transparente”. A
Comissão adianta mesmo que se a decisão fosse “oferecer” o
Banif, seria contestada em tribunal. Por outro lado, a própria CGD
encontra-se em “reestruturação”, adianta a Comissão, e por
isso impedida de comprar bancos. Por não ter cumprido o seu plano de
pagamento do empréstimo que recebeu do Estado (900 milhões de euros
através de capital contingente, ou CoCos), a CGD mostra, segundo a
Comissão, “a sua fraqueza de capital”. Para mais, o banco
público, escreve a Comissão, nem num processo de venda aberto seria
considerado como melhor comprador.
Pior ainda,
acrescenta a Comissão, como “o Banif não é viável”, a CGD
necessitaria de uma injecção de capital, e isso seria uma ajuda
pública. Por isso, a CGD devia, nesse caso, “entrar em resolução”.
E o sub-director-geral ironiza: “Não estou certo de que Portugal
queira elaborar nesse cenário.”
A mensagem continua
com uma impossibilidade final: “Mesmo que Portugal decida
prosseguir a fusão com a CGD, apesar das acima mencionadas
preocupações, Portugal ainda não apresentou qualquer plano para
este efeito, o que torna impossível a avaliação de uma transacção
tão complexa em 2015.”
O Governo respondeu.
No caso de a venda em curso falhar, escreveu Ricardo Mourinho Félix,
a integração do Banif na CGD “é a melhor solução alternativa
para proteger a estabilidade financeira, o dinheiro dos contribuintes
e o sistema bancário”. O governante pede à DG Comp que adopte
“uma posição mais aberta”. Mourinho questiona então os juízos
de Koopman sobre a situação da CGD. E apresenta esta como uma
“oportunidade para reestruturar o sector bancário público,
reforçando a confiança”.
Mário Centeno, em
paralelo, nesse mesmo dia 8, telefonou à comissária Vestsager e ao
vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovkis. Sem êxito.
A porta estava completamente fechada. Restavam depois duas hipóteses:
a liquidação do Banif, que ninguém queria, ou a resolução, e a
venda posterior ao Santander, que foi feita 12 dias depois, com
elevados custos para os contribuintes, mas que não obteve qualquer
objecção da Comissão.
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