Draghi,
o homem dos juros baixos, chega a Lisboa com conselhos e avisos
SÉRGIO ANÍBAL e
LEONETE BOTELHO 06/04/2016 - PÚBLICO
Primeiro
um almoço com o presidente, o primeiro-ministro e o governador,
depois uma presença no Conselho de Estado. O presidente do BCE vem
falar de política económica e financeira com a liderança do país.
Com um almoço ao
mais alto nível e uma inédita intervenção no Conselho de Estado,
Mario Draghi, a personalidade internacional que mais influência tem
tido na evolução da economia e do sistema financeiro do país nos
últimos anos, entra esta quinta-feira em directo e ao vivo no mundo
político português. Se não houver surpresas, aquilo que deverá
fazer será, como nos últimos meses, pedir uma estratégia
orçamental prudente, com o cumprimento das regras europeias,
defender o desempenho do Banco de Portugal na gestão da estabilidade
financeira e deixar um aviso: o BCE pode ter de deixar de ajudar se o
rating da DBRS cair.
Na agenda da visita
do presidente do Banco Central Europeu a Lisboa vão estar dois
momentos fundamentais. À tarde, a partir das 15h, Draghi participa,
a convite do presidente da República, no Conselho de Estado.
Imediatamente antes disso, ao almoço, conversa com Marcelo Rebelo de
Sousa e o primeiro-ministro, António Costa, na presença do
governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.
Embora o tema da
intervenção de Mario Draghi no Conselho de Estado seja a evolução
da economia europeia, as discussões do homem forte do BCE durante
quinta-feira estarão centradas, quer com os conselheiros de Estado
quer principalmente no almoço a quatro, nos últimos
desenvolvimentos económicos e financeiros em Portugal. E em quase
todos eles, o papel desempenhado pelo banco central é fundamental.
No que diz respeito
ao sector financeiro, são muito variados os temas. As instruções
directas vindas de Frankfurt no processo de resolução do Banif,
contribuindo de forma decisiva para a escolha do Santander como
comprador do banco português, vieram comprovar que, no que diz
respeito à banca, aquilo que Mario Draghi diz faz lei.
E essa certeza surge
em simultâneo com o debate a que se assiste agora em Portugal sobre
o risco que representa um domínio espanhol da banca nacional. Nesse
contexto, para além do Banif, o presidente do BCE deverá debater
com António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa e com os membros do
Conselho do Estado qual irá ser a posição assumida no processo de
venda do Novo Banco, na exigência que está a ser feita ao BPI para
reduzir a sua exposição a Angola (e que poderá levar ao reforço
da posição dos accionistas espanhóis) e na necessidade de reforço
de capitais noutros bancos nacionais, como o BCP e a Caixa Geral de
Depósitos.
Mario Draghi deverá
manter o seu apoio ao desempenho de Carlos Costa, o representante do
Eurosistema em Portugal, em mais uma defesa do estatuto de
independência que os bancos centrais gozam na zona euro. É isto que
Draghi tem feito, sem excepção, em todos os países e em todas as
circunstâncias.
Mais investimento
público... nalguns casos
No que diz respeito
à condução da política económica e orçamental, o debate será
feito directamente com o Governo. O presidente do BCE é, em público,
extremamente comedido a comentar a política específica de um
determinado governo da zona euro. Mas são vários os sinais que tem
dado.
Quando um Governo do
PS apoiado pela esquerda se começou a desenhar, disse não querer
comentar a situação política, mas sempre avisou que “a
instabilidade não é positiva para a economia”.
Depois, sempre que o
BCE anuncia novas medidas de estímulo para a economia da zona euro
defende que, do lado dos governos, também é preciso fazer mais.
Ultimamente, uma das coisas que tem dito é que é preciso fazer mais
investimento público, o que até poderia ser lido como aprovação
da política de estímulo da procura interna seguida pelo do Governo
português no seu primeiro orçamento.
No entanto,
invariavelmente, sempre que diz isso, Mario Draghi tem o cuidado de
lembrar: este aumento do investimento público deve ser feito pelos
países que têm espaço de manobra orçamental para isso e as regras
europeias são para cumprir.
Draghi reforça
também outro conselho aos governos que lhe é muito caro, o de
fazerem as chamadas reformas estruturais, que na óptica do BCE são
as medidas no mercado de trabalho e de produto que aumentam a
competitividade e produtividade dos países.
Esta primeira
reunião do Conselho de Estado convocado por Marcelo Rebelo de Sousa
como Presidente da República decorre num momento em que o Governo se
prepara para entregar em Bruxelas, até ao final de Abril, o Programa
de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas, dois documentos em
que o governo português vai mostrar aos parceiros europeus (e ao
BCE) aquilo que quer fazer ao nível do orçamento e das reformas
estruturais.
Mario Draghi e o seu
banco central, embora não tenham em teoria qualquer tipo de papel na
avaliação desses programas (a tarefa cabe à Comissão Europeia e
ao Eurogrupo), irá continuar a desempenhar um papel decisivo na
capacidade de o país obter o financiamento de que precisa.
Para além das
linhas de financiamento a taxas de juro muito baixas para os bancos
portugueses, o BCE tem contribuído, através do seu programa de
compra de obrigações a nível europeu, para que o custo do
financiamento da dívida pública nos mercados internacionais se
mantenha a níveis confortáveis para o Estado português.
Atenção ao rating
Apesar disso,
contudo, Mario Draghi não deverá resistir a deixar um aviso. Se
Portugal perder o rating acima de “lixo” que apenas a agência
DBRS atribui ao país, as regras do bancos central impõem que deixe
de comprar dívida pública portuguesa e que deixe de aceitar esses
títulos como garantia oferecida pelos bancos para os seus
empréstimos, um cenário que colocaria Portugal em grande
dificuldade.
"É bom que o
Presidente do Banco Central Europeu tenha a noção exacta daquilo
que se passa em Portugal", disse o Presidente da República aos
jornalistas em Oeiras, justificando a presença de Mario Draghi no
primeiro Conselho de Estado mas sem confirmar o almoço a quatro. "Eu
limito-me a dizer apenas que é importante a vinda do Presidente do
Banco Central Europeu pelo papel que tem o banco no quadro das
instituições europeias e porque é fundamental que nós tenhamos a
noção de que o que se passa económica e financeiramente em
Portugal tem a ver com o que se passa na Europa", afirmou,
citado pela Lusa.
O convite a outras
personalidades que não membros do Conselho de Estado para estarem
presentes na reunião do órgão de aconselhamento do Presidente da
República é raro mas não inédito. A última vez que aconteceu foi
em Setembro de 2012, no auge da crise da TSU (Taxa Social Única),
quando o então chefe de Estado, Cavaco Silva, convidou o ministro
das Finanças Vítor Gaspar a estar presente na primeira parte da
reunião, para explicar a polémica medida e responder a perguntas.
Um formato idêntico
ao que vai ser seguido nesta quinta-feira: Mario Draghi fará uma
intervenção e responderá a perguntas dos conselheiros de Estado.
Carlos Costa é convidado apenas a assistir, podendo fazer perguntas,
mas não uma intervenção.
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