ENTREVISTA
“O
dinheiro é todo lavado da mesma forma”
SÓNIA SAPAGE
04/04/2016 - PÚBLICO
Luís de Sousa,
investigador do GOVCOPP - Research Unit in Governance,
Competitiveness and Public Policies da Universidade de Aveiro e
dirigente da Transparência e Integridade Associação Cívica,
comenta as revelações dos Panama Papers.
Luís de Sousa, 42
anos, não vê novidades no modus operandi revelado pelo caso Panama
Papers, que envolve um número ainda indefinido de figuras da
política, das empresas, do desporto e das artes, em mais um
escândalo de dinheiro enviado para offshores naquele país
centro-americano. “Isto não é novo”, diz. “Não é a primeira
vez que acontece e não há-de ser a última.” Este investigador do
GOVCOPP - Research Unit in Governance, Competitiveness and Public
Policies da Universidade de Aveiro e dirigente da Transparência e
Integridade Associação Cívica está habituado a cruzar-se com
casos deste tipo, tanto na organização que dirige, como nas suas
investigações académicas sobre corrupção.
Estas revelações e
o modus operandi que elas põem a nu são uma novidade para si?
Isto não é novo.
Não é a primeira vez que acontece e também não há-de ser a
última. Há uma atitude muito amoralista por parte dos governos que
estão em situação de recessão e para quem todo o dinheiro é
bem-vindo e não tem cor. Não! O dinheiro tem cor, pode parecer que
não tem quando sai da "lavandaria", mas as "peças"
vêm sujas de diferentes crimes ou abusos.
Quais são,
normalmente, as origens desse dinheiro?
Ele resulta de
abusos de natureza fiscal (muito comum em jogadores de alto nível,
pessoas do mundo do espectáculos, políticos e empresários); desvio
de verbas estatais (algumas até que não são sequer arrecadadas de
impostos localmente – podem ser, por exemplo, dinheiros de ajuda
humanitária, desviados por líderes corruptos); ou mesmo práticas
ilícitas (como crime organizado, tráfico de droga, de armas ou
humano). E isso acontece em prejuízo das finanças dos Estados e da
qualidade de vida das populações locais. O dinheiro é todo lavado
da mesma forma – o que provém da fuga ao fisco ou de diamantes de
sangue. O mecanismo de lavagem é igual para todas as proveniências.
Diria que esta é
uma altura boa para produzir mais legislação sobre offshores?
Já se tem feito
muito sobre isto. O problema está nos mecanismos de controlo e na
falta de vontade política. Algumas instâncias compreendem que estas
brechas criam muita instabilidade no sistema financeiro, mas todos os
esforços são poucos. Tem havido um aumento dos esforços da
comunidade internacional e dos países signatários de convenções
internacionais em matéria de branqueamento de capitais, controlo de
offshores e de combate ao financiamento do terrorismo. Durante anos a
fio a sociedade civil tem criticado o uso dos offshores, tem alertado
para os perigos que resultam da existência destes paraísos fiscais
e de outro tipo de instrumentos muito em voga em tempos de recessão
económica, como é o caso dos vistos gold, por exemplo.
Do lado das empresas
que prestam estes serviços como funciona?
Este tipo de
criminalidade complexa exige um know-how brutal de funcionamento do
sistema financeiro internacional. E esse está distribuído por dois
tipos de agentes mediadores que têm de estar presentes: os peritos
em offshores, ou em fundos, ou em empresas fantoche, que normalmente
são consultores financeiros; e/ou grandes firmas de advogados que
operam já em mercados internacionais e que são conhecedores das
brechas, das leis e dos mecanismos de controlo e que vão trabalhando
nas margens, para branquear o dinheiro que vai reentrar no circuito,
limpinho. É essa a sua função. Pode haver ainda alguém com
componente de tecnologias da informação, porque muito disto faz-se
virtualmente. Importa estar em cima disto, sim. Se me fala de uma
reflexão legislativa, é aqui que ela é mais necessária.
Pela dimensão do
caso, ao nível as pessoas implicadas e da extensão de documentos,
isto é muito transversal. Concorda?
Isto é sistémico,
aliás, transsistémico. Não vamos pensar que situações destas não
vão ser desvendadas no futuro. Algumas destas investigações vão
originar novas investigações que são abertas até pelo poder
judicial. E isto não é neutro, tem impacto na política externa.
Quando os governos não assumem uma posição dura em relação a
este tipo de práticas capitalistas e sem transparência, o que vai
acontecer é que vai haver perdedores. E os perdedores somos todos
nós, os contribuintes dos países que ficam sem o dinheiro da fuga
aos impostos e as populações que ficam mais expostas. Isto cria uma
má imagem do financiamento da economia e cria uma enorme suspeita e
tensão relativamente àquilo que são os países que mais peso têm
na gestão desta economia global. Movimentos extremistas estão a
rebelar-se contra o Ocidente e contra um sistema económico injusto
que é governado por estes países.
Mas esses países
também usam offshores.
Claro! Estes grupos
não são o Robin dos Bosques e também se financiam através disso.
O que eu quero dizer é que fazem uma batalha discursiva sobre o
sistema capitalista podre dominado pelo Ocidente, mas depois também
compram armas ao Ocidente. É pura hipocrisia. Mas que há um impacto
negativo em termos de relações externas, há.
Acredita que isto
vai ter outro tipo de consequências?
Acredito que haja
consequências a partir do momento em que as revelações são
feitas. Isto não é perfeitamente inóquo.
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