EDITORIAL / PÚBLICO
“Naturalmente”,
a única saída digna
DIRECÇÃO EDITORIAL
08/04/2016 - PÚBLICO
A
demissão de João Soares consumou a única saída digna para este
caso. E agora, o que nos espera?
António Costa
aceitou, "naturalmente", o pedido de demissão do ministro
da Cultura do seu Governo, João Soares. Era, como se percebeu, a
única saída digna. E é irrelevante, para tal desfecho, que a
demissão tenha sido induzida pelo primeiro-ministro (e tudo indica
que o foi, pelas suas declarações críticas, embora não tenha
assumido a decisão), ou se João Soares percebeu finalmente que já
não tinha alternativa. A verdade é que a sua demissão corresponde
a uma escolha, aliás, legítima para qualquer cidadão: não
querendo, como afirmou taxativamente na sua declaração de demissão,
"prescindir do direito à expressão de opinião e palavra",
optou por este (que usará como entender) e deixou o Governo. Parece
que percebeu, enfim, que eram duas coisas incompatíveis, sobretudo
na forma desabrida como praticava a primeira. Mas não saiu sem ao
menos atribuir a sua demissão a um acto solidário com o Governo
("razões que têm que ver com a minha profunda solidariedade
com o Governo e o primeiro-ministro, e o seu projecto político de
esquerda") e sem acrescentar esta nota: "Sublinho o
privilégio que representou para mim ter integrado este Governo."
Não disse, embora outros o digam por ele, que desperdiçou tal
"privilégio" por sua inteira culpa, pessoal (pela forma
como se vinha comportando) e política (pela sua actuação
ministerial). A isto o primeiro-ministro, António Costa, acrescentou
uma outra nota, final, que só pode ser lida como apontamento
irónico, e quase com um (involuntário?) toque literário: "Tenho
a certeza de que, se tivesse tido oportunidade de desenvolver o seu
trabalho durante quatro anos, seria pelo país todo reconhecido como
um grande ministro da Cultura."
Só que não se
aceita "naturalmente", e sem pestanejar, a demissão de
alguém que poderia vir a ser "um grande ministro da Cultura".
Por isso, este toque de farsa num desfecho que em si foi inevitável
e de certa maneira exemplar (João Soares seguiu o caminho que
escolheu, disse-o claramente e ninguém pode, assim, acusá-lo de se
ter agarrado a um lugar onde não deixa saudades) serve-nos de
provisório epílogo a esta história, que há-de ter continuação
no curto prazo. Depois da experiência falhada de João Soares (que,
fora do Governo, por mais "salutares bofetadas" que prometa
aos seus detractores, não será uma sombra para a governação),
António Costa terá de inventar uma saída que não o faça correr
mais riscos. Deste livrou-se a tempo, e os que se preparavam para
fazer do triste episódio um pretexto (fundado) para uma batalha
política baixaram a guarda. Mas o que se segue? Um nome já "rodado"
na pasta? Um Tiago Brandão Rodrigues com pergaminhos literários? Um
novato? É certo que nem a pasta em si nem o orçamento com que é
pobremente contemplada aguçam o apetite de ninguém. Mas como Costa
quis "elevar" a Cultura de secretaria de Estado a
ministério, agora não pode voltar atrás. Tal como o ex-ministro,
tudo nesta saga é sem retorno. Veremos o que nos espera.
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