Costa
já não andava satisfeito com desempenho de Soares
SÃO JOSÉ ALMEIDA e
SOFIA RODRIGUES 09/04/2016 - PÚBLICO
O
primeiro-ministro só não reagiu mais cedo ao caso das “bofetadas”
por causa da reunião do Conselho de Estado, que se realizou na tarde
em que tudo aconteceu
Não foi a primeira
vez que António Costa se sentiu incomodado com a actuação de João
Soares como ministro da Cultura, que se demitiu esta sexta-feira de
manhã, na sequência da polémica criada pelo facto de ter falado em
dar umas “bofetadas” aos cronistas do PÚBLICO Augusto M. Seabra
e Vasco Pulido Valente através de um post no Facebook.
Já o caso do Centro
Cultural de Belém (CCB) tinha deixado negativamente impressionado
António Costa e causado mal-estar no Governo. O primeiro-ministro
não terá concordado com a forma como João Soares tornou pública a
demissão de António Lamas, durante as audições parlamentares
sobre Orçamento do Estado, nem terá considerado positiva a
indicação de Elísio Summavielle para a presidente do CCB.
O ponto final na
carreira de ministro da Cultura de João Soares terá começado logo
na quinta-feira. O sinal para o exterior foi dado por António Costa,
ao comentar a situação criada por João Soares. Tendo tudo ocorrido
num dia em que se realizava o primeiro Conselho de Estado do novo
Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, onde estava como
convidado o presidente do BCE, Mario Draghi, Costa deixou os
acontecimentos desenrolarem-se e só à noite, ao entrar para um
espectáculo do Teatro da Comuna, em Lisboa, tratou de pedir desculpa
a Seabra e a Pulido Valente.
“Eu, pessoalmente,
quero também expressar publicamente desculpas a duas pessoas, a
Augusto M. Seabra, por quem tenho particular estima, e a Vasco Pulido
Valente, por quem tenho consideração”, começou por dizer o
primeiro-ministro. E rematou num tom crítico em relação a Soares:
“Obviamente já recordei aos membros do Governo que, enquanto
membros do Governo, nem à mesa do café se podem deixar de lembrar
que são membros do Governo e, portanto, devem ser contidos na forma
como expressam as suas emoções.”
A reacção de João
Soares não se fez esperar, após uma intervenção de António Costa
que foi lida no PS e no Governo como condenatória do até aí
ministro da Cultura e que, segundo alguns socialistas, foi mesmo um
convite, através da comunicação social, à demissão. Ontem de
manhã, João Soares enviou à Lusa uma declaração na qual
anunciava que já apresentara a demissão ao primeiro-ministro.
“Torno público
que apresentei esta manhã ao senhor primeiro-ministro, António
Costa, a minha demissão do XXI Governo Constitucional. Faço-o por
razões que têm que ver com a minha profunda solidariedade com o
Governo e o primeiro-ministro, e o seu projecto político de
esquerda”, escreveu João Soares. Uma demissão que foi de imediato
oficialmente aceite por António Costa, em declarações aos
jornalistas no Porto. “Naturalmente, aceitei o seu pedido de
demissão”, anunciou António Costa. Fez questão, porém, de
salientar que a decisão era “totalmente exclusiva” de João
Soares, que elogiou: “Tenho a certeza de que, se tivesse tido
oportunidade de desenvolver o seu trabalho durante quatro anos, seria
pelo país todo reconhecido como um grande ministro da Cultura.”
Logo na
quinta-feira, João Soares demorara a pedir desculpa e fizera-o em
estilo irónico primeiro, em resposta ao Expresso, e mais tarde
através de uma declaração à Lusa que foi divulgada perto da
meia-noite e já depois de o primeiro-ministro ter pedido desculpa a
Seabra e a Pulido Valente ao chegar ao Teatro da Comuna. “A minha
intenção não foi ofender. Se ofendi alguém, peço desculpa”,
afirmava João Soares.
PSD quer ouvir
Soares
O PSD mantém o
requerimento apresentado nesta sexta-feira de manhã, ainda antes da
demissão do ministro, para ouvir João Soares, o conselho regulador
da Entidade para a Comunicação Social, presidido por Carlos Magno,
e a directora do PÚBLICO, Bárbara Reis.
Já depois da
demissão do ministro, o líder da bancada do PSD, Luís Montenegro,
acusou o Governo e o primeiro-ministro em particular de assumirem uma
atitude sistemática de tentativa de condicionamento da comunicação
social. Montenegro começou por dizer que João Soares se demitiu por
causa das declarações de António Costa e não pelas suas próprias,
o que revela a “relação interna no Governo”.
Montenegro
sublinhou, contudo, que a questão política se mantém e que tem um
âmbito mais geral. “Os membros do Governo pressionam, condicionam
a liberdade de expressão e a liberdade de informação dos
profissionais da comunicação social”, acusou, defendendo que “o
Parlamento deve prosseguir o seu esforço para avaliar a relação
dos membros do Governo com a comunicação social”.
Essa atitude de
condicionamento “tem feito escola”, afirmou Montenegro. “O
primeiro-ministro é alguém que tentou condicionar a comunicação
social através de um sms a um director de um jornal [Expresso] e a
instar aqui mesmo [nos Passos Perdidos] os senhores jornalistas a
perguntar ao principal partido da oposição qual a posição sobre o
Orçamento”, apontou.
Já o líder
parlamentar e presidente do PS, Carlos César, disse “compreender”
e “respeitar” as razões que João Soares invocou para a sua
demissão. E não se alongou nos comentários. “Agora compete ao
primeiro-ministro, tendo aceite essa demissão, proceder à nomeação
do novo ministro da Cultura e o assunto está encerrado”, declarou
Carlos César aos jornalistas à saída do plenário, na Assembleia
da República.
César negou que
esta demissão fragilizasse o Governo e argumentou apenas que a
demissão “não ocorreu por razões políticas ponderáveis, mas
por coisas um pouco marginais à essência política da governação”.
O mesmo afirmou o líder da bancada do BE, Pedro Filipe Soares. “Não
me parece que o Governo fique fragilizado”, respondeu aos
jornalistas. A posição assumida pelo BE é de desvalorização do
caso, mas é também de condenação das ameaças. “Foi um ministro
que disse o que não devia”, afirmou Pedro Filipe Soares, embora
considere “não haver nenhum problema político” em causa.
Na mesma linha com
as restantes bancadas da esquerda, a deputada do PCP Ana Mesquita
quis minimizar este episódio, preferindo questionar a política da
Cultura que será seguida pelo próximo titular da pasta. “Mais do
que nos focarmos no episódio do ministro João Soares, queremos
saber qual vai ser a política do Ministério da Cultura”, afirmou.
A deputada repetiu a resposta quando confrontada com a pergunta sobre
o motivo do silêncio da bancada do PCP sobre as ameaças de dar
bofetadas lançadas no Facebook pelo então ministro a dois
colunistas do PÚBLICO.
O CDS, pela voz do
deputado António Carlos Monteiro, considera este episódio
“lamentável” e a demissão “inevitável”, sobretudo “depois
das declarações de António Costa” em que foi omisso sobre se
mantinha a confiança no ministro. “Desejamos que se aproveite a
oportunidade para ter um ministro da Cultura, porque se tem falado de
João Soares mas por motivos que não os da cultura”, afirmou.
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