Pais do Amaral pagou 1,4 milhões para escapar a acusação de fraude fiscal.
Por Mariana Oliveira in Público
02/07/2013
Foi o primeiro inquérito, dos sete em que foi dividida a Operação Furacão, a ser concluído. O Ministério Público acusou 24 pessoas mais seis empresas. O Estado terá sido lesado em 36,6 milhões de euros
O empresário Miguel Pais do Amaral pagou mais de 1,4 milhões de euros ao Estado na sequência da investigação conhecida como Operação Furacão, o que lhe permitiu escapar a uma acusação de fraude fiscal qualificada. Como não pagou 978 mil euros, a actriz Marina Mota não conseguiu fugir ao rol de 30 acusados num dos sete inquéritos - o primeiro a ser concluído - em que foi dividida esta investigação.
Os dados fazem parte do despacho de acusação do inquérito a que o PÚBLICO teve acesso e que corre há nove anos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), um serviço especializado na investigação da criminalidade económico-financeira.
Neste primeiro caso foi apurado um prejuízo para o Estado de 36,6 milhões, uma parte do qual foi pago no decurso do processo. Mesmo assim subsiste um prejuízo de 27,8 milhões de euros, um valor que o Ministério Público exige a 26 dos 30 arguidos acusados neste processo.
Entre eles está o principal mentor deste complexo esquema de fraude fiscal, Diogo Teixeira Viana, vários dos seus colaboradores e alguns beneficiários que se recusaram a ressarcir o Estado.
De fora ficou quem saldou as dívidas fiscais, acrescidas de juros. Nesta situação está o empresário Miguel Pais do Amaral, mas também o conhecido médico nortenho Carlos Silva Torres, que dá nome a uma rede de laboratórios espalhada pelo distrito do Porto.
A dívida de Pais do Amaral resulta de diversas operações feitas por várias empresas do grupo Media Capital, que então controlava, e a que, após um afastamento de anos, está a presidir. O Ministério Público diz que, entre Janeiro de 2001 e Fevereiro de 2004, foram emitidas facturas num valor global superior a 4,5 milhões de euros, que circularam por empresas criadas no estrangeiro (a maioria no Reino Unido e na Irlanda) com o objectivo de fugir aos impostos. As facturas foram "recebidas, contabilizadas e pagas, sendo que todas elas dizem respeito a serviços que não foram efectivamente prestados", lê-se na acusação. Os montantes foram depositados em contas bancárias que "foram posteriormente colocadas na disponibilidade de Miguel Pais do Amaral", explicita-se. Nestes casos não houve prejuízo em sede de IRC, já que as empresas apresentavam prejuízos, mas em sede de IRS, dado que o empresário não declarou rendimentos que auferiu. "Os factos praticados permitiram, todavia, a transferência para a esfera pessoal de Miguel Pais do Amaral da quantia de 4.382.000 euros equivalente aos fundos que deram entrada nas contas bancárias por si controladas, directa ou indirectamente", escrevem Jorge Rosário Teixeira e Ana Catalão, os dois procuradores que assinam as mais de mil páginas da acusação.
Contactado pelo PÚBLICO, o empresário começou por sublinhar que presidia a uma empresa que tinha 1600 funcionários e que o "mecanismo não foi implementado por si". Acabou, contudo, por assumir ter conhecimento do esquema que admitiu não ser legítimo. "Na altura era uma prática corrente em várias empresas. Era uma forma de as empresas, que tinham dificuldades de cumprir os seus compromissos, aliviarem a factura fiscal", afirmou.
Pais do Amaral realça que pagou do seu bolso os impostos, apesar de, na altura, em 2010, já ter vendido as suas acções na Media Capital. "Tomei a iniciativa de pagar do meu bolso, sem ter de o fazer. E houve várias pessoas que beneficiaram disso", sustenta, sem nunca referir que 1,2 milhões da dívida eram apenas da sua responsabilidade, já que diziam respeito a rendimentos seus não declarados.
Finibanco acusado
O Finibanco, entretanto adquirido pelo Montepio Geral, é uma das seis empresas acusadas de fraude fiscal qualificada, havendo também entre os arguidos responsáveis deste banco. No centro do caso está o grupo Finatlantic, fundado em 1993 por Diogo Teixeira Viana, que também esteve na origem da criação do banco IFI, em Cabo Verde, por onde circulava o dinheiro que tinha fugido ao fisco.
"O arguido Diogo Viana proporcionava aos seus clientes a possibilidade de, através da utilização das entidades instrumentais supra referidas, quer as registadas em territórios off-shore, quer as com regime mais favorável no Reino Unido, proceder à simulação de operações comerciais, criando circuitos documentais e financeiros sem correspondência com a realidade, de forma a provocar uma redução do pagamento de impostos devidos em Portugal", resume o Ministério Público.
Eram criadas sociedades de fachada na Irlanda e Reino Unido que apenas serviam para emitir facturas relativas a mercadorias - na maioria inexistentes e noutros casos com o valor muito empolado - compradas pelas empresas nacionais. Estas pagavam às sociedades que funcionavam como testas-de-ferro os valores facturados e registavam as facturas falsas na sua contabilidade como custo, diminuindo assim o lucro sujeito a imposto. O dinheiro recebido pelas sociedades de fachada era depois transferido para contas bancárias de outras sociedades entretanto criadas em zonas off-shore e das quais eram últimos beneficiários os gestores das empresas clientes. Por este serviço os promotores cobravam habitualmente 5% dos valores facturados e transferidos.
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