O ministro que implodiu o Governo.
Editorial / Público/
02/07/2013
O silêncio de Pedro Passos Coelho sobre a saída de Gaspar é revelador da fragilidade em que se encontra
Vítor Gaspar perdeu uma batalha. E escolheu sair do Governo deixando atrás de si uma bomba de neutrões: uma extensa carta que tornou pública, um gesto de que não há memória em democracia, na qual deixa claro que sai das Finanças por causa da oposição interna que sentiu dentro do Executivo. O alvo principal dessa acusação, nunca nomeado, é Paulo Portas, que passa a número dois do Governo. Mas quem é de facto arrasado por Vítor Gaspar é o próprio Passos Coelho. O ministro que está de saída endossa-lhe a responsabilidade por garantir as condições internas de concretização do programa de ajustamento e a manutenção da credibilidade externa do país. "Cabe-lhe o fardo da liderança", diz o antigo número 2 do Governo ao primeiro-ministro. Vítor Gaspar denuncia a falta de coesão interna do Governo e expõe a fragilidade do primeiro-ministro, que ficou privado do mais importante pilar do seu governo. E permaneceu em silêncio perante a demissão, o que é revelador da fragilidade em que se encontra. Quando escreve que só ao fim de três meses recebeu o mandato pleno para fechar a sétima avaliação da troika, Vítor Gaspar está a questionar directamente a liderança de Passos.
Ao longo deste dois anos, o ex-ministro das Finanças foi o rosto do programa de ajustamento e a figura-chave da articulação entre o executivo e os parceiros da troika. A perda dessa relação de confiança com a troika será desastrosa para o país. Maria Luís Albuquerque pode ser estimada em Bruxelas, mas não tem peso político real. E é promovida nas piores condições possíveis, devido ao caso dos swaps. Se Gaspar não conseguiu resistir às pressões internas, não será a sua sucessora a consegui-lo.
As políticas defendidas por Gaspar foram cada vez mais criticadas dentro e fora do Governo e acabaram por conduzir a um isolamento político do executivo. Mas foi sempre um ministro responsável e realista, quanto à situação do país. Os erros nas previsões descredibilizaram-no (como o próprio reconhece), mas exerceu o cargo com seriedade e resiliência. E aos que exigiram a suavização das condições do programa de ajustamento (que é a única coisa que o país pode exigir neste momento), pode apresentar resultados concretos. A sua saída não representa uma mudança nas políticas de austeridade, que têm tido resultados desastrosos. Mas parece indiciar um triunfo da irresponsabilidade dentro do Governo, que um Passos muito fragilizado não travará. Portas não resistirá a acrescentar, com subtileza, o escalpe do ministro das Finanças à lista de benfeitorias que fez aos portugueses, enquanto principal partido da oposição e segundo partido da coligação, parafraseando uma frase involuntária do ministro Marques Guedes. Os que em segredo clamarem vitória dentro do Governo pela demissão de Gaspar sabem que não têm um país, mas sim um teatro falido e que ainda não fez as reformas mais importantes. E o risco dessas reformas não virem a ser feitas é real e dramático.
Vítor Gaspar passa certidão de óbito ao Governo.
02/07/13 00:35
António Costa in Diário Económico online
Vítor Gaspar sai do Governo como não se esperava, especialmente de quem assumiu todo o protagonismo, e nunca o recusou, zangado com a sua incapacidade para levar a efeito a reforma do Estado
Vítor Gaspar sai do Governo como não se esperava, especialmente de quem assumiu todo o protagonismo, e nunca o recusou, zangado com a sua incapacidade para levar a efeito a reforma do Estado, zangado com o primeiro-ministro por ausência de uma liderança de suporte ao ajustamento, zangado com os seus colegas de Governo. E assinou, como nunca o fez o melhor discurso de António José Seguro, a certidão de óbito deste Governo. Só falta saber a data.
Ao contrário do que parece, a saída de Vítor Gaspar neste momento, nestas circunstâncias, por estas razões, que o próprio explicitou numa carta - uma peça de antologia para a história política e económica do país - é um péssimo sinal. Vítor Gaspar é o responsável directo pela recuperação da credibilidade do país junto dos mercados e dos credores, os actuais, ou seja, a ‘troika', e os futuros. Tem esse crédito, ninguém lho tira. Mas não percebeu o país que tinha, falo do país económico, da estrutura empresarial, dos trabalhadores. Nem sequer a sua dimensão política, desvalorizou-a a todos os outros objectivos, externos. E, portanto, o que fez de melhor acabou por ser o principal obstáculo à sua actuação como ministro das Finanças.
É, ainda assim, uma saída que fragiliza o Governo. Porquê? Porque Vítor Gaspar confessou a sua incapacidade para levar o acordo com a ‘troika' até ao fim, até Junho de 2014. Assume-o de forma séria e honesta, porque já não tinha a credibilidade e confiança de ninguém. Nem sequer da ‘troika', como se percebeu nos últimos dias. O problema, a questão que fica, é porquê? Por responsabilidades próprias e, sobretudo, por falta de apoio político, do primeiro-ministro e do resto do Governo.
Quando são muitas as dúvidas sobre a capacidade do Governo de levar a cabo a reforma do Estado, Vítor Gaspar deixa claro que não tem dúvidas nenhumas. Não será mesmo para fazer, ou, então, muita coisa tem de mudar. A certidão de óbito está passada, é mais grave do que qualquer declaração de António José Seguro ou qualquer greve geral, e tem a assinatura do mais insuspeito dos subscritores, o próprio Gaspar.
O que fica, então, para a nova, e surpreendente, ministra das Finanças, agora, número três do Governo, depois de Paulo Portas? Maria Luís Albuquerque não vai mudar de política, vai tentar fazer, de facto, o que Vítor Gaspar não conseguiu. Sem o mesmo peso político, mas com um perfil de executiva, dura e rigorosa, apesar dos ‘swap', que, agora, se tiverem algum desenlace, arrastarão todo o Governo.
Pedro Passos Coelho centraliza o poder em torno de três pessoas que são da sua total confiança política: Carlos Moedas, Poiares Maduro e Maria Luís Albuquerque. A ministra das Finanças tem pulso firme, conhece os dossiês e é conhecida da ‘troika', com quem o Governo tem ainda de negociar o fim deste acordo e o novo programa cautelar. O primeiro-ministro não tinha outra solução, nem melhor. Mas se é a solução possível, o sucesso do seu trabalho está longe de estar garantido. Como escreve Vítor Gaspar, que se despede com "amizade, lealdade e admiração".
O primeiro teste, de Maria Luís Albuquerque e do próprio Governo, vai ser o Orçamento do Estado para 2014. Vai ser mais relevante para o futuro político deste Governo, e do país, do que o resultado das autárquicas.
PS: A demissão de Vítor Gaspar do Governo coincide com o regresso de Teixeira dos Santos à vida política. Poderia ser mais irónico?
Defeitos e virtudes de Gaspar
Por João Miguel Tavares in Público
02/07/2013
A verdadeira carta de demissão de Vítor Gaspar não foi aquela que ontem apresentou a Pedro Passos Coelho. Foram as declarações que proferiu no início de Junho, à margem de uma conferência em Lisboa. Instado pelos jornalistas a comentar os erros que cometeu durante a sua passagem pelo Governo, Gaspar respondeu com uma inesperada frontalidade: "Tenho o maior gosto em discutir erros, mas apresentar uma lista seria demasiado demorado. Deixe-me apontar-lhe apenas um, que me parece importante." E, pela boca do próprio ex-ministro das Finanças, ficámos a saber que o maior dos seus erros foi este: "Pensei que se poderia dar prioridade à consolidação orçamental e à estabilização financeira sem uma transformação estrutural profunda das administrações públicas. Neste momento, é claro que um esforço muito mais concentrado, desde o primeiro dia, na transformação das administrações públicas, teria sido mais apropriado."
Rui Ramos, no Expresso, chamou a atenção para este extraordinário desabafo de Vítor Gaspar, mas de um modo geral ninguém ligou patavina àquela que foi provavelmente a mais importante declaração política que fez durante os pouco mais de dois anos que esteve à frente do Ministério das Finanças. Gaspar anunciava a quem o quisesse ouvir que no início do seu mandato pensava conseguir pôr ordem nas contas públicas sem efectuar uma profunda reforma do país, e que esse pensamento provara-se, afinal, errado.
Por aqui, ninguém o pode acusar de desonestidade intelectual, e há até que admirar a candura com que, na sua carta de demissão, admite ter falhado: "A repetição de desvios minou a minha credibilidade enquanto ministro das Finanças." Fossem todos os políticos tão sinceros e seríamos todos mais felizes. No entanto, se Gaspar não pode ser acusado de desonestidade intelectual, o primeiro-ministro pode: afinal, a tão famosa e badalada reforma do Estado era, desde o início, apenas um elemento decorativo no programa eleitoral do Governo, um bibelô para enganar eleitores incautos. O homem "que se lixem as eleições" tentou o velho equilibrismo nacional, todo ele muito eleitoralista, que consiste em apostar não na estratégia do bom aluno, mas na do aluno calão: esforçar-se ao máximo para fazer o mínimo, apenas o suficiente para ir passando nos exames da troika. Só que o mínimo, como se vê, não chegou.
Gaspar sai após se dar conta da dimensão do seu erro, e por provavelmente não se sentir com força política para o corrigir. Eu tenho boa impressão de Maria Luís Albuquerque, mas o rali argumentativo a que tem sido obrigada por causa dos swaps não augura nada de bom. Estando o país a meio de um programa de assistência, compreende-se a aposta em quem conhece os dossiês, mas um ministro das Finanças não devia entrar no Terreiro do Paço a fugir de uma barragem de perguntas incómodas. Pior: ao ser despromovida a número três do Governo, trocando com Paulo Portas, ninguém tem dúvidas de quem ganhou o braço- de-ferro da "coesão da equipa governativa". Ou muito me engano, ou a famosa reforma do Estado que Portas se prepara para apresentar vai ser uma mão-cheia de nada e outra de coisa nenhuma, mais centrada na baixa de impostos do que na real diminuição do peso da administração pública. Vítor Gaspar cometeu inúmeros erros, mas a ausência de calculismo político era uma garantia contra os eleitoralismos. Agora isso acabou. E eu duvido que o país vá ficar melhor.
Pedro Lomba lança programa de irresponsabilidade política
Por José Vítor Malheiros
02/07/2013
1. A trapalhada da passagem de informação entre o Governo anterior e o actual sobre os swaps detidos pelas empresas públicas é um bom exemplo da política no seu pior.
O que ficámos a saber, depois das declarações de Teixeira dos Santos e do actual "ministério das Finanças" ter enviado um comunicado à Lusa sobre o tema, foi que a afirmação da (então) secretária de Estado do Tesouro Maria Luís Albuquerque à Comissão Parlamentar de Inquérito, segundo o qual, "na transição de pastas, nada foi referido a respeito desta matéria" é falsa.
É verdade que não se sabe se a ainda secretária de Estado mentiu ou se estava apenas mal informada. E é também verdade que, se estava mal informada, não sabemos se foi porque Vítor Gaspar se esqueceu de lhe contar ou se foi porque este achou que, sendo os swaps um bom negócio para os bancos, era melhor deixar correr o marfim. Mas a verdade é que sabemos hoje que os swaps foram abordados entre Teixeira dos Santos e Vítor Gaspar não apenas de fugida, mas numa manhã e numa segunda reunião à tarde e que o Governo anterior tinha mesmo pedido uma informação sobre o assunto à Direcção-Geral do Tesouro e das Finanças que foi entregue ao Governo de Pedro Passos Coelho logo em Julho de 2011. É difícil dizer que foram apanhados de surpresa.
Ontem, a ainda secretária de Estado do Tesouro insistiu no que disse antes, mas com nuances: disse que "não recebeu" informação sobre swaps na pasta de transição passada pelo anterior secretário Estado. É diferente de dizer que "nada foi referido a respeito desta matéria", mas já se percebeu que, a partir daqui, as meias-verdades rendilhadas ocuparão o centro do palco. Para a semana, outro comunicado do "ministério das Finanças" poderá dizer que é falso que Vítor Gaspar tenha recebido qualquer informação sobre o assunto numa pasta verde e poderemos todos conjecturar sobre a cor da pasta. Seria divertido se não fosse grave.
2. As últimas declarações da ainda-secretária-quase-ministra Maria Luís Albuquerque sobre a questão dos swaps foram feitas no decorrer da bizarra instituição de que o secretário de Estado adjunto do ministro adjunto Pedro Lomba é o orgulhoso protagonista e que dá pelo nome de briefing-ora-em-on-ora-em-off.
Segundo Lomba, há dois tipos de discurso político que estão a alimentar "o sentimento antipolítica": "De um lado, um discurso técnico-político, difícil de perceber e de interpretar; do outro lado, um discurso superficial e vazio que não se compromete com nada e que nada assume."
Para combater o "discurso técnico-político, difícil de perceber e de interpretar", Pedro Lomba vai oferecer "informação correcta e explicada", pedindo nomeadamente aos jornalistas que lhe enviem previamente as perguntas que lhe querem fazer para ele poder estudar as questões.
Para combater o "discurso superficial e vazio que não se compromete com nada e que nada assume", Pedro Lomba propõe-se ter conversas informais off-the-record com os jornalistas, de forma a poder dizer o que lhe apetece em nome do Governo sem ter de se comprometer com nada nem de assumir nada. Confusos? Não estejam. É o que acontece quando uma pessoa se torna adjunto do adjunto de Pedro Passos Coelho.
É admissível que Pedro Lomba não saiba nada de jornalismo, apesar da sua experiência como cronista. Mas, se perguntasse, ficaria a saber que a figura do off-the-record não deve ser um travesti para intoxicação anónima de jornalistas, mas é algo a usar apenas quando é necessário proteger as fontes de alguma forma de retaliação. O Livro de Estilo do PÚBLICO, por exemplo, diz: "O anonimato e o off-the-record devem ser considerados excepções e só existem para proteger a integridade e liberdade das fontes, não são formas de incitamento à irresponsabilidade das fontes. O jornalista deve sempre confrontar a fonte que exige o anonimato ou o off-the-record com a real necessidade de tal exigência, não aceitando com facilidade a evocação prévia de tais compromissos sobre assuntos em que a fonte nada tem a temer."
Claro, não é?
Lomba diz, para se justificar, que há briefings em on e em off "noutras democracias consolidadas". É verdade. Mas também há políticos que têm sexo com menores e escutas sem mandado judicial "noutras democracias consolidadas" e não é por isso que os queremos imitar. Os briefingsoff-the-record do Governo, em qualquer país, são uma prática condenável.
Em termos simples: só em casos excepcionais é admissível que um governante fale off-the-record. O uso do off-the-record reduz a responsabilização (accountability) e aumenta a inimputabilidade (deniability) dos políticos. Muitos o fazem? Sim, mas não deviam fazer e os jornalistas não os deviam ouvir. A aceitação do off-the-record em declarações de um governante promove a irresponsabilidade do governante e do Governo, aumenta a opacidade da política, reduz a liberdade de imprensa e abre a porta ao tráfico de influências. Que alguém que escreveu um livro intitulado Teoria da Responsabilidade Política não perceba isto, é lamentável.
Por Luís Claro in (jornal) i online
publicado em 2 Jul 2013
PSD ficou isolado a defender a competência de Maria Luís Albuquerque. PS diz que nova ministra está "ferida de credibilidade"
Foi com silêncio que o CDS reagiu à escolha de Maria Luís Albuquerque para o Ministério das Finanças. Ao contrário do PSD, que apareceu aos jornalistas para classificar a nova ministra como "extremamente competente", o CDS foi o único partido a não fazer uma conferência de imprensa para falar sobre a demissão de Vítor Gaspar.
Com discrição e cinco horas depois de ser conhecida a saída de Vítor Gaspar, fonte da direcção do grupo parlamentar limitou-se a considerar que "a decisão do ministro das Finanças merece respeito", perante "o esforço que Vítor Gaspar fez". Os centristas sublinham que a tarefa do ministro demissionário era "muito difícil", mas sobre a escolha de Passos para as Finanças o silêncio foi total.
O PSD ficou isolado a defender Maria Luís Albuquerque, que foi criticada por toda a oposição pela ligação ao caso dos swaps. Miguel Frasquilho, vice--presidente do PSD, disse que a nova ministra é "extremamente competente" e "financeiramente e economicamente muito sólida". "Oferece as garantias de que Portugal será capaz de cumprir o Memorando e será capaz de cumprir com a saída da troika prevista para Junho de 2014", disse Frasquilho.
Apesar de Paulo Portas ser a partir de hoje o número dois do governo (até agora era o número três), os dirigentes do CDS optaram pelo silêncio e só Ribeiro e Castro, ex-líder do partido, escreveu no Facebook que a saída de Gaspar não é "uma boa notícia".
PS VAI A BELÉM
O PS pediu com urgência uma audiência ao Presidente da República, o que já não acontecia desde que Cavaco Silva deu sinais evidentes de aproximação ao governo, e o porta-voz do partido voltou a pedir eleições antecipadas. João Ribeiro, numa conferência de imprensa na sede nacional do PS, defendeu que "este governo caiu definitivamente" e criticou a escolha de Passos Coelho para o lugar de Vítor Gaspar. "É uma solução de recurso e que revela bem o estado em que o governo está", disse João Ribeiro, considerando que Maria Luís Albuquerque "está ferida de credibi- lidade", numa alusão à polémica sobre o contratos de swap (ver página 19).
Na mesma linha, o líder parlamentar do PS, Carlos Zorrinho, defendeu nas redes sociais que "os avanços e recuos" nos swaps põem a nova ministra "na corda bamba" e que Maria Luís "é uma espécie de suplente lesionada".
O BE foi mais longe e, pela voz do seu líder, João Semedo, defendeu que "Maria Luís Albuquerque é a primeira ministra que antes de o ser já fez o suficiente para ser demitida".
Os bloquistas voltaram a pedir a demissão do governo, tal como os comunistas, que consideram que os problemas do país não se podem resolver com "demissões aos pedacinhos". "Este governo até pode ir buscar novamente o senhor Relvas, mas não se resolve o problema à peça, substituindo este ou aquele ministro", disse o secretário-geral dos comunistas, Jerónimo de Sousa.
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