OPINIÃO
Não
há nada a mudar no modelo do CCB
MIGUEL LOBO ANTUNES
04/04/2016 - PÚBLICO
Um
administrador nomeado por um Governo deve pôr de imediato o seu
lugar à disposição quando o Governo muda.
Várias pessoas que
dão a sua opinião sobre o que acham que é ou deve ser o Centro
Cultural de Belém (CCB) se referem à necessidade de os governos
definirem com clareza o destino a dar àquele equipamento cultural e
construírem um modelo imune às pressões políticas, ou seja, às
orientações dos executivos. Postas assim as coisas, já se vê como
são contraditórias: pede-se aos governos, simultaneamente, que
digam o que querem, mas que abdiquem do seu poder para que o que
querem seja feito.
A definição do
destino daquele equipamento público que, como todo o património
público, tem de ser entendido como pertença de todos, deve ser
feita por quem tem legitimidade democrática para isso: o Governo.
Essa definição deve constar dos estatutos do CCB aprovados por
diploma legal. Tendo em conta que a vida está em constante mudança,
muitas vezes apressada. A vida cultural em Lisboa e no país mudou
imenso nos últimos 23 anos (o CCB, recorda-se, abriu portas ao
público em 1993). Os estatutos têm de permitir diferentes
concretizações da missão definida, de modo a não estarem
permanentemente a ser modificados. Os atuais estatutos têm-no
possibilitado. É bom sinal.
O modo como os
ministros concretizam, para cada período de governação, o que está
definido de um modo flexível nos estatutos, é através da nomeação
das pessoas que vão ser responsáveis por gerir o CCB. Tudo se joga
aí. Como sempre. O que interessa são as pessoas. As leis ou as
orientações programáticas de pouco ou nada servem. Quem seja
designado para as interpretar e aplicar é que importa. Esta é uma
observação óbvia, ou que a experiência torna óbvia. E não se
aplica só à gestão de centros culturais ou teatros nacionais.
Nunca ouvi nenhum
responsável governamental que tivesse a tutela do CCB dizer o que
quer que fosse de relevante sobre ele. O que me tem cimentado a
convicção de que não o fazem simplesmente porque não sabem.
Delegam essa tarefa em quem lá põem. Quando me calhou em sorte,
formei uma equipa de excecionais programadores e estivemos um mês a
discutir entre nós o que achávamos que deveria ser feito.
Condensámos em duas folhas de papel o que concluímos, levei para
aprovação do meu conselho de administração e de seguida ao senhor
ministro. Meras formalidades. Mas as formalidades podem ser
justificadas.
Tanto quanto me
lembro — mas a memória cria o passado, por isso nela não me fio
muito —, o senhor ministro aos costumes disse nada. Que fizéssemos
o que bem entendêssemos foi como interpretámos o silêncio. Tinha
confiança nas pessoas que nomeava. Um ministro não sabe de
programação, nem tem de saber. Tem de saber que política cultural
quer para o país e, em traços gerais, como utilizar cada
instrumento disponível para a cumprir. A seguir, tem de escolher as
pessoas que protagonizem essa política e, salvo quando tem de tomar
as decisões administrativas, dar-lhes a liberdade de decisão
justificada pelo juízo de competência que sobre elas faz.
No caso do CCB, o
Governo tem de saber se quer mantê-lo como centro cultural, tal como
os estatutos o definem, ou se quer outra coisa qualquer, como, por
exemplo, ser a cabeça de uma gestão integrada do património da
zona de Belém composta por monumentos, museus, centros culturais,
jardins, muito cobiçada pelos turistas. Até agora, nunca ouvi
nenhum ministro ou secretário de Estado dizer que o CCB deveria
abandonar o seu desígnio estatutário. O mais que se fez foi
encomendar estudos, o que sempre foi uma ótima forma de gastar
dinheiro para que se crie a ilusão de mudança.
Julgo que não há
nada de essencial a mudar no modelo estatutário, nem deve o Governo
pronunciar-se sobre a concretização da programação do CCB. Deve
escolher bem as pessoas. Se não está satisfeito com a gestão
daqueles que nomeou, muda-os, no final do mandato. Se recebe uma
direção que quer mudar, caso ela não ponha o seu lugar à
disposição, como refiro adiante, demite e nomeia outra equipa.
Um administrador
nomeado por um Governo deve pôr de imediato o seu lugar à
disposição quando o Governo muda. O CCB não é uma direção-geral,
não é um instituto público. Não é um órgão administrativo que
possa ser dirigido por qualquer gestor desde que se ache bom gestor.
É um lugar de confiança política, porque concretiza, com ampla
liberdade, uma política. Para mim, pôr o lugar à disposição é
uma clara exigência ética. Sei que neste ponto, como nos que refiro
acima, a minha opinião vai contra o que, talvez maioritariamente, as
pessoas pensam. Por isso a dou.
Ex-administrador do
Centro Cultural de Belém
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